SÍMBOLO

Touro de Ouro da Bolsa de SP é de isopor, anti-ostentação e não copia Wall Street, diz autor

Artista recebe ameaças por escultura alvo de polêmicas sobre desigualdade e direitos autorais

Touro pintado de ouro e instalado na entrada da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo (Foto: Twitter)

A camisa azul-claro da marca Dudalina e o cabelo com corte social clássico, curto nas laterais e levemente mais longo na parte superior, davam ao arquiteto e artista plástico Rafael Brancatelli, 41 anos, um ar de profissional do mercado financeiro durante o almoço no Café Girondino, no centro da cidade de São Paulo, a três minutos de caminhada da estátua de touro dourada que ele desenhou, esculpiu e ajudou a instalar na porta da B3, a Bolsa de Valores brasileira.

Brancatelli ganha a vida como empresário. É dono de um escritório de arquitetura com sede na mesma rua do café. Atende clientes brasileiros e do exterior. Cresceu na Mooca, na zona leste da capital, onde estudou em escola pública, foi vendedor e desenhou peças para uma fábrica de chuveiros para pagar a faculdade. É casado, tem quatro filhos: o caçula de 6 anos, duas meninas de 7 e 8, e um rapaz de 22. Também tem uma neta de 4 anos.

Quando imaginou a escultura, diz, queria atrair turistas para um centro esvaziado pela pandemia e teve como principal inspiração o zodíaco. “Eu sou do signo de touro”, conta. Não pensou em vender a ideia para a Bolsa, onde ainda não investe, mas encontrou nela a única patrocinadora interessada em manter o projeto no coração da cidade e não na região da avenida Brigadeiro Faria Lima, zona oeste.

Discorda dos protestos que associam sua criação a injustiças produzidas pelo capitalismo e rejeita afirmações de que ele fez cópia do famoso Touro de Wall Street, feito de bronze há três décadas e instalado em Nova York, nos Estados Unidos. O Touro de Ouro, como se chama a versão brasileira, é recheado com isopor de alta densidade e foi pensado para ser barato e “anti-ostentação”, segundo o seu criador.

O Touro de Ouro gerou protestos e críticas. Você está sofrendo algum tipo de ataque? Sim. Recebi ataques nas redes sociais e telefonemas de pessoas que são contrárias, por alguma razão. Acharam que estava feio ou que representa algum tipo de ideal político, o que não foi, e até fazendo algum tipo de ameaça. Acho que as pessoas têm o direito de opinar. Eu tenho reagido de maneira natural. A arte não precisa ser algo bonito. Isso que muita gente não entendeu.

Tem gente que reclama que não é igual ao de Nova York. A minha ideia nunca foi ser igual a nada. E não foi algo para ser só belo. A arte não é isso. A arte representa um sentimento e também uma mensagem. A mensagem para a cidade é boa. É incentivar o turismo. Trazer outras pessoas para conhecer as belezas que a gente tem aqui.

Também tenho recebido mensagens de pessoas, comerciantes da região, elogiando. Uma mensagem que recebi ontem me deixou emocionado. O cara de uma lanchonete falou que vendeu o dobro depois da colocação do touro.

Como você virou artista plástico? Eu tive um incentivo muito grande do meu avô materno, que me dava aulas de caligrafia, de desenho e me ensinava a fazer caricaturas. Eu morava na Mooca, numa vila italiana. Meu pai era projetista de peças para a indústria plástica. Ele era autodidata. Ele sempre teve uma coisa muito voltada para o desenho.

Estudei em colégio público. Não fui de família rica. Trabalhei em loja, com vendedor, para pagar a faculdade. Durante a faculdade comecei a fazer desenhos como freelancer para joalherias, indústrias de chuveiros, desenhando peças. Com esse dinheiro eu pagava a faculdade, sou arquiteto e artista plástico. Ralei. Não foi fácil. Às vezes, eu atrasava seis meses e tinha que pagar o montante para poder voltar a entrar. É difícil falar da vida pessoal. Eu não estou acostumado.

Quando surgiu a ideia de fazer o touro? No começo da pandemia. Eu participo de um grupo chamado Pró-Centro, um grupo de pessoas, empresários, que estão sempre articulando coisas para o bem, para tentar melhorar. Aí, eu pensei, poxa, o que eu poderia fazer para ajudar. Eu sou um artista, faço pinturas, desenhos e esculturas. Como eu posso colaborar? Vou fazer uma escultura. É algo que vai chamar a atenção, fomentar o turismo. As pessoas frequentam mais lugares que têm uma obra de arte. Elas vão lá para tirar foto e tudo mais.

Pensei em criar um touro porque é um animal que eu gosto. Eu sou do signo de touro. É um animal presente em todo o mundo e é um símbolo de força, resistência e resiliência. O touro é corajoso. Se aparecer um leão, ele vai enfrentar. Você já deve ter visto algum vídeo de um touro dando uma batida de baixo para cima, fazendo o predador voar. Eu me identifico com o animal.

Eu pensei no Pablo [Spyer, apresentador e empresário] porque ele tem o touro como símbolo.

Spyer e você já se conheciam? Quando eu tive a ideia ainda não. Eu o procurei. Falei com um amigo que me apresentou a ele. Aí a gente começou a ter conversas semanais sobre o assunto.

Você o procurou como patrocinador? Como um parceiro, que tivesse poder de divulgação.

Você estava disposto a arcar com os custos sozinho? Estava disposto a pagar com recurso próprio. Eu e o Pablo. A gente tinha a grana para executar.

A intenção sempre foi colocar o touro em frente à Bolsa? Quem sugeriu a B3 foi o Pablo. Ele disse que era uma empresa com credibilidade e neutra, que está no centro por opção.

Você já esteve no distrito financeiro de Nova York? Viu o Touro de Wall Street? Já. Eu vi.

O que achou? Todos os outros touros que eu pude ver, pela internet, são semelhantes. Cada um tem um impacto diferente. Alguns mais robustos. Acho uma bela obra.

O Touro de Nova York é a sua principal inspiração. Você copiou o Charging Bull? Não é uma cópia. A ideia era ter um touro original e que o desenho dele pudesse representar força e coragem. Ele tem um olhar de desafio. Ele está com um olhar relativamente tranquilo, mas querendo dizer que, se o problema vier, ele [o touro] vai para cima. Vai superar. Eu não copiei nenhum projeto. Desde o início eu queria que fosse algo diferente. Tem gente até que me culpa por não ser igual a outros touros.

A sua escultura tem traços exagerados, é robusta e também tem linhas bastante arredondadas. Por quê? Ele é mais musculoso. A essência da ideia é o touro mais comum no Brasil, que é mais parecido com o touro asiático, na origem. Ele tem um tipo de corcova, uma protuberância nas costas. Resolvi representar assim para ficar mais parecido com o touro real brasileiro. Claro que você amplia um pouco essas dimensões para ele ficar musculoso, com a corcova bem alta, para dar uma impressão de força. Eu também tive uma preocupação com o risco de alguém tentar subir e se machucar. Fiz o desenho das costas dele tentando dificultar isso. Ele é mais arredondado e protuberante.

Jacob Harmer, ex-agente do Arturo di Modica (1941-2021), autor do Touro de Wall Street, disse que a família do artista não foi procurada para discutir direitos autorais. Eu não vi sentido em pedir autorização para ninguém. Se a gente quisesse copiar, acredito que faria sentido procurar, mas essa nunca foi a ideia.

Ele também disse que o touro da Bolsa brasileira é feito com um material barato. Estamos numa época de pandemia. Se a gente fosse usar um material caro, um metal nobre, como cobre, bronze, alumínio ou latão, a obra iria ficar super cara. Ficaria difícil de viabilizar, pelo preço. A gente não queria usar materiais metálicos para não virar uma questão de ostentação. É para ser anti-ostentação. Outro fator em relação ao material é que as coisas de cobre e latão aqui na cidade são furtadas. Furtam coisas em cemitérios. A gente pioraria o risco de furto. Até a placa com as informações é de policarbonato. É muito resistente, mas não tem valor comercial. Eu pensei em algo sem valor comercial e que não gastasse muito dinheiro em um momento tão difícil.

Do que exatamente é feito esse touro? Ele tem uma estrutura metálica tubular, de ferro, muito resistente, um preenchimento de EPS [sigla para poliestireno expandido, mais conhecido como isopor] de alta densidade, fibra de vidro e pintura artística.

É pintura automotiva? É uma pintura automotiva, artística, porque tem um processo artístico de fazer. Não é igual na indústria. Não é igual ao de um carro.

O que acontecerá após o fim do prazo de três meses de autorização da exposição? Eu não pensei ainda, mas é uma propriedade da B3, que pode querer levar ele para ações em outro lugar, caso a gente não consiga licença para ficar por mais tempo.

Quanto a B3 pagou pela obra? Pagou os custos. Não posso falar quanto foi, é contrato. Eu não fiquei com um real.

Há mais pedidos de touros? Tem mais gente me pedindo touros e outros tipos de esculturas. Tenho recebido encomendas para fazer esculturas de familiares e de outros animais.

Antes do acordo com a B3, outras empresas queriam patrocinar o touro? Falamos para algumas pessoas. Duas instituições financeiras nos procuraram.

Elas eram da Faria Lima? Queriam levar para a Faria Lima. A gente não aceitou, eu e o Pablo, porque um dos motivos era fomentar o turismo no centro. Sou apaixonado pela arquitetura e pela história da nossa cidade e queria que mais pessoas visitassem o centro.

Tenho clientes estrangeiros, que me contratam para projetar sedes de empresas. Sempre trago eles para um tour pelo centro.

Alguns dos protestos usam o Touro de Ouro da B3 para chamar a atenção para a miséria, para a fome, que se intensificou na pandemia. O que você pensa sobre isso? Acredito que uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Eu sou um artista e posso contribuir com a minha arte, fazendo uma escultura para trazer turistas. A questão da fome é muito complexa. Dentro dos meus limites, eu não sou político, fiz o que estava ao meu alcance. Acredito que as pessoas devem pensar sim sobre como erradicar a fome. Acredito que o mercado financeiro, a B3, de alguma maneira, fomenta o desenvolvimento humano pelo fomento de empresas que, crescendo, vão gerar mais empregos e todos terão dignidade. Eu entendo as manifestações, mas não vejo correlação. Se for assim, não poderia mais fazer uma pintura? Uma escultura? Não poderia ter Carnaval?

Mas esse debate gerou uma reflexão, não? Antes de começarmos a entrevista você comentou que discute um projeto social com a B3. Sim. A gente decidiu fazer um projeto, que ainda está em fase embrionária, de educação financeira para as pessoas que não têm acesso a essa informação. Para crianças e adolescentes. Não é minha praia, não sou do mercado financeiro, mas o Pablo e a B3, com a força que eles têm… Estamos pensando nisso em conjunto. Seria nossa contribuição. Como arquiteto, eu posso projetar o espaço, criar o espaço, unir as pessoas certas para participar, aproveitando essa visibilidade.

Você investe na Bolsa? Não.

Está aprendendo mais a respeito? Quem sabe eu começo a ganhar dinheiro com essa exposição e aí vou começar a investir (risos).

Você se arrepende de ter entrado nessa história? Não. O objetivo foi alcançado. Em qualquer horário tem gente tirando fotos, até na chuva.