O objetivo central da escolha desse indicador é assegurar que as flutuações no teto de gastos tenham a ver com razões estritamente fiscais, sem interferências vindas da atuação do BC no mercado ou de artifícios como a venda de reservas internacionais.
A DLGG não seria uma meta, mas sim uma referência para indicar qual será o crescimento real máximo da despesa nos períodos seguintes. A taxa seria fixada a cada dois anos.
Se o diagnóstico for de redução da dívida, o crescimento real da despesa poderá ir de 0,5% até 2%. No sentido contrário, se a trajetória for de alta, o avanço dos gastos acima da inflação ficará entre 0% e 1%.
O que vai determinar o percentual a ser aplicado é o nível da dívida. Uma DLGG acima de 55% do PIB exigirá do governo maior contenção de gastos (ou seja, o crescimento ficará no mínimo permitido).
Entre 45% e 55%, o ritmo de expansão das despesas ficará em patamar intermediário. Abaixo de 45%, o governo poderá usufruir da elevação máxima permitida.
O ritmo de expansão do limite de despesas ainda pode ganhar um bônus de 0,5 ponto percentual (equivalente hoje a cerca de R$ 8 bilhões) sempre que as contas estiverem no azul e em trajetória de melhora. Para verificar se o governo terá direito a esse extra, será preciso analisar o resultado primário (diferença entre receitas e despesas, excluindo juros da dívida). Essa análise seria anual.
O mecanismo do bônus, segundo o Tesouro, permite que um governante seja “recompensado ou punido” dentro do próprio mandato por sua condução das contas. Diante de uma deterioração, o chefe do Executivo seria forçado a conter despesas. No sentido contrário, uma melhora o autorizaria a gastar mais.
A regra não entraria em vigor em 2023, ano crítico diante da fatura represada de gastos –como os R$ 52 bilhões necessários para assegurar a continuidade do piso de R$ 600 às famílias do Auxílio Brasil e os R$ 18 bilhões para bancar a parcela extra de R$ 150 por criança de até seis anos. A proposta não detalha como esse impasse seria resolvido.
A sugestão é que a regra comece a valer em 2024. No primeiro ano de vigência, a variação das despesas seguirá a regra atrelada à dívida, mas também terá um adicional único de 2% para reduzir a pressão sobre o custeio da máquina pública e os investimentos. Considerando o teto previsto na proposta de Orçamento de 2023, isso representaria um adicional de R$ 34,4 bilhões para o Poder Executivo.
Ao elaborar o desenho da proposta, o Tesouro partiu de algumas premissas. Para o órgão, a trajetória da dívida é tão importante quanto seu nível, pois indica a sustentabilidade das contas do país.
Além disso, a lógica de prever diferentes taxas de crescimento das despesas, conforme o cenário fiscal, dá certa flexibilidade, ao mesmo tempo em que contribui para frear ímpetos gastadores em épocas de bonança (nem sempre duradouras).
O Tesouro também propõe manter um limite de despesas por considerar essa uma regra alinhada aos padrões modernos de regra fiscal. O texto cita um levantamento do FMI (Fundo Monetário Internacional), segundo o qual ao menos três quartos das economias avançadas tinham regras de despesa em 2021.
Ainda segundo o Tesouro, a fixação a cada dois anos também ajuda a manter a capacidade de resposta de um governante perante as condições da economia. A válvula de escape do crédito extraordinário, para despesas urgentes e imprevistas ou em calamidades, continuaria valendo.
A integração da regra ao resultado primário, por sua vez, pode ajudar a reduzir ou controlar os gastos tributários e desonerações, uma vez que essas medidas reduzem a arrecadação e pioram o primário –colocando em risco o bônus de crescimento adicional do teto.
Uma inovação é a extinção do chamado contingenciamento, quando despesas dos ministérios são bloqueadas para assegurar a meta fiscal devido a uma frustração na arrecadação. Esse instrumento é criticado porque afeta o bom planejamento dos órgãos, que muitas vezes ficam travados ao longo do ano e recebem sinal verde para gastar nos últimos meses, gerando uma corrida que nem sempre preserva a qualidade da despesa.
No entanto, se o governo descumprir a meta de resultado primário, precisará apresentar uma justificativa pública –a exemplo do que o presidente do Banco Central precisa fazer quando estoura a meta de inflação.
O Tesouro também apresentou pontos de discussão, que não estão formalmente contemplados na proposta, mas são considerados relevantes pelo órgão.
Um deles, como antecipou a Folha, é a extinção do teto para pagamento de sentenças judiciais (precatórios), que voltaria a ser feito de forma integral. Outro é a possibilidade de estipular limites mais rígidos para outros Poderes, como Judiciário e Legislativo, que têm despesas concentradas em salários e contratação de servidores —portanto, não precisariam ter o mesmo crescimento do Executivo, responsável por tocar as políticas públicas.
Um terceiro ponto colocado pelos técnicos é a possibilidade de tratar como exceção ao teto o “investimento público verde”, voltado a questões ambientais ou climáticas.
“A discussão também foi trazida pelo FMI, que propõe a criação de um fundo de investimento climático para o bloco europeu. Ainda, sob o ponto de vista das receitas, o arcabouço fiscal poderia ser ajustado de tal forma que diferentes fontes de financiamento, como doações internacionais, mercado de carbono ou green bonds [títulos verdes] pudessem tramitar no Orçamento e se alinharem com uma proposta de sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo”, diz o texto.