Estavam preservadas

Terras indígenas da Amazônia registram desmatamento pela 1ª vez em 10 anos

Devastação pode estar relacionada à facilidade no acesso por meio da rodovia BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), segundo entidades que monitoram região

Área de desmatamento na Amazônia (Foto: Jose Caldas/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Quatro terras indígenas, localizadas no Amazonas e que vinham se mantendo intactas há uma década, entraram no mapa do desmatamento deste ano. Os dados foram registrados pelo sistema SAD, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e divulgados pelo Observatório da BR-319, um conjunto de organizações não-governamentais que monitora unidades de conservação e terras indígenas no entorno da rodovia que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM).

A devastação na região, que é uma das mais bem preservadas da Amazônia, acontece em meio ao aumento das taxas de desmatamento na floresta neste ano, e, segundo as entidades, pode estar relacionada à melhora da trafegabilidade da rodovia, uma das promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro.

As quatro terras indígenas que foram alvo de desmatamento após 10 anos, segundo o levantamento, foram: TI Alto Sepatini (em Lábrea), Paumari do Cuniuá (Tapauá), Paumari do Lago Manissuã (Tapauá) e Setema (Borba e Novo Aripuanã). Nelas, vivem aproximadamente 400 indígenas de diferentes etnias, como o povo Apurinã e Paumari.

De acordo com os dados, o desmatamento nas quatro terras indígenas foi relativamente pequeno (9 hectares), mas, considerando a ausência de destruição da floresta nos 10 anos anteriores, o registro é visto com cautela.

— Esse registro é inédito desde o início do monitoramento dessas áreas, em janeiro de 2010, então é correto dizer que essas terras estavam preservadas há pelo menos 10 anos e agora apareceram no mapa de desmatamento, devendo ser um foco de atenção nos monitoramentos dos próximos meses — disse a pesquisadora Paula Guarido, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), uma das entidades que faz parte do observatório.

O desmatamento em terras indígenas se transformou em padrão nos últimos anos e, em 2020, atingiu níveis que vêm preocupando entidades que atuam na defesa do meio ambiente. Segundo um relatório divulgado pela organização não-governamental Greenpeace em maio deste ano, o desmatamento em terras indígenas aumentou 64% nos primeiros quatro meses de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior.

No caso das quatro terras indígenas do Amazonas, a situação é particularmente sensível porque elas estão na região do entorno da BR-319, uma das obras consideradas prioritárias pelo governo federal. A rodovia, que foi construída no final dos anos 70, durante a Ditadura Militar, está abandonada há décadas. Porém, o presidente Jair Bolsonaro prometeu repavimentá-la.

Neste ano, o governo deu início a obras de recuperação de um dos trechos da rodovia e solicitou o licenciamento ambiental de outro. O processo aguarda liberação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na avaliação do analista de políticas públicas da organização não-governamental WWF-Brasil, Bruno Taitson, o surgimento de desmatamento em áreas que, há uma década, estavam intactas, pode estar sendo causado pela melhoria da trafegabilidade da BR-319 nos últimos anos. Ele diz temer que esse processo se acelere se a rodovia for pavimentada novamente.

Recentemente, a rodovia teve uma melhora na trafegabilidade, mesmo na época de chuva. Essa melhora, sem acompanhamento de ações de comando e controle, de fiscalização, facilita a ação de grileiros e madeireiros ilegais. É isso que pode estar acontecendo lá neste momento. Não somos contra ou a favor da rodovia, mas há um temor de que casos como esse se intensifiquem caso ela seja pavimentada novamente sem uma ação firme do Estado. — disse Taitson.

Reportagem publicada pelo GLOBO em agosto mostrou que o estudo de impacto ambiental encomendado pelo governo para conseguir a licença para a obra diz que a reconstrução da rodovia pode aumentar a pressão por desmatamento e a grilagem de terras, o que pode afetar as comunidades indígenas que vivem nas proximidades.

O GLOBO enviou questionamentos ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai), mas até o momento, nenhuma resposta foi enviada.