Soldada é presa após recusar extrapolar horário por precisar amamentar
Ela trabalharia até as 20h, mas perto de largar, foi ordenada a exceder o tempo de plantão
A soldada da Polícia Militar do Maranhão Tatiane Alves fez uma denúncia nas redes sociais após ser presa, pelo próprio comandante, por se recusar a trabalhar fora do horário de escala. Ela trabalharia até as 20h, mas perto de largar, foi ordenada a exceder o tempo de plantão. Apesar de alegar não poder ficar e estar perto do horário em que amamentaria o filho, ela acabou detida por desobediência.
Na PM, não há obrigação de um membro trabalhar após seu horário de expediente. No próprio vídeo postado por Tatiane é possível ouvir um tenente afirmando que é feito um acordo para que, se possível, a pessoa se mantenha no posto e folgue em um outro dia. Se não se chegar em um acordo, o militar não é obrigado a trabalhar além do seu horário. No caso de Tatiane, havia a necessidade de amamentar o filho.
O caso ocorreu no dia 5 de setembro, quando a policial estava na equipe de patrulhamento do Batalhão de Turismo, durante um evento no Centro Histórico de São Luís. Por volta das 20h, o comandante da equipe, o tenente Mário Oliveira, exigiu que ela continuasse trabalhando, mesmo após o horário de expediente previsto para aquele dia. O caso foi gravado em vídeo e divulgado por Tatiane.
“Meu filho tem 2 anos e seis meses. Eu trabalharia das 14h às 20h e precisava amamentar. Então ele [Oliveira] disse que iria ligar para o comandante do Batalhão de Turismo e depois me deu voz de prisão em flagrante por desobediência”, conta.
Após ser detida, ela foi encaminhada a um alojamento de policiais no Comando Geral da Polícia Militar, em São Luís, onde ficou presa por 24h, até a expedição de um alvará de soltura solicitado por sua defesa. Assim que saiu da prisão, a PM foi comunicada de que teria que ser transferida de posto.
Inicialmente, a policial foi para o 9º Batalhão, que atende outra região de São Luís, mas, após dialogar com o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Jefferson Portela, Tatiane foi encaminhada para a Patrulha Maria da Penha, voltada a reprimir casos de violência contra a mulher.
No entanto, ela ainda não está trabalhando porque está fazendo tratamento psicológico e diz não ter medo de sair da polícia por divulgar o ocorrido no Centro Histórico.
Relato da soldada presa por não querer extrapolar horário por precisar amamentar
“O medo de ser exonerada eu já não tenho mais. Porque não adianta a gente ficar em um ambiente de trabalho onde você adoece, e eu já adoeci. Eu permaneci um ano afastada para trabalhar meu psicológico, e quando eu pensei que algo poderia mudar, eu vi que não. Não muda. O ambiente militar é complicado, principalmente na polícia”, desabafou.
O UOL entrou em contato com o tenente Mário Oliveira. Ele afirmou não ter autorização do comando da PM para tratar do assunto.
Questão de voz
Tatiane já havia denunciado um outro caso, de assédio sexual, que ela afirma ter sofrido na cidade de Imperatriz, e que também resultou em transferência para outro batalhão. Na época, em 2020, ela gravou um vídeo relatando o caso e também compartilhou nas redes sociais.
Em 2021, a policial decidiu criar um perfil no Instagram para divulgar casos de abuso dentro da polícia, o @relatosdeabusomilitar.
“Assédio na Polícia Militar eu sofro desde o curso de formação e muitos policiais sofrem assédio moral, principalmente, e abuso psicológico até o decorrer da profissão. Nenhuma situação é resolvida porque a gente se submete a aceitar para não perder o emprego. E quando fazemos algum tipo de denúncia, quem sofre é a vítima. A denúncia que enviamos é para a Corregedoria, que é formada por oficiais. E, na maioria, as situações de abuso são cometidas por oficiais contra os praças”, afirma.
Procuradas pelo UOL para responder à denúncia, a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública optaram por adotar resposta única. Em nota, a SSP/MA diz lamentar o ocorrido e que “reforça seu comprometimento em mitigar condutas de membros da corporação, incompatíveis com os princípios profissionais e éticos que orientam as atividades do Sistema de Segurança do Maranhão”.
O órgão diz que “as providências cabíveis foram adotadas”, bem como que o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Jefferson Portela, “tão logo teve conhecimento do caso, convidou a soldada Tatiane Alves no intuito de escutar, acolher e prontamente solucionar o caso. Fato divulgado pela própria em entrevistas”.