Um motoboy negro desarmado foi preso em flagrante por roubo depois que um soldado da PM alegou que foi abordado por ele. O caso ocorreu na noite de sexta-feira (28), no Tremembé, zona norte de São Paulo. O policial estava de folga.
A família do motoboy nega o roubo e diz que ele foi agredido pelo PM.
Um vídeo feito por moradores do bairro mostra o motoboy André Andrade Mezzette, 29, no chão, dominado pelo soldado Felipe da Silva Joaquim, 30, PM da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas), que está armado.
Na gravação, o motoboy diz ao PM que estava apenas fumando maconha. O PM diz “Deus sabe o que você fez” e, apontando todo o tempo uma pistola para a cabeça do rapaz, o arrasta da rua para a calçada de forma violenta, chuta suas costas e o xinga.
“PM chegou agredindo”
A estudante Vitoria Mezzette, 21, irmã do motoboy, disse ao UOL que ele decidiu fazer uma pausa após entregar uma pizza e acendeu um cigarro de maconha. O PM Felipe teria aparecido nesse momento. Ainda segundo a irmã do motoboy, o PM não se identificou como policial e passou a agredir Mezzette a coronhadas e a xingá-lo.
Segundo Vitória, o PM ignorou que o jovem estava com as comandas dos pedidos e comprovantes das entregas que já havia feito naquela noite.
O motoboy foi levado para um pronto-socorro e depois para um hospital, para uma tomografia. Por causa dos ferimentos, ele precisou de três pontos na testa. Quando teve alta, pela manhã, foi levado para o 73º DP (Jaçanã), onde já havia sido autuado em flagrante por roubo.
Posteriormente, Mezzette foi transferido para o 72º DP (Parada de Taipas), onde deve ficar preso até amanhã, quando deverá ser transferido para um centro de detenção provisória.
“Assalto”
O soldado Felipe por sua vez disse à PM e à Polícia Civil que passava pelo local quando notou o motoboy em atitude suspeita. Ele alega que deu a volta e que Mezzette foi para o meio da rua e anunciou o roubo.
O soldado de folga narra no boletim de ocorrência que teria descido da moto, entrado em luta corporal com o motoboy e o detido até a chegada da PM, que o levou para o pronto-socorro
“Qual o sentido dessa versão? Um homem desarmado, que está de moto, tentar roubar outra moto? Será que ele tentou roubar o PM com a maquininha do cartão?”, disse Vitoria, irmã do motoboy, após dar queixa do PM na Corregedoria da corporação.
Ela afirma que o irmão é vítima de uma ocorrência armada pelos policiais militares em virtude do descontrole do soldado Felipe. Ela acredita que a versão do irmão, que só prestou depoimento após o flagrante ter sido lavrado pela Polícia Civil, não recebeu crédito da polícia porque ele foi preso uma vez por furto, em 2013.
A família destaca que Mezzette é dono da moto, usada para fazer entregas, e diz que ele é inocente. Amigos e parentes onde o motoboy trabalha foram hoje (30) ao 72º DP para protestar e pedir por sua libertação.
O UOL procurou o soldado Felipe. Ele afirmou que tudo que está no boletim de ocorrência registrado no Jaçanã “é o ocorrido”.
Sobre o fato de Mezzette estar desarmado, ele afirmou que “não é preciso arma para praticar um roubo”. Ele acusou a imprensa de manipulação e de publicar mentiras e diz que está sendo ameaçado na rua onde mora por causa do caso.
O policial, que tem 92 mil seguidores no Instagram até a noite deste sábado, postou ontem (29) que havia passado por um “livramento” no dia anterior.
“Mesmo a gente fazendo o certo na vida, como no trabalho, passamos por diversos testes, onde somos questionados por tudo, apenas por usar uma farda”, escreveu o policial na publicação.
Perguntado se o livramento se referia à ocorrência no dia anterior, o policial negou. Disse se tratar de uma “questão particular”.
Nada justifica violência
O Ouvidor das Polícias, Elizeu Soares Lopes, teve acesso ao vídeo que é publicado pelo UOL nessa reportagem. Ele disse que apesar de as imagens não mostrarem como o soldado Felipe chegou ao local e o que motivou a abordagem, “nada justifica a violência física e verbal à pessoa já rendida, o que deve ser apurado rigorosamente”.
Segundo afirmou Lopes, a “Ouvidoria oficiará a Corregedoria da Polícia Militar e a Polícia Judiciária para mais informações e acompanhará o caso até seu desfecho”.