Uber terá de indenizar família de motorista assassinado no Ceará
Decisão é do TST e implica relação de trabalho; empresa lamenta violência
A Uber terá de indenizar a família de um motorista assassinado enquanto trabalhava por meio do aplicativo em Fortaleza, no Ceará. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O valor da indenização ainda será calculado no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região do estado, onde a ação foi iniciada.
O motorista foi assassinado a tiros em setembro de 2018 depois de uma discussão com um motoqueiro. Segundo a esposa e o filho do trabalhador, autores da ação, ele atuava exclusivamente por meio do aplicativo.
Para o ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do caso no TST, a Uber deve ser caracterizada como uma transportadora, que não possui frota, mas explora a atividade de transporte de pessoas por meio do aplicativo. O Código Civil, segundo Belmonte, prevê a responsabilidade objetiva da empresa, na qual não há culpa do transportador pelo dano, mas há a obrigação de reparação.
Violência
No entendimento do ministro, a discussão de trânsito que resultou na morte do motorista “guarda relação direta com a atividade perigosa e estressante de transporte em grandes cidades caracterizadas pela violência.” A responsabilidade objetiva só seria dispensada em caso de eventos extraordinários como enchentes, balas perdidas ou raios.
No TRT-7, onde a responsabilização da empresa, bem como a condenação por danos morais e materiais, foram negadas, houve o reconhecimento de que o motorista e a Uber tinham uma relação de trabalho. A empresa contestou o enquadramento e defendeu que a discussão da compensação à família do motorista não deveria ocorrer na Justiça do Trabalho.
A Uber apresentou argumento similar ao que seus advogados usam nos processos que discutem vínculo de emprego, de que não é uma empresa de transporte. O aplicativo diz que “o trabalho se deu via plataforma, e não para a plataforma e que, por esse motivo, não seria competente a Justiça do Trabalho.”
Para Belmonte, a existência de uma relação de trabalho é uma dos pressupostos para o processo ser analisado no âmbito da Justiça do Trabalho. A indenização, escreveu, “está fundada na relação de trabalho estabelecida com a empresa Uber, na condição de trabalho autônomo, na execução de serviço prestado com pessoalidade.”
O exame de responsabilidade da empresa na morte do motorista, segundo o ministro do TST, deve ocorrer “independentemente do questionamento de se tratar de relação de emprego ou simplesmente de trabalho.”
Recurso
A decisão da 3ª Turma é de 7 de dezembro. No dia 5 de fevereiro, a Uber entrou com um recurso, que ainda não foi analisado. A empresa afirma, em nota, que a decisão da turma do TST é um entendimento isolado e defende que a situação não tem relação com o uso do aplicativo, por se tratar de crime praticado em via pública.
Diz também que “existe sólida jurisprudência no Poder Judiciário determinando que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização contra a Uber em que não haja pedido de vínculo trabalhista. A decisão mais recente neste sentido foi proferida em setembro pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).”
Agra Belmonte, na decisão em que determinou o pagamento da compensação, disse discordar do entendimento do STJ. Processos que discutem a existência ou não de vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas começaram a ser julgados em turmas do TST em 2020. Em dezembro do ano passado, a 3ª Turma formou maioria pelo entendimento de que existe relação de emprego.
O julgamento não foi concluído porque o ministro Agra Belmonte pediu mais tempo para votar, mas o resultado será mantido a favor do reconhecimento de vínculo. Essa foi a primeira decisão de uma turma do TST a favor do reconhecimento de vínculo de emprego. O tribunal tem oito turmas, ao todo. Na 4ª e 5ª turmas do Tribunal do Superior do Trabalho, os pedidos de motoristas haviam sido negados.
No âmbito cível, a 15ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) negou, em 19 de janeiro, um recurso por meio do qual a Uber tentava reverter condenação para indenizar os irmãos de um passageiro que morreu depois que o carro em que era transportado se envolveu em um acidente.
A empresa foi condenada a pagar R$ 40 mil para cada irmão do passageiro que morreu no acidente em abril de 2016. Para o desembargador Vicentini Barroso, os serviços prestados pela Uber não se limitam à viabilização de contato entre motoristas parceiros e pessoas interessadas no serviço, pois “é remunerada apenas se o transporte se concretizar” e, por isso, há a responsabilidade pelos danos.
“A ré possui inegável domínio da atividade empresarial que explora, indicando o motorista mais próximo ao passageiro, fixando o valor da corrida, determinando regra de conduta aos motoristas, exigindo avaliação dos serviços pelos usuários, ou seja, presta, inegavelmente, serviços de transporte de passageiros por meio dos motoristas que cadastra em sua plataforma”, escreveu o desembargador.
A Uber diz manter um seguro de acidentes pessoais, oferecido aos motoristas e usuários, e que cobre todas as viagens ou entregas intermediadas pela plataforma. “A apólice também indeniza independente da apuração de culpa ou responsabilidade pelo acidente pessoal com parceiro ou usuário da plataforma.”