Alto da Boa Vista em análise: a Justiça decidiu pela desocupação
Jurista avalia se há condições para que moradores permaneçam no local
No dia 29 de janeiro, a juíza Vanessa Estrela, reiterou o posicionamento pelo despejo dos ocupantes do assentamento Alto da Boa Vista, em Aparecida de Goiânia. “Foi proferida uma decisão e essa decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça. E eu não pretendo, aqui, rever minha decisão. O que nós vamos discutir aqui é a melhor forma de cumprí-la para que todos os envolvidos tenham segurança”, disse ela em vídeo da audiência ao qual o Mais Goiás teve acesso.
Ela ainda advertiu os presentes que se tratava de audiência jurídica, dentro de um processo jurídico, não um palanque. Participaram o suposto proprietário da área, a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB), os Direitos Humanos da OAB-GO e outras instituições ligadas ao movimento. Aqui não é política e eu não vou permitir nenhuma intervenção nesse sentido. Se eu verificar que está indo para esse rumo eu suspendo a audiência. (…) Vou solicitar aos policiais que retirem a pessoa que fizer qualquer tipo de manifestação que eu entenda que seja desrespeitosa, que burle a audiência.”
Em junho de 2019, Vanessa já tinha se manifestado pela desocupação, porém, conforme explicou recentemente o vereador da cidade, William Panda (PCdoB), a ação foi suspensa até dezembro, próximo ao Natal, quando a magistrada se manifestou, novamente. “Este juízo não voltará atrás em seu posicionamento de desocupação da área. (…) Defiro, em parte, (…) audiência de conciliação entre as partes envolvidas para o dia 29 de janeiro, às 9:30”, escreveu ela em 22 de dezembro. Nesse ínterim, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) confirmou a decisão de Vanessa.
Análise
Heitor Soares é secretário-geral da Comissão de Direito Agrário da OAB-GO. Ele verificou a decisão original da juíza, que não foi revista na audiência, e comentou o assunto ao Mais Goiás. Segundo ele, trata-se de uma área em zona de expansão urbana.
“Provavelmente, ali vão ser feitos loteamentos, edifícios residenciais e/ou comerciais. O que vai dizer o que pode e o que não pode é justamente o plano diretor do município”, elucida. Ele cita que a cidade exerce, assim, no local, o poder de polícia para combater loteamentos clandestinos.
E lembra que a Lei 13.465/17 criou um lapso temporal, a fim de regularizar esse tipo de situação que figurasse até 22 de dezembro de 2016. “A Reurb (Regularização Fundiária Urbana) promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016″, expõe o parágrafo 2º, artigo 9º.
“Então, dali para trás regularizou. Para frente não existe nenhum tipo de possibilidade”, reforçou Heitor. “Justamente para combater os loteamentos irregulares, pois isso não teria fim. É uma política fundiária que nunca vai ter um resultado, que seja satisfatório”, avalia.
Aspectos
Ainda de acordo com Heitor, é necessário refletir sobre dois aspectos. “O primeiro se refere ao direito social de acesso à moradia digna e à propriedade. E o segundo ponto é que reflita a questão do poder de polícia do município em conter os loteamentos clandestinos.”
Desta forma, ao novamente citar a Lei 13.465/17, ele destaca que a ocupação ocorreu em 2018. “Hoje não vejo situação jurídica que dê condições para que esses moradores permaneçam neste lugar”. Ou seja, na visão de Heitor, caso a ocupação tivesse acontecido antes de 22 de dezembro de 2016, que é o marco temporal estabelecido, essas pessoas poderiam ser regularizadas.
Por outro lado, o advogado alerta que existe omissão na estimulação de acesso à moradia digna. Mas enfatiza: “É um processo que não envolve só o município. Existe uma responsabilidade solidária, do município, Estado e Governo Federal.”
Sobre a lei de usucapião, Heitor explica que é exigido um tempo mínimo, que varia entre dez e 15 anos , para que se obtenha o direito. “Como entraram em 2018, teríamos cerca de 1,5 ano de posse, que é insuficiente”, justifica.
Agehab
O vereador William Panda entrou em contato, na primeira semana de fevereiro, com o deputado estadual Karlos Cabral (PDT). O intuito foi agendar uma reunião entre ocupantes e o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) e o presidente da Agência Goiana de Habitação (Agehab), Eurípedes José do Carmo. Isso aconteceu no dia 13 de fevereiro.
De acordo com o deputado estadual, ele participa no processo junto com os demais atores. “Vim contribuir para tentar dar uma solução eficaz, antes de gerar um dano maior, que seria colocar as famílias em um galpão”, relata Cabral. Segundo ele, no encontro algumas ‘pistas’ foram analisadas para uma possível solução.
“Fomos à Agehab para que nos ajudasse com um programa ou encontrando uma área. Eles não têm programa específico, mas foi sugerido o diálogo com o governador Ronaldo Caiado (DEM), uma vez que o Estado tem áreas em Aparecida de Goiânia que poderiam, de repente, receber essas famílias.”
Questionado sobre a data do encontro com o gestor estadual, Cabral diz que a reunião já foi solicitada, mas ainda não foi definida data. “Como estamos tentando suprir um problema antes que outro seja criado, acredito que seja em breve. Não queremos que seja como foi o Parque Oeste Industrial, onde se resolveu um problema de um particular e criou vários outros”. A assessoria de Ronaldo Caiado foi procurada e informou ao Mais Goiás que, possivelmente, o deputado tratou o assunto diretamente com o governador e, por isso, não há previsão de data para que essa reunião se concretize.
Parque Oeste
No começo dos anos 2000, cerca de 4 mil famílias que buscavam moradia digna, assim como os ocupantes do Alto da Boa Vista, vivenciaram uma ação policial extremamente violenta. A desocupação do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, teve como saldo dois mortos (segundo dados do Governo), 16 feridos a bala, um paraplégico e 800 detidos.
A ocupação da área do Parque Oeste Industrial, iniciada em maio de 2004, cresceu. O local começou a ter avenidas, ruas. Milhares de casas com estrutura de tijolos, telhas e concreto passado. Contudo, várias habitações ainda eram barracos de lona e tábua. O argumento dos ocupantes que tomaram conta do espaço era de que a área não cumpria função social, pois estava vazia. Além disso, havia um longo histórico de anos de impostos em atrasos, que não eram pagos ao poder público pelos proprietários.
Em 16 de fevereiro deste ano foi o marco de 15 anos da desocupação do Parque Oeste Industrial. O Mais Goiás fez uma série de matérias especiais sobre o caso. Confira e relembre. Leia, também, as Crônicas de Resistência.
LEIA MAIS
Série Especial | Na mira do despejo
TEXTO 1: Ocupantes do Alto da Boa Vista garantem: “Vivemos com dignidade”
TEXTO 2: Alto da Boa Vista: hospitalidade, alegria e desejo de continuar sob um teto