Sonho Realizado

Com honras, eletricista aposentado se forma em Direito aos 78 anos

Esta quinta-feira (16) foi dia de festa na casa do senhor Brasil Sales. Aos 78 anos,…

Esta quinta-feira (16) foi dia de festa na casa do senhor Brasil Sales. Aos 78 anos, o eletricista aposentado se formou, ao lado da filha, no curso de Direito da faculdade Cambury, realizando um sonho de décadas.

Foram cinco anos de curso para que ele, que atua como eletricista, pudesse realizar esse objetivo. Mas tomar coragem para dar o primeiro passo não foi fácil, já que fazia mais de 30 anos que Brasil não colocava os pés em uma sala de aula como estudante.

“Quando eu era menino eu tinha vontade de estudar, mas não teve forma. Então estudei até os dez e depois, ‘tchau’”, revela. A conclusão do Ensino Médio – então Segundo Grau – só veio muitas décadas depois.

Aos 41 anos — 31 depois de ter deixado os estudos –, Brasil leu em um jornal de Cuiabá (MT) que aqueles que se interessassem poderiam fazer uma prova para ingressar no Segundo Grau sem precisar de nenhum documento referente ao Primeiro. Ele foi atrás e conseguiu. Eliminou logo de cara quatro disciplinas e, ao longo de dois anos, concluiu as demais.

O tempo foi passando, a família cresceu, mas os velhos sonhos não ficaram para trás. “Eu casei, tive filhos, e ainda morava na roça. Mas aí pensei: ‘não quero essa vida para eles’. Vim para a cidade e deu tudo certo”, conta com entusiasmo. O esforço de Brasil deu resultado e ele se orgulha de ter nove filhos, todos formados, e 24 netos, muitos deles também com diplomas. A família se completa ainda com seis bisnetos.

Apesar disso, ainda faltava uma coisa: ele próprio não tinha conseguido chegar ao Ensino Superior. Foi em 2012 que surgiu a oportunidade: “Depois que me aposentei, decidi que tinha chegado minha vez. Minha filha mais velha me disse que, se eu tivesse muita vontade, que era para eu me matricular que ela se matricularia também e faríamos o curso juntos”, conta.

Naquela época, Brasil não esbanjava a confiança que tem hoje. “Eu fiquei com medo de não passar, vergonha da humilhação, então não contei para ninguém”, revela aos risos.

O temor, afinal, se mostrou completamente injustificado. No fim das contas, Brasil se formou acumulando notas boas durante o curso, chegando a ser considerado aluno destaque da instituição superando colegas de diversos cursos, graças à sua aplicação e presença constante, como conta sem muita modéstia.

Para o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Brasil buscou uma história do passado que o marcou. “Fiz sobre Sucessão Empresariam do Incapaz. Me interessei no tema porque quando meu irmão morava em Uruaçu, tinha um comércio na região cujo dono sofreu uma paralisia. Ele não tinha quem herdasse, então teve que vender o comércio, a empresinha, porque ficou incapaz. Achei isso tão ruim, ele não poder suceder a empresa”, afirma.

Como não podia deixar de ser, o resultado do trabalho também foi um sucesso. “Como não tem como tirar mais, tirei 10”, declara aos risos.

Parceria

Parte do segredo do sucesso, além de muita dedicação, foi o fato de estudar ao lado da filha mais velha, de 57 anos. “Foi uma experiência muito boa. No meu apartamento tem um cômodo que a gente fez de quarto de estudos e se juntava aqui quase todo dia para estudar. Não tive nem uma pequena dificuldade nas provas”, diz Brasil.

A filha, Márcia Aparecida Sales, também aprova a experiência. “Foi muito bom aproveitar mais tempo com ele. Além de ter com ele o aprendizado de vida, compartilhamos também o estudo do Direito”, destaca.

Ela, que já era formada em Contabilidade e Fonoaudiologia, agora pretende também exercer a profissão pela qual acabou de se formar. “Eu não vou fazer a prova da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] por agora porque tenho algumas coisas pendentes para resolver, mas vou me preparar com afinco para o ano que vem”, pontua Márcia.

Já Brasil não quer deixar escapar essa oportunidade, mas, apesar de tudo, não está muito confiante. “Estou fazendo um cursinho para a prova da Ordem no dia 2 de abril, mas acho que não vou passar, não estou preparado”, diz. “A OAB tem questões muito bem feitas. Um nome, uma vírgula muda todo o sentido. Tem que se preparar, como estou fazendo, mas o tempo de espaço é muito curto. A segunda prova que eu fizer, eu vou passar”, profetiza.

Todo esse interesse não é por acaso, já que Brasil já tem propostas de emprego. “Um advogado, amigo dos meus filhos, tem dois escritórios, um em Cuiabá e outro em Santarém [PA]. Ele disse que eu já tenho uma cadeira reservada”, afirma empolgado. “Quero ir para Santarém. Sou corajoso assim.”

Márcia Aparecida demonstra alegria com o sucesso do pai. Para ela, a história de vida dele deve servir como exemplo. “As pessoas não podem se limitar pela questão da idade. Idade é só um número. Quem quiser, tiver foco, vai realizar. Que isso sirva de incentivo”, declara.