Teste rápido e barato rastreia mutações do coronavírus pelo país
Exame desenvolvido por grupo da UFMG será aplicado em todos os estados brasileiros e deve dar um cenário da disseminação da Covid-19
Cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram um teste rápido e de baixo custo para monitorar as quatro variantes do coronavírus que causam apreensão neste momento no Brasil e no mundo. O teste distingue as duas linhagens brasileiras (P1 e P2), a britânica (B.1.1.7) e a sul-africana (B.1.351) e oferecerá um cenário mais preciso da disseminação da pandemia no país.
O teste de genotipagem foi desenvolvido pela equipe de Renato Santana, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG. Ele custa o equivalente a 10% do método padrão de sequenciamento genético e fica pronto em apenas um dia, contra semanas do sequenciamento convencional.
Epicentro da pandemia, o Brasil se tornou uma fábrica a céu aberto de variantes do coronavírus. A transmissão descontrolada dá ao Sars-CoV-2 a chance de se multiplicar mais, aumentando a chance de novas mutações surgirem e se estabelecerem.
Porém, pouco se sabe de preciso sobre sua distribuição pelo país, devido à baixíssima testagem e ao número ainda menor de sequenciamentos genéticos para identificar mutações e variantes.
Um estudo deste mês da Fiocruz mostrou que a variante P1 se disseminou pelo território brasileiro, mas o teste não distingue a P1 da P2, que surgiu no Rio de Janeiro em meados de 2020 e hoje é dominante no Brasil. A P2, inclusive, de tão disseminada, começa a se diversificar.
O novo exame da UFMG já foi testado e validado em Belo Horizonte, onde revelou que 90% das amostras coletadas de pacientes são da variante P2. Ele, agora, será usado no maior estudo brasileiro sobre variantes, realizado pela universidade em colaboração com o laboratório Hermes Pardini.
O novo exame se baseia na análise de PCR (molecular) e é complementar ao sequenciamento genético. Ele não é capaz de descobrir novas variantes, mas identifica qual está presente em uma região.
— A meta é saber o quão difundidas estão as novas linhagens e acompanhar a evolução da pandemia no Brasil — afirma Santana.
Ele explica que, à medida que novas variantes forem identificadas — a exemplo da VOI-9, anunciada sexta-feira passada, encontrada em todo o país e presente em todas as regiões à exceção da Centro-Oeste —, novas versões do teste poderão ser desenvolvidas.
Segundo Santana, o novo teste custa cerca de R$ 60 por amostra, contra R$ 600 do sequenciamento. Fica pronto em horas, no máximo um dia, enquanto que o sequenciamento leva até semanas.
— São testes complementares, com objetivos diferentes. O sequenciamento é essencial para a descoberta de variantes. O PCR serve para mostrar onde e o quanto estão no país — explica Santana.
Serão realizados 5.000 testes nos 27 estados brasileiros. Mil testes serão aplicados em Minas Gerais, em colaboração com a Secretaria de Estado de Saúde mineira.
Cerca de mil exames serão feitos no Rio de Janeiro pela equipe de Amílcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tanuri é um dos descobridores da P2, que emergiu em julho no Rio, e investiga o risco real dela e da P1, a cepa de Manaus.
Cientistas consideram que é uma boa notícia para medir o pulso da pandemia.
— Ainda se testa muito pouco, e exames para rastreamento de variantes são necessários — diz Marta Giovanetti, professora visitante da Fiocruz e uma das descobridoras da variante sul-africana.
Segundo ela, o sequenciamento ainda é realizado, no mundo, em uma escala abaixo da ideal. O Reino Unido sequencia o genoma de amostras de 5% a 7% dos casos positivos. A África do Sul, abaixo de 1%, e o Brasil, menos ainda.
Opinião semelhante tem o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica, que sequencia o genoma do coronavírus no Brasil.
— O cenário da pandemia é muito dinâmico, variantes estão sempre surgindo, e temos um território continental, por isso precisamos sequenciar muito mais. Os testes de rastreamento são complementares e importantes para enxergar a situação — diz.
Outro estudo do grupo de Renato Santana com o Hermes Pardini investiga se a P1 é de fato mais transmissível.
Para isso, os cientistas comparam a carga viral de pessoas infectadas pela P1 com as de outras variantes. A hipótese, ainda a ser comprovada, é de que pessoas com P1 apresentem uma maior carga viral.
O lugar escolhido para os testes foi Manaus, considerada a cidade de emergência da P1. A variante foi detectada no fim de 2020, mas provavelmente surgiu antes. Estão em análise 8.546 amostras, coletadas entre julho de 2020 e janeiro de 2021.
— Comparada às demais linhagens de Sars-CoV-2 que circulavam na primeira onda no Brasil, a P1 está associada a cargas virais mais elevadas. Temos dados robustos, e acredito que poderemos verificar se isso de fato acontece. Tudo isso é importante para traçar estratégias contra a pandemia — salienta Santana.