Ação do MPF pode suspender norma que veda tratamento psicológico a transexuais
Na última quinta-feira (5), o Ministério Público Federal (MPF) em Goiás ajuizou uma Ação Civil…
Na última quinta-feira (5), o Ministério Público Federal (MPF) em Goiás ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) polêmica. O intuito é a suspensão imediata da resolução 1/2018 do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe psicólogos de realizarem práticas que possam reforçar preconceitos ou que favoreça a patologização de pessoas transexuais e travestis. Nesse contexto, a norma também restringe terapias de conversão, ou seja de “cura”, reversão, readequação ou reorientação de identidade de gênero dessas pessoas.
A ACP foi editada pelo procurador da República Ailton Benedito, que afirma o CFP cria limitações ao exercício profissional sem amparo legal à atividade profissional dos psicólogos. Para Ailton, a resolução vai contra o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, direito previsto no artigo 5° da Constituição Federal (CF).
“Regulamentos não podem, sem respaldo legal, conter a atividade profissional propriamente dita, como, por exemplo, impor aos psicólogos um modelo único de pensamento ou impedir o uso de terapias psicológicas, pois o dever-poder regulamentar do CFP não é absoluto, capaz de, por si, predefinir a interpretação e os métodos adotados. É insofismável, pois, que a Resolução em testilha é autoritária, arbitrária, ilegal, inconstitucional”, pontua.
Além da suspensão, Ailton também pede que o CFP seja proibido de aplicar qualquer “sanção” aos psicólogos, com base em eventual descumprimento da referida resolução. Solicitou também aplicação de multa diária de R$ 200 mil ao CFP e de R$ 50 mil aos agentes públicos que concorram, de qualquer forma, para o descumprimento de eventual decisão judicial que conceda os requerimentos.
“Estranheza”
Para a presidente do Conselho Regional de Psicologia de Goiás (CRP-GO), Ionara Rabelo, a notícia causa estranheza. Segundo ela, a norma é baseada na Constituição Federal e congruente com normativas nacionais e internacionais da Psicologia. “É estranho ver o MPF questionar uma resolução específica que trata dos princípios fundamentais previstos na CF, como a dignidade da pessoa humana”, sublinha.
Conforme expõe Ionara, a discussão é interessante, uma vez que conselhos de quaisquer profissões tem a função de regular profissionais com base em preceitos “éticos, técnicos e científicos”. “Conselhos de Medicina, por exemplo, tem resoluções e pareceres com relação à cirurgia do processo de transsexualização. Então, existem normativas de outros conselhos que orientam a profissão com relação a isso. Por que apenas o dos psicólogos está sendo questionado?”.
“Perda terrível”
A presidente reforça que a norma em questão estimula que profissionais não sejam coniventes com práticas discriminatórias. Para ela, insistir no caminho contrário, pode trazer prejuízos à profissão e à sociedade. “Este será um processo longo, mas acreditamos que a decisão será favorável ao conselho. É uma resolução que trata da dignidade, para vetar a discriminação e tratamentos não-científicos. Caso o MPF saia vitorioso, seria uma perda terrível”.
Ela esclarece que o uso da psicologia para promover “cura” da transexualidade é vedado porque não existem bases científicas para orientação de nenhum trabalho. No Brasil, segundo ela, não há disciplinas sobre o tema porque não há elementos científicos que apoiem a abordagem.
“A ciência, inclusive, oferece elementos contra. Pesquisas realizadas nos EUA sobre esse aspecto revelaram que tratamentos foram ineficazes ou causaram mais danos às pessoas. Alguns tentaram suicídio, ficaram depressivos e ansiosos. Então, cientificamente, o que a gente constata é o aumento do sofrimento. Inúmeros estudos reforçam nossa atuação no sentido de não utilizar a psicologia com essa finalidade”, destaca.
Conforme explica Ionara, Insistir na perspectiva patologizante, transformar a transexualidade em doença, é o mesmo que propor terapia para mudar a crença religiosa de alguém. “É a mesma coisa. Não existe isso. O que deve haver é respeito, acolher o sofrimento e atender o paciente sem fazer juízos de valor. O profissional não é impedido de atender, é impedido de oferecer serviço sem base científica e que ainda gera preconceitos e danos psicológicos”.
Nota
Em nota, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) revela que ainda não foi oficialmente notificado pela Justiça Federal de Goiás. No entanto, reforça a “importância da norma”.“A resolução determina que, em sua prática profissional, psicólogos devem atuar de forma a contribuir para a eliminação da transfobia e orienta, ainda, que não favoreçam qualquer ação de preconceito e nem se omitam frente à discriminação de pessoas transexuais e travestis”.
O conselho ainda ressalta que a 1/2018 não recomenda o uso de instrumentos ou técnicas psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminação e “veda a colaboração com eventos ou serviços que contribuam para o desenvolvimento de culturas institucionais discriminatórias”. O documento foi aprovado por unanimidade na Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf) de dezembro de 2017, que reúne delegações da categoria de todo o País.
Ainda o CFP lembra que a resolução tem sintonia com recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, o STF vedou toda e qualquer forma de patologização e discriminação das identidades transexuais e transgêneros ao autorizar a mudança de nome social sem a realização de cirurgia de mudança de sexo e sem precisar passar por avaliação médica ou psicológica”.
O TSE também aprovou, segundo o conselho, garantias constitucionais às pessoas trans ao permitir que candidatos transgêneros utilizem nome social na urna eletrônica e sejam incluídos nas cotas masculina ou feminina dentro dos partidos.
O CFP reforça ainda que a resolução vai ao encontro das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4275, o STF vedou toda e qualquer forma de patologização e discriminação das identidades transexuais e transgêneros ao autorizar a mudança de nome social sem a realização de cirurgia de mudança de sexo e sem precisar passar por avaliação médica ou psicológica. O TSE também aprovou garantias constitucionais às pessoas trans, ao permitir que candidatos transgêneros usem o nome social na urna eletrônica e sejam incluídos nas cotas tanto masculina quanto feminina dentro dos partidos.