Além do novembro azul: prevenção e tratamento versus preconceito
José*, de 64 anos, sentia dores ao urinar há bastante tempo, mas sempre protelou a…
José*, de 64 anos, sentia dores ao urinar há bastante tempo, mas sempre protelou a procura médica. Achava normal ou simplesmente não gostava da ideia de buscar um médico por um motivo como esse. Não passou pela cabeça que poderia ser algo grave. Somente quando passou a surgir a urgência urinária, dores fortes e a interrupção do fluxo, buscou ajuda profissional. Resultado: estava com câncer na próstata.
O caso de José não é, nem de longe, uma exceção. De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Ministério da Saúde, o câncer de próstata é o segundo mais comum aos homens no Brasil. A incidência também é a segunda maior quando se considera ambos os sexos. Somente em 2018 foram registrados 68,2 mil novos casos no país e, no anterior, 15,3 mortes. Em Goiás, a cada 100 mil habitantes, 64 apresentam a doença.
Ao buscar ajuda, José realizou o exame do antígeno prostático específico (PSA), que apontou índices próximos aos 4 nanogramas por mililitro (ng/mL) de sangue esperados para alguém que não tenha a doença. No entanto, somente esse exame não dá a segurança do diagnóstico correto. É preciso fazer o tão temido – pelos homens – exame do toque retal.
Exame
É no tal exame do toque que está o problema para o tratamento precoce de câncer no Brasil. Ele é permeado de preconceito, fruto direto da ideia de masculinidade partilhada por aqui. Mesmo com o surgimento de modernas técnicas de diagnóstico, como ressonância magnética, o exame urológico ainda é considerado pelos médicos como imprescindível.
Cerca de 18% das neoplasias, ou seja, da proliferação anormal de tecidos do corpo, são descobertas em pacientes com PSA normal e que não sentem nada no dia-a-dia. Conforme explica o urologista Fernando Cruvinel, a consulta especializada, com foco nas alterações urológicas, somada com o exame de PSA no sangue e o toque retal são essenciais para o diagnóstico precoce, que garante taxas de cura de até 90% nos estágios iniciais.
O urologista lembra, ainda, que o exame do toque não afeta a masculinidade ou sexualidade do homem, já que é indolor e não é realizada em toda consulta. No entanto, o câncer afeta, sim, a sexualidade. “Existem estudos mostrando que o câncer e todos os fatores relacionados a ele prejudicam a função sexual do paciente. E as opções de tratamento disponíveis atualmente costumam afetar em algum grau a capacidade de ereção. O preconceito e o medo podem levar muitos de nós, homens, a correr sérios riscos e perder a chance de ser curado”, salienta.
Psicologia
Justamente por afetar a vida sexual durante a doença, a ajuda psicológica é essencial. Com o diagnóstico, José apresentou tristeza profunda e a esposa associa isso ao câncer. Foi ela quem buscou auxílio na Psicologia. Inicialmente, ele foi resistente ao tratamento. Mas após a primeira consulta, quando saiu do consultório mais ‘aliviado’, decidiu começar um trabalho de psicoeducação.
O quadro psicológico de José é comum. Conforme explica a coordenadora do serviço de Psico-Oncologia do Centro Brasileiro de Radioterapia, Oncologia e Mastologia (Cebrom), Jacqueline Amaral, geralmente os pacientes sentem ansiedade, angústia, medo do tratamento e da morte.
O câncer também produz alterações no papel familiar que o homem desempenha, caso o tratamento exija tempo e dedicação. “Assim o paciente não poderá desempenhar suas funções, como habitualmente, e alguém irá substituí-lo. Essa troca de papéis é angustiante. Na maioria das vezes, o homem sente-se alheio às decisões”, diz a Jacqueline, que também é presidente da Regional Goiás da Sociedade Brasileira De Psico-Oncologia.
Segundo ela, nos atendimentos que faz, uma das questões mais abordadas pelos pacientes é justamente a perda da autonomia e baixa autoestima. Por isso, no acompanhamento psicológico são trabalhadas as estratégias de enfrentamento para aumentar a autoestima, autonomia, reduzir o estresse relacionado ao tratamento. Em alguns casos, o tratamento da depressão é feito com acompanhamento de um psiquiatra.
“Estimulamos também os hábitos saudáveis de vida, como não fumar, não ingerir álcool, praticar exercícios, alimentação saudável, redução de estresse através de psicoterapia, meditação”, reforça a psicóloga.
Prevenção
O novembro azul nasceu justamente para chamar a atenção para que os homens façam os exames preventivos. O alerta é para, sobretudo, aqueles com histórico de câncer na família, com mais de 50 anos, obesos e fumantes (veja arte). Em estágios iniciais, o câncer de próstata não costuma apresentar sintomas.
Conforme explica o urologista Leandro Vitorino, a conscientização é essencial. E, por isso, a campanha que acontece durante todo o mês é essencial neste processo. “Com o diagnóstico precoce, podemos detectar a doença em seu estágio inicial, em que encontra-se localizada única e exclusivamente dentro da próstata, o que possibilita a cura em 90% dos casos”, diz.
Vitorino alerta para o fato de que, à medida que o câncer avança, pode invadir estruturas ao redor da próstata, ureteres, esfíncter, vesículas seminais e até enviar metástase para ossos e outros órgãos. “Todo homem pode desenvolver câncer de próstata. Não existe nenhuma medida preventiva que bloqueia esse risco. Mas alguns homens podem ser mais atingidos que outros”, finaliza.
*nome alterado para preservar a identidade do paciente