Veja o que pensam os economistas da equipe de transição de Lula sobre política fiscal
Pérsio Arida, André Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Mello têm opiniões divergentes sobre o tema
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ainda não deu sinais sobre qual será a nova âncora fiscal do próximo governo, em substituição ao atual teto de gastos. Mas os quatro nomes designados para área econômica da transição já têm opinião amplamente conhecida – e muitas vezes divergentes entre eles – sobre como deve ser uma política fiscal.
Ao anunciar os quatro nomes – os pais do Plano Real André Lara Resende e Pérsio Arida, além do ex-ministro de Dilma Rousseff Nelson Barbosa e do economista da Unicamp Guilherme Mello – o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin destacou a complementariedade da equipe.
Arida e Lara Resende são de formação mais liberal; embora este último nos anos mais recentes tenha se defendido as ideias da Teoria Monetária Moderna, que relativiza o peso da rigidez fiscal para a solidez econômica de um país. Barbosa e Mello, por sua vez, são mais ligados à escola desenvolvimentista.
Ex-presidente do Banco Central e do BNDES, Pérsio Arida sempre foi um defensor da responsabilidade fiscal. Para ele, é essencial que seja estabelecida uma regra de controle de gastos, seja ela qual for, evitando desperdício de recursos, por exemplo, com subsídios a setores ineficientes.
Em um evento recente da Câmara de Comércio França-Brasil, quando já tinha sido designado para a equipe de transição, Arida citou o exemplo do Reino Unido, quando o mercado reagiu mal ao pacote da então recém-empossada primeira-ministra Liz Truss, como alerta para a importância de uma política econômica responsável. No mesmo evento, ele destacou que a queda da taxa de juros em 2023 dependerá de uma política fiscal responsável.
Lara Resende, que assim como Arida é historicamente ligado ao PSDB, nos últimos cinco anos deu uma guinada no seu pensamento liberal, com críticas à política de juros e à teoria macroeconômica convencional.
Em seu livro “Camisa de Força Ideológica: a Crise da Macroeconomia”, lançado este ano, ele revê, entre outras coisas, o conceito de moeda. Interlocutores próximos ao economista ressaltam que Resende defende a nova teoria monetária, segundo a qual não há problema em financiar o déficit com emissão de moeda, se a expansão da dívida pública for inferior ao crescimento da economia.
Em um artigo publicado no site do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o economista afirma que a macroeconomia convencional cria um sistema de governança que restringe o poder do Estado em benefício do capitalismo financeiro, fazendo com que os investimentos no bem-estar da população sejam cada vez menores.
“De um lado, os políticos eleitos, restritos pela ideologia da boa prática econômica, passam a defender seus interesses patrimonialistas e os corporativistas de seus eleitores diretos. De outro lado, os economistas tecnocráticos, apoiados pelo sistema financeiro, que reivindica o direito de exclusividade na franquia do Estado para expandir o crédito, radicalizam o seu discurso. Defendem a imperativa necessidade de conter o poder financeiro do Estado, sob risco de provocar uma crise fiscal e levar a economia ao colapso. O resultado é o pior dos mundos: enquanto os gastos populistas e demagógicos se expandem, os investimentos e os serviços públicos colapsam”, destaca Resende no artigo.
Ex-ministro do Planejamento e da Fazenda durante a presidência de Dilma Rousseff, Nelson Barbosa é ligado ao PT, mas tem um perfil considerado mais técnico do que político. Ele jamais concordou com o teto de gastos — mecanismo aprovado pelo Congresso no governo Michel Temer, que prevê que as despesas não podem crescer acima da inflação. As críticas aumentaram quando a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro burlou várias vezes as regras, inclusive para adotar medidas eleitorais.
Mas Barbosa sempre deixou claro que não é contra algum tipo de mecanismo que limite os gastos do setor público federal. Ele chegou a sugerir a fixação de uma meta de crescimento real para o gasto primário, que flutuaria de acordo com a evolução da receita efetiva. Essa regra, em tese, poderia melhorar a execução das despesas, acabando com o contingenciamento e tornando o déficit primário automaticamente anticíclico. Havendo desvios significativos, seriam promovidos ajustes.
Em artigos recentes, o ex-ministro de Dilma tem afirmado que o desafio mais imediato neste momento é resolver a questão do Orçamento de 2023, tema que também é preocupação dos demais integrantes da equipe de transição. Há promessas de campanha de Lula que precisam ser cumpridas, como a manutenção do programa social Auxílio Brasil, que passará a se chamar Bolsa Família, em R$ 600.
“Mas pensando positivo, com apoio do Congresso, é possível corrigir o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2023 preservando programas essenciais para a população brasileira, ao mesmo tempo em que se encaminha uma proposta fiscal para reequilibrar o orçamento no médio prazo, até 2026, sem surpresas ou canetadas. A solução da economia começa na política”, escreveu Barbosa.
Guilherme de Mello é um jovem economista que trabalhou na elaboração das diretrizes econômicas de Lula durante a campanha. Ele também é um crítico do teto de gastos, a seu ver, burlado por Bolsonaro de maneira “oportunista e eleitoral”. Durante um evento no último recente, Mello disse que as regras fiscais pararam de funcionar, “porque foram sistematicamente violadas e perderam credibilidade no atual governo”.
Para o economista, que é professor da Unicamp, o controle previsto no teto só foi possível às custas de cortes em despesas na área de educação e em investimentos públicos. Ele costuma dizer que a recuperação da credibilidade, da previsibilidade e da transparência do arcabouço fiscal brasileiro é um grande desafio para o governo eleito. Os quatro integrantes da equipe de transição foram procurados para que pudessem se manifestar. Nenhum deles quis dar declaração.
Política comercial e privatizações
Para além da questão fiscal, mais urgente, os economistas da transição também terão que propor em conjunto as diretrizes do novo governo para acordos comerciais, privatizações e reformas.
— A composição desse time na transição é uma vantagem que Lula não teve em 2002. Naquele ano, Lula só bebia nas águas dos economistas do PT. Agora, ele terá opiniões que não são as mesmas do partido. Eu diria que são melhores — afirmou Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney.
Para Mailson, porém, a defesa de uma maior abertura comercial, o avanço em privatizações e uma rígida restrição orçamentária são pontos defendidos pelo lado liberal da transição que podem colidir com a visão petista.
— Persio Arida e André Lara Resende são o contraponto de várias ideias do PT, que ainda não percebeu as mudanças na economia mundial — disse o ex-ministro.
Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, o governo 3.0 de Lula será mais parecido com o Lula 1.0, o que significa que serão adotadas ideias ortodoxas na economia, que fazem parte da cartilha liberal defendida por Persio Arida e André Lara Resende.
— Não tem espaço para medidas heterodoxas. Na América Latina, temos a maioria de governos de esquerda e poderia se esperar que medidas mais heterodoxas pudessem ser adotadas. Mas elas não podem ser implementadas. Temos necessidade de equilíbrio fiscal, o país precisa de um arcabouço fiscal, tem metas de inflação e BC independente. Tudo isso coloca uma camisa de força nas ideias econômicas mais ligadas à esquerda – disse Agostini.
Ele lembrou que o Brasil tem maior relacionamento comercial com países como China, Estados Unidos e Europa e menos com América Latina. Por isso, não há espaço para protecionismo. O Brasil se relacionará com esses países mais por ideologia do que por dividir as mesmas políticas econômicas, diz o economista.
Rodrigo Marcatti, economista e presidente da Veedha Investimentos, destacou que Persio Arida e André Lara Resende têm uma grande reputação no mercado, por serem pais do Plano Real e terem dirigido instituições públicas e privadas. Nelson Barbosa se expõe muito pouco e a voz dissonante, em sua opinião, é de Guilherme Mello, “que é contra o liberalismo e defensor de um controle maior do Estado”.
— Mello talvez tenha sido colocado para agradar a ala mais à esquerda. Mas esses perfis diferentes não têm grande efeito no mercado, que sabe que o momento atual é de transição. Haverá mais previsibilidade e menos especulação quando tivermos informações sobre quem serão os ministros da área econômica do governo eleito e qual o plano fiscal a ser apresentado — afirmou Marcatti.