LUZIÂNIA

Advogado diz que foi espancado por PMs e obrigado a declarar voto a Bolsonaro

Um advogado de 24 anos registrou, na última segunda-feira, 28, uma ocorrência na Corregedoria da…

Um advogado de 24 anos registrou, na última segunda-feira, 28, uma ocorrência na Corregedoria da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) em que alega ter sido vítima de racismo e abuso de autoridade por parte de seis policiais militares (PMs), em Luziânia, no Entorno do Distrito Federal. O rapaz conta que foi espancado com chutes, socos e tapas, teve spray de pimenta nos olhos e foi chamado de “veadinho petista”, sendo obrigado, conforme sua versão, a afirmar que era eleitor do presidente da República, Jair Bolsonaro.

O caso teria ocorrido no final da noite do último domingo, 27. Ao Mais Goiás, o advogado, que é negro, relata que, após saírem para comer, ele e outros dois amigos estavam na avenida Alfredo Nasser, em Luziânia, quando três viaturas da PMGO passaram em alta velocidade e fizeram uma manobra na contramão. Uma reclamação do advogado teria começado toda a situação de agressão.

“Como eu já estava praticamente atravessando a avenida, numa rotatória, eu não imaginei que eles entrariam na contramão. A viatura quase me atropelou e eu disse ‘Poxa, vai me atropelar?’. Eles já desceram da viatura, disseram ‘mão na cabeça’ e já me deram um tapa no rosto”, conta.

O rapaz conta que levou vários chutes, socos e tapas no rosto dos seis policiais. Em um dado momento, um dos militares teria utilizado spray de pimenta em seu rosto, tudo isso enquanto, segundo o advogado, o chamavam de “veadinho de merda”. Conforme o relato, o desespero fez o advogado pedir para ser levado para a delegacia.

“Me batiam sem parar. Eu perguntei ‘Meu Deus, pra quê isso?’. Pedi pelo amor de Deus que me levassem para o DP e me entregassem para o delegado. Se eu tivesse cometido algum crime, ele saberia”, relata.

Entretanto, os policiais o teriam levado para o 10º Batalhão da Polícia Militar (BPM), nas proximidades da região. Lá, conforme o advogado, uma nova sessão de tortura teve início. Já dentro do batalhão, o rapaz conta que, mais uma vez, foi alvo de diversos golpes e jatos de spray de pimenta. Ele relata que gritou por socorro, mas ninguém apareceu.

“Vamos levar para o 1º DP, a gente afoga ele lá”, teria dito um dos policiais

Ainda de acordo com o relato do advogado, quando estavam no 10º BPM, um dos policiais teria sugerido levar o rapaz para a 1ª Delegacia de Polícia (DP) para que a tortura continuasse. “Me jogaram de novo no camburão e disseram ‘Agora vamos levar ele para o 1º DP, porque tem um balde e a gente afoga ele lá’. Na hora eu pensei que ia morrer”, narra.

O advogado diz que os policiais o levaram para a 1ª DP, na Avenida Perimetral, mas não entraram no local. Em sua versão, o rapaz disse que contou que era advogado, mas em nenhum momento teve o registro da OAB checado. Na entrada da DP, o rapaz conta que teve sua orientação política questionada, o que teria gerado choques elétricos e mais golpes.

“Eles falavam ‘Você é petista, né?’ e eu respondia ‘Sim, voto no PT desde os 16 anos’ e me davam choque elétrico”, conta. O advogado diz que chegou a ouvir de um dos PMs que, a partir daquele momento, deveria votar no atual presidente da República. “Falou ‘A partir de hoje você vai votar no Bolsonaro, entendeu?’ eu disse ‘Tá bom’ e eles me deram mais choques elétricos”, relata.

Após algum tempo, o advogado conta que os amigos que estavam com ele na abordagem e não foram detidos chegaram à delegacia acompanhados de seu pai. Só então os PMs teriam ficado menos agressivos e o ajudado a lavar o rosto em uma torneira do lado de fora da delegacia. O rapaz diz que os militares chegaram a pressioná-lo para que ele não registrasse denúncia, pois isso “o atrapalharia na profissão de advogado”.

O profissional revela que, no dia seguinte ao ocorrido, segunda-feira, foi ao Instituto Médico Legal (IML) e realizou os devidos exames para comprovar os ferimentos sofridos. Ele também conta que registrou o caso junto à Corregedoria da Polícia Militar e à Polícia Civil. “O sentimento é de indignação porque nenhum agente do Estado está ali para bater em alguém, ou obrigar um cidadão a votar em quem eles querem”, desabafa.

Laudo do IML | Foto: Arquivo pessoal

OAB abriu procedimento para apurar o caso

Ao tomar conhecimento do caso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da entidade instaurou, nesta terça-feira, 29, um “processo interno para investigar denúncia sobre crimes de tortura, racismo, homofobia e abuso de autoridade cometidos por policiais contra advogado negro, de 24 anos, em Luziânia, no entorno do Distrito Federal”.

Uma portaria da CDH, de nº 005/2020, assinada pelo seu presidente, Roberto Serra da Silva Maia, determina ainda que sejam oficiados os órgãos Secretaria de Segurança Pública; Delegacia de Polícia Civil de Luziânia-GO; Corregedoria da Polícia Militar do Estado de Goiás; Grupo Especial do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Estado de Goiás; e o CAO dos Direitos Humanos do Ministério Público do Estado de Goiás, a fim de que informem o andamento das investigações.

Já a PMGO informou, por meio de nota, “que a versão registrada pelos policias militares envolvidos na ocorrência diverge completamente da versão apresentada pela suposta vítima, mas que, mesmo assim, a Polícia Militar do Estado de Goiás, ao receber a reclamação, instaurou um procedimento com o objetivo de apurar as circunstâncias e a veracidade dos fatos que cercam o ocorrido”.

A reportagem solicitou o envio da versão apresentada pelos PMs às 16h46, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno. O espaço permanece aberto.