CRIME

Veterinário preso por maus-tratos em ‘clínica de horrores’ é preso, no Espírito Santo

No local, havia animais mortos dentro de sacos guardados em dois freezers, bem como um cachorro morto largado numa sacola no chão do imóvel, sem refrigeração

Um veterinário foi preso nesta quinta-feira pela prática de graves maus-tratos cometidos na clínica André Carolino, mesmo nome do profissional, no bairro Pontal das Garças, em Vila Velha (ES), onde havia animais mortos dentro de sacos guardados em dois freezers, bem como um cachorro morto largado numa sacola no chão do imóvel, sem refrigeração, além de uma evidente condição insalubre para a realização de cirurgias. O empreendimento foi interditado, e, na audiência de custódia realizada nesta sexta-feira pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a juíza Raquel de Almeida Valinho converteu a prisão em flagrante de André Carolino de Souza para prisão preventiva.

“Em análise dos autos é possível concluir que existem provas suficientes da existência de crime a ensejar a materialidade do delito e fortes indícios de que o autuado realmente tenha praticado o crime que lhe foi atribuído”, disse a magistrada, ressaltando que os “os crimes eram supostamente praticados no interior de uma clínica veterinária, local onde se esperava que os animais fossem tratados e cuidados”. “Ademais, quanto à alegada exposição pela mídia, destaco que os fatos narrados se revestem de extrema gravidade, não havendo que se falar em mera influência midiática, existindo fatos concretos a ensejar a conversão da prisão, como fundamentado”.

“Parecia um filme de terror”, disse a deputada Janete de Sá (PSB), presidente da CPI dos Maus-Tratos Contra os Animais da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) em comunicado. “Os tutores entregam seus animais aqui, pensando que eles vão ser tratados, mas na verdade eles acabam morrendo diante de tanta precariedade no local, prova disso é que encontramos 17 animais mortos em dois freezers”.

Ao ser conduzido por agentes para uma sala da Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil (PCES), Carolino foi filmado sorrindo ao avistar a câmera da equipe de jornalismo da Ales, e ainda acenou.

Imagens registradas pelas autoridades locais mostram que havia na clínica: material cirúrgico enferrujado e exposto no ambiente onde seria o “centro cirúrgico”, medicamentos vencidos e armazenados em geladeira junto com alimentos, uma caixa cheia de seringas e agulhas que seriam reutilizadas, uma máquina de secar roupa sendo usada como incubadora, baias com animais em meio a entulhos de obras, peças e ferramentas de oficina mecânica. De acordo com o comunicado da Ales, “o mau cheiro generalizado denunciava a situação insalubre do local”. Havia ainda na clínica cinco gatos e 11 cachorros, que já foram resgatados.

“Não havia capacidade de o local estar funcionando”, apontou o delegado Eduardo Passamani, titular da Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente, acrescentando que o crime de maus-tratos aos animais pode resultar em prisão de dois a cinco anos.

Os tutores dos animais foram à clínica após serem informados das irregularidades.

“Tenho sorte em poder levar meus cachorros vivos”, disse Renan Lyra, que tinha dois cães internados lá.

Já no caso de Holga Maria Nunes e Marcelo Souza dos Santos, tutores da cadela Isadora, o resultado foi, infelizmente, se deparar com a bulldog morta.

A cadela foi levada para a clínica na última terça-feira, dia 7, para retirar um excesso de pele no olho, mas Holga e Marcelo foram informados de que também seria necessário fazer uma cirurgia para corrigir um problema na respiração.

“Meu marido perguntou se podíamos buscá-la no dia seguinte e ele [funcionário da clínica] disse que provavelmente sim, que era uma cirurgia simples e rápida, sem risco de morte”, relatou Holga.

Na operação de quinta-feira, a cadela Isadora foi encontrada envolta em saco plástico.

“No nosso pensamento, a gente ia sair com Isadora viva. E me entregaram minha Isadora assim, morta num saco de lixo. E ninguém pra atender a gente, pra dar uma explicação. Como que morreu? Se deixamos ela lá viva?”, disse Holga, muito emocionada, na coletiva de imprensa na Ales.

Com consentimento da tutora, Janete de Sá afirmou que a CPI solicitará a autópsia do animal para identificar a causa da morte. Ela acrescentou que pedirá a cassação do registro profissional do veterinário ao Conselho Regional de Medicina Veterinária.

“É inadmissível que um médico, um profissional com curso superior, cometa tantas atrocidades com animais indefesos e ainda cobre pelos serviços que realiza”, completou a deputada.

O caso começou quando as autoridades capixabas receberam denúncias contra o veterinário. Foi então realizada uma operação conjunta de fiscalização e vistoria nesta quinta-feira. Consta no boletim de ocorrência que “vários animais estariam acondicionados em locais totalmente insalubres, bem como que vários objetos de cirurgia estariam expostos de qualquer maneira”. A clínica foi descrita como desprovido das “mínimas condições de higiene para os animais e pessoas que ali estavam”.

As entidades que participaram da operação de quinta-feira foram: Guarda Municipal de Vila Velha, Secretaria do Meio Ambiente, Vigilância Sanitária, Defesa Civil, Coordenação de Posturas da prefeitura Municipal de Vila Velha, Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Espírito Santo, CPI dos maus tratos a animais da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo e Delegacia Especializada do meio Ambiente.

De acordo com o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Espírito Santo (CRMV-ES), André Carolino já possui dois processos éticos transitado em julgados, incluindo uma pena de censura pública — a terceira pior penalidade, que consiste numa publicação feita nos jornais, diários oficial e mídia social, perdendo apenas para suspensão e cassação. Procurado pelo GLOBO, o CRVM-ES informou que este caso ocorreu após uma fiscalização do conselho em conjunto com a Polícia Civil, cuja participação foi necessária justamente porque a equipe do Conselho “foi impedida de fiscalizar e intimidada no exercício da sua função”. Ao todo, foram realizadas 18 fiscalizações na clínica André Carolino. O veterinário responde ainda a mais três processos éticos, que correm sob sigilo.

O CRMV-ES explicou ainda que não é de sua competência “cassar o registro de estabelecimentos” pois este documento é um “ato administrativo de cunho cartorial e documental” que, no ato de inscrição, foi apresentado conforme as normas.

“Neste caso, compete ao CRMV-ES realizar fiscalizações a fim de assegurar que as normas técnicas e éticas da medicina-veterinária sejam cumpridas”, disse em nota postada no Instagram. “Por essa razão, foi necessária uma ação conjunta com diversos órgãos, que possuem as mais variadas competências, a fim de que o interesse público restasse integralmente resguardado. Isso revela o interesse do Conselho em fiscalizar, de forma segura, a estrutura do local”.