‘Vou me despedir moído, mas mantive a altivez’, diz Fux sobre saída da presidência do STF
Ele deixa a presidência do STF no dia 12 de setembro, quando transferirá o cargo à ministra Rosa Weber
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmou que vai sair “moído” do cargo, mas que conseguiu manter a sobriedade e a altivez nos dois anos em que esteve à frente da Corte.
Ele deixa a presidência do STF no dia 12 de setembro, quando transferirá o cargo à ministra Rosa Weber.
“Me despeço daquela cadeira [de presidente] que, segundo alguns, é uma cadeira de moer gente. Vou me despedir moído, mas mantive meu papel de brasileiro, equilibrando os poderes, não apagando fogo com gasolina, mantendo a sobriedade e a altivez que o magistrado deve ter. Graças ao bom Deus, consegui equilibrar exercendo essa função muito árdua”, afirmou ele em uma palestra que fez no Iasp (Instituto de Advogados de São Paulo).
O evento, no formato de reunião-almoço, voltou a ser realizado pela primeira vez depois de um intervalo de dois anos em que ficou suspenso por causa da epidemia de Covid-19.
Os 250 ingressos colocados à venda por R$ 250 para associados, e R$ 350 para não associados, foram todos vendidos.
No discurso, Fux falou em tom de despedida e fez um breve balanço de seus principais desafios na presidência do STF.
Durante seu mandato, a Corte sofreu reiteradas críticas do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Fux não tocou no nome dele, mas disse que o tribunal age sempre, e exclusivamente, quando é “demandado”.
“É preciso que alguém promova uma ação”, afirmou ele à plateia de advogados.
“Fala-se em judicialização da política. Não é o Judiciário que quer tratar de política. É a política que movimenta o Judiciário. E verificamos isso no dia a dia. Quando não há consenso no Parlamento [em torno da aprovação de uma lei], a primeira frase que se houve daquelas agremiações que não obtiveram sucesso [nas votações] é ‘vou ao Supremo’.”
Fux afirmou que ainda que “o Poder Judiciário foi colocado em terceiro lugar na ordem dos poderes [na Constituição] exatamente porque é o único que a competência constitucional para rever os atos dos demais poderes”.
Quando provocado, disse ele ainda, o Supremo, “assim como todo o Judiciário”, não pode simplesmente dizer que não vai julgar. “Nenhuma comunicação ao Supremo, nenhuma ameaça de lesão ao direito pode ficar sem resposta”, afirmou.
Fux reconheceu, no entanto, que há uma judicialização excessiva e que muitas vezes chegam à Corte temas que ela não tem a capacidade de julgar.
Ele deu o exemplo de uma ação que questionava determinação do Ministério da Educação sobre a idade em que as crianças deveriam começar a frequentar as escolas.
“Começamos o voto dizendo ‘eu não tenho formação em pedagogia’. Como é que vamos escolher a idade ideal de a criança entrar no colégio?”, questionou.
Segundo Fux, já há um debate na Europa sobre a necessidade de “as cortes constitucionais desenvolverem a virtude passiva de decidir não decidir”.
“Eu não julgo porque essa questão não é constitucional, mas, sim, social, por exemplo”, disse ele.
No encerramento do discurso, Fux afirmou que o Supremo conseguiu diminuir seu acervo de 110 mil para 10 mil processos, graças ao fato de vivermos hoje na “era digital”.
“O professor Eric Hobsmawm dizia, em seu livro ‘A Era dos Extremos – O Breve Século 20’, que os homens que navegavam pelos mares agora navegarão pela internet. Então nós vamos alcançar a grande virtude de transformar o Supremo Tribunal Federal numa corte eminentemente constitucional”, afirmou.
“Ao obedecer a Constituição, nós estamos muito mais perto do porto que do naufrágio que alguns pessimistas anunciam”, declarou ainda Fux aos advogados. “O Brasil está vivendo um grande momento. Em relação ao Judiciário, há grandes mudanças que têm dado muito certo.”
Citando o jurista italiano Cesare Vivante, morto em 1944, o ministro finalizou: “Ele exclamava: ‘Um outro tempo, um outro direito’. É hora de fazermos essa travessia. Porque, se não fizermos, ficaremos para sempre à margem de nós mesmos”.