Tecnologia

Starlink, de Musk, é única a atender exigências em disputa por internet para o Exército na Amazônia

Edital define série de parâmetros que eliminam a concorrência e direcionam a contratação em favor da Starlink

(Folhapress) O Comando Militar da Amazônia, do Exército, abriu uma licitação de R$ 5,1 milhões para aquisição de internet via satélite com exigências que somente a Starlink, empresa de Elon Musk, consegue atender no Brasil.

O edital divulgado pela Força define uma série de parâmetros que eliminam a concorrência e direcionam a contratação, segundo especialistas, empresários e integrantes da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ouvidos pela Folha.

Os documentos do Exército definem que só seriam aceitas propostas de internet via satélite de baixa órbita com velocidade mínima de 80 megabits de download, 20 megabits de upload e latência (velocidade de envio de pacotes de dados) não superior a 100 milissegundos.

Apesar de sete empresas operarem satélites de baixa órbita no Brasil, somente a Starlink atende a todos os critérios na região amazônica —enquanto outras operadoras conseguem atingir a velocidade, mas não a latência definida no edital.

É o caso da Hughes Telecomunicações do Brasil, que opera no país a constelação de satélites de baixa órbita OneWeb.

A empresa questionou o Exército se seria possível apresentar proposta de serviço de internet que atingisse a velocidade exigida, mas tivesse latência um pouco maior.

“Prezando para maior abertura da concorrência, não atrelando somente a soluções de um único provedor de tecnologia LEO (baixa órbita da terra, em inglês), e valorizando a economicidade do certame, entendemos que soluções de baixa órbita que atendam as especificações de velocidade e franquia, [mas atinjam] latência máxima de até 280 milissegundos […] podem ser consideradas neste certame”, questionou a Hughes no processo.

O Exército negou a solicitação de abertura da licitação.

“Para o dia a dia de uma empresa ou de um órgão público, a diferença da latência de 100 [milissegundos] para 200 faz pouca ou nenhuma diferença”, disse Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade. “Faz muita diferença se você é um gamer ou opera na Bolsa de Valores”.

Ele avalia que não faz sentido definir uma latência máxima que elimine a concorrência sem demonstrar, no edital da licitação, os motivos claros que justifiquem os parâmetros estabelecidos.

“O que me parece é que as exigências estão desrespeitando as regras de proporcionalidade. O quanto você pede tem que ser proporcional ao tanto que você precisa. O Estado precisa justificar por que está restringindo a concorrência”, completou.

Em nota, o Exército disse que os parâmetros foram definidos após realizar pesquisas de mercado e verificar as suas necessidades operacionais. Serão 104 pontos de instalação de antenas, sendo 64 em lugares fixos e 40 para uso itinerante.

“O uso da tecnologia de comunicação por meio de satélites de baixa órbita tem se mostrado capaz de atender aos requisitos de conectividade das aplicações militares, em particular, na região amazônica e na faixa de fronteira, tais como aplicações de vídeo para acompanhamento de operações em lugares remotos, telefonia IP, videoconferência, acesso a sistemas corporativos administrativos e operacionais”, afirmou a Força.

Ao todo, 13 empresas apresentaram propostas na licitação aberta pelo Comando Militar da Amazônia. Somente três delas são revendedoras autorizadas pela Starlink —uma delas, a Pulsar Brasil, apresentou o menor preço.

As outras dez são micro e pequenas empresas que dizem vender soluções de internet, mas não têm permissão da Starlink para comercializar seus produtos —licença que custa milhões de reais.

“Eu trabalho com Starlink desde o início. Não é autorizado, mas a gente dá um jeito”, disse Cesar Roberto Silva, dono da GMAES Telecom. Sem explicar como consegue fornecer internet da empresa americana, Cesar disse que participou da licitação só para acompanhar a concorrência.

Sócio da empresa Marques Tecnologia, que também participou do pregão, Rogério Claudionor Marques afirmou que o edital só poderia ser atendido por empresas que vendessem antenas da Starlink.

“Do jeito que eles amarraram [o edital], não tem como. Nem as empresas que são detentoras de satélites no Brasil. Naquelas especificações, se não mudar, eu só vejo Starlink”, disse.

Questionado se a empresa dele tem autorização para vender as antenas da Starlink e como forneceria o serviço ao Exército, o empresário afirmou que não poderia responder.

Em nota, a Anatel disse que empresas autorizadas pela agência para atuarem como prestadoras de serviço de banda larga precisam fechar “contrato de provimento de capacidade com a Exploradora de Satélites autorizada no Brasil”.

A Starlink é um projeto de desenvolvimento de satélites da empresa SpaceX. O dono, Elon Musk, se aproximou do Brasil durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e tem enfrentado o STF (Supremo Tribunal Federal) contra a regulação e derrubada de perfis em redes sociais.

A empresa de Musk consegue ter o melhor desempenho de velocidade e latência de internet entre as concorrentes por unir uma constelação com grande quantidade de satélites e operá-la em baixa órbita.

São mais de 5.000 satélites da gigante americana orbitando a cerca de 550 km de distância da Terra. A concorrente OneWeb tem cerca de 700 satélites em operação a 1.200 km de altitude, distância que reduz a velocidade de transmissão de dados.

“De fato, o [serviço] da Starlink, no Brasil, tem bastante qualidade. Pode ser que com uma quantidade maior de ativação isso possa reduzir um pouco, mas hoje ela tem maior qualidade de upload e download”, disse Rodolfo Avelino, professor de engenharia do Insper e representante do Comitê Gestor da Internet.

Para ele, mesmo com a qualidade do serviço da Starlink, não há razões para limitar editais de compras públicas —especialmente os ligados à Defesa Nacional.

“Questões de Estado, como nesse edital, deveriam fomentar mais empreendimentos brasileiros e não criar uma situação em que vai ser beneficiada uma empresa de fora e que os recursos não ficarão no nosso território”, afirma.

Fabro Steibel ressalta que, em assuntos militares, usar serviços de telecomunicação estrangeiros é desaconselhado.

“Há um risco nesse negócio. Quando você coloca internet em determinado local, você dá informação para o operador do sistema. Ele vai ver onde está a presença militar, onde está a fragata da Marinha que usa Starlink, quando determinado local está desassistido. Esse tipo de serviço não foi desenhado para ser seguro”, completa.