Alunos da EJA de Goiânia não sabem onde vão estudar em 2025; entenda
Reestruturação gera incertezas para mais de 2 mil alunos
Alunos da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Goiânia afirmam que não sabem onde irão estudar em 2025. A dúvida é resultado de mudanças anunciadas pelo prefeito eleito Sandro Mabel (UB) em novembro, as quais transferem para a rede estadual de ensino a demanda de estudantes do segundo segmento da modalidade, que compreende matrículas do 6º ao 9º ano. Para além disso, interessados na conclusão dos estudos ressaltam que, até o momento, a lista correspondente aos colégios estaduais disponíveis para inscrição ainda não foi divulgada. Conforme expôs Mabel, no referido mês, 54 escolas municipais, com cerca de 2,2 mil alunos, serão afetadas pela medida.
Segundo o futuro prefeito, o objetivo é aprimorar a modalidade, bem como proporcionar economia aos cofres municipais. De acordo com o Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos, porém, apenas duas unidades que oferecem vagas presenciais aparecem no sistema Goiás360, utilizado exclusivamente por servidores para regulação da Educação Estadual. No entanto, uma dessas escolas não está acessível à população geral, pois é uma instituição socioeducativa destinada a jovens infratores.
Para Pedro Oliveira de 42 anos que estudava na Escola Municipal Jardim Nova Esperança, a única opção é a desistência, “Eu sou faccionista, saio do trabalho às 18h, aqui pertinho eu conseguia chegar a tempo. Não dá para sair mais cedo. Estudar de casa não consigo, só tenho internet do celular e, mesmo assim, com quem tiro dúvidas? Deviam ter nos consultado, saber se temos condições.”
Já Sandra Pereira, de 53, costureira e moradora da Vila Mutirão, a situação é ainda mais difícil por não ter muita familiaridade com tecnologia. Ela acredita que a modalidade EJATec não funcionaria para ela: “Olha, eu mal sei mexer em rede social, imagina um sistema que deve ser mais complicado? E com essas telinhas aqui [referindo-se ao celular] eu nem consigo enxergar. Eu cuido de três netos e passo o dia todo nessas máquinas. A escola era importante para mim, além de aprender, eu me distraía. A escola é pertinho de casa, tinha amigas, né? Casei cedo, deixei os estudos e, quando tento voltar, não dá certo. Não é para ser, então”.
Mudanças na EJA em Goiânia
A respeito da demanda de transferências, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc) reforça que o Governo de Goiás foi procurado pela futura administração de Goiânia, oportunidade em que informou que dispõe de vários polos de atendimento de EJA para suprir a necessidade atual com ofertas presenciais e pelo programa EjaTec, de educação remota. “O estado tem cerca de 30 unidades em várias regiões da capital para atender a demanda da melhor forma possível”, afirma a pasta em nota.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME), com orientação da nova gestão que inicia em 1º de janeiro, a mudança resultará na continuidade da oferta de EJA apenas nos anos iniciais do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano, com a manutenção de 16 escolas para esta modalidade.
Matrículas serão feitas a partir do dia 6/1, informa Seduc
Segundo o Fórum, as matrículas na rede municipal não estão mais sendo aceitas, pois as vagas nas escolas foram encerradas. A entidade questiona a falta de informações por parte da gestão estadual.
“Na Seduc, o período de matrícula on-line já foi encerrado. No entanto, os alunos poderão procurar as escolas presencialmente para se matricular a partir do dia 6 de janeiro. Mas onde está a lista desses colégios? Já estamos no último dia do ano, e as matrículas começam na próxima segunda-feira, mas até agora não temos nenhuma informação”, destacou o Fórum.
O Mais Goiás solicitou informações sobre a lista de colégios disponíveis para a matrícula dos alunos da segunda fase do EJA na modalidade presencial, mas até o momento a Seduc não respondeu à solicitação. O portal também entramos em contato com a assessoria de imprensa do prefeito eleito Sandro Mabel, mas ainda não obteve. O espaço permanece aberto para manifestações.
Reestruturação pode culminar em desistências, apontam professores
Embora a futura administração afirme que a reestruturação busca oferecer melhores condições e recursos aos alunos, como bolsas de educação e inclusão digital com laboratórios de informática disponibilizados pelo Estado, a medida tem gerado preocupações. Professores questionam a continuidade dos estudos, já que, no sistema estadual de educação, apenas o Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos Universitário (CEJA Universitário), localizado no Setor Universitário, aparece como única opção disponível, com capacidade máxima para apenas 60 alunos.
“E para onde serão encaminhados os outros 2.140 alunos, caso apenas 60 consigam se deslocar para essa unidade? Não há uma lista de instituições preparadas para receber esses estudantes, e nem todos têm condições de estudar longe de casa”, alerta a professora e pesquisadora da UFG, Ana Santana.
A outra escola que aparece no sistema é o Colégio Estadual Vida Nova no Conjunto Vera Cruz I, que segundo informações confirmadas com a Secretaria de Educação do Estado de Goiás (Seduc), não está disponível para a população por se tratar de uma unidade socioeducativa para jovens infratores.
Dificuldade de acesso pode impor obstáculos à entrada de alunos no mercado de trabalho, argumenta educadora
De acordo com o Fórum, outras duas unidades oferecem a modalidade EJATec, a CEJA Universitário e o Centro de Ensino Integral Arco-íris localizado na Chacara do Governador. No entanto, a professora ressalta que essa nomenclatura se refere apenas à diferença no formato de ensino: enquanto a EJA é presencial, a EJATec é a distância e não oferece cursos profissionalizantes.
“Minha preocupação é que muitos estudantes acreditam que a EJATec vai prepará-los para o mercado de trabalho, pois ela é apresentada como um curso profissionalizante. No entanto, nós, educadores, sabemos que se trata apenas de uma nomenclatura para o ensino a distância (EaD). Muitos desses alunos não possuem equipamentos como celular, computador ou tablet, muito menos acesso à internet ou condições de estudar sozinhos em casa sem a orientação presencial de um professor”, alerta a educadora.
Problemas podem inviabilizar aprovações para o ensino superior, destaca profissional
Outra preocupação dos educadores é que a maioria dos colégios estaduais oferece a EJA apenas na terceira fase, correspondente ao ensino médio. De acordo com esses educadores, isso pode comprometer o aprendizado dos alunos caso sejam orientados a “pular” a fase II, correspondente ao ensino fundamental, e se matriculem diretamente no ensino médio utilizando uma prova como qualificadora.
“Como fica o aprendizado dessas pessoas sem o ensino fundamental II, que é a base para preparar o aluno para o ensino médio e, posteriormente, para ingressar em uma universidade? Eles podem perder completamente a chance de construir um futuro e não poderão voltar atrás para refazer essa etapa, já que teriam concluído formalmente os estudos. Muitos estão retornando às salas de aula com o objetivo de se qualificar, e grande parte sonha em conquistar uma graduação”, alerta um professor que prefere não se identificar.
Benefícios da mudança contrastam com regras da LDB
Para a nova gestão da pasta, a reestruturação busca otimizar os recursos e beneficiar os alunos com programas, como a bolsa de R$ 110 oferecida pelo Estado. No entanto, a iniciativa tem sido contestada por alunos e professores da rede estadual, que afirmam que nem todos conseguem acessar o benefício.
“Procurei a secretária da escola, que me orientou a buscar a Seduc, mas alegaram que há um erro no meu cadastro. Vários amigos meus estão na mesma situação, eu mesma recebi por três meses”, relatou a aluna B.S., que estuda em sistema regular, mas terá que passar para o EJA noturno, devido a um estágio que fará para adquirir uma renda extra.
O Fórum Goiano de Educação de Jovens e Adultos (EJA) se posicionou contra a reestruturação, afirmando que ela contraria o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo, que busca ampliar vagas e garantir educação de qualidade. Um integrante, que não quis ter a identidade revelada, destacou que a decisão foi unilateral, sem diálogo com a comunidade escolar, e que a proposta fere a LDB, que prioriza o ensino fundamental pela rede municipal.
Nota da Seduc
Em resposta às críticas, a Secretaria de Educação do Estado de Goiás (Seduc) afirmou que está preparada para absorver a demanda dos alunos oriundos da rede municipal. Veja nota completa a seguir:
“Em atenção à solicitação de informações sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Rede Estadual de Educação em Goiânia, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc/GO) responde:
– O Governo de Goiás oferece as turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) presencial em unidades escolares na cidade de Goiânia garantindo vagas para os estudantes que precisam e necessitam terminar o ensino básico (Ensino Fundamental e Médio) nesta modalidade;
– A equipe de transição da futura administração municipal de Goiânia procurou a Secretaria de Estado da Educação informando que não irá mais oferecer a modalidade EJA na cidade nos anos finais do Ensino Fundamental;
– A Seduc/GO informou, então, que dispõe de vários polos de atendimento de EJA e que conseguirá atender a demanda, tanto com a oferta presencial, quanto com o programa EjaTec (que permite aos alunos concluírem os estudos de forma remota);
– A Prefeitura de Goiânia informou que mais de 2.100 estudantes estão na segunda etapa da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na rede municipal e o estado tem cerca de 30 unidades, em várias regiões da capital, para atender esta demanda da melhor maneira possível.”