TRT de Goiás diz que demissão de funcionário de pizzaria com HIV foi discriminatória
Após ficar afastado pelo INSS, ele foi realocado de setor e, três dias depois, foi dispensado sem explicações sobre o motivo
O Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-18) reconheceu a dispensa discriminatória de um portador do vírus HIV que trabalhava em uma pizzaria de Goiânia. Ele teve depressão após descobrir a doença e, ficou afastado pelo INSS. No retorno, ele foi realocado de setor e, três dias depois, foi dispensado sem explicações sobre o motivo.
Conforme a decisão, o trabalhador teria de ser reintegrado à função no estabelecimento em que atuava. Porém, a empresa ofereceu readmissão em outra unidade da pizzaria. Porém, advogado Leonardo Miquéias dos Passos Ramos explica que, como não houve a reintegração, já foi protocolado pedido de indenização por danos morais e para o pagamento em dobro dos salários e vantagens do período de afastamento, do dia da dispensa até a primeira decisão judicial que reconheceu a dispensa discriminatória.
Sobre o pedido para o reconhecimento da dispensa discriminatória (que é toda aquela que inclui a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que motive estigma ou preconceito), o advogado relata na inicial que o trabalhador foi contratado pela empresa em setembro de 2018 como auxiliar de produção e foi dispensado sem justa causa em setembro de 2019. Ele argumentou que a dispensa foi nula, pois ocorreu de forma discriminatória. Isso porque, meses antes de ser demitido, foi constatado que ele é portador do vírus HIV.
Conforme a decisão, após descobrir ser portador do vírus, o trabalhador desenvolveu quadro grave de depressão. Fato que o levou a ser afastado do trabalho, mediante percepção do benefício previdenciário, entre fevereiro e julho de 2019. Após esse período, ele teve o pedido de prorrogação do benefício negado pelo INSS, tendo que retornar ao trabalho. No retorno, ele foi realocado de setor e, três dias depois, foi dispensado sem esclarecimentos sobre o motivo.
O advogado ressaltou, no pedido, que a Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) diz “que presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que motive estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
A pizzaria reconheceu que a gerente da unidade em que o trabalhador atuava sabia da doença, mas negou que a dispensa tenha sido discriminatória. Disse também que quando o trabalhador estava de licença, foi contratada outra pessoa para trabalhar no lugar e que, por isso, ao retornar ao trabalho teve de ser colocado em outra função. Contudo, diz que ele não se adaptou e, por isso, foi dispensado. E que, mesmo após ser demitido, trabalhou como freelancer para a empresa.
Porém, em primeiro grau, o juiz reconheceu que a dispensa foi discriminatório, tendo em vista que o argumento de que ele foi dispensado por não se adaptar à nova função não se sustenta, já que a empresa afirmou que ele trabalhou como freelancer em outras oportunidades. Além disso, de acordo com o juiz, a pizzaria não comprovou que a dispensa não ocorreu pelo fato de o trabalhador ser portador do vírus HIV.
Ao analisar recurso da pizzaria, o desembargador Gentil Pio de Oliveira observou que há nos autos prints de conversas entre o trabalhador e a gerente do estabelecimento que comprovam que ela tinha ciência da doença do trabalhador. E que a afirmação de que o trabalhador foi chamado para ser freelancer derruba a tese de que ele não se adaptou a outra função.
“Sendo certo que havia rumores na empresa acerca da doença do reclamante, portador de HIV, deve ser mantida a sentença que acatou o pedido declaratório de dispensa discriminatória, nos termos da Súmula 443 do TST”, disse o desembargador, ao votar.
Discriminação
Tâmara Fabíola Borges Gonçalves, presidente do Grupo Aids Apoio Vida Esperança (AAVE), disse ao Mais Goiás que essa atitude continua presente no mercado de trabalho em todo o mundo.
“Uma pesquisa realizada em 2018 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em 13 países, constatou que apesar dos progressos no tratamento que permitem às pessoas que vivem com HIV a trabalhar, elas continuam a ser discriminadas e têm mais dificuldades em manter os empregos e progredir na carreira”, diz.
Ela disse também ser um absurdo que mesmo depois de mais de 35 anos de epidemia da doença, os portadores ainda tenham que passar por situações discriminatórias. “O que mata a pessoa soropositiva não é o vírus e sim a discriminação e o preconceito que sofrem”, disse.
*Com informações da Rota Jurídica
*Laylla Alves é integrante do programa de estágio do convênio entre Ciee e Mais Goiás, sob orientação de Hugo Oliveira