EDUCAÇÃO

Pais deixam de matricular filhos na pandemia e Aparecida perde 2.235 alunos da Educação Infantil

Do total de 50.418 crianças entre 0 a 5 anos residentes no município, apenas 18,6% estão nas escolas

Pais deixaram de matricular milhares de alunos na Educação Infantil de Aparecida durante a pandemia (Foto: Claudivino Antunes - SecomAparecida)

Pais deixaram de matricular 2.235 crianças no Ensino Infantil da rede municipal de Educação em Aparecida durante a pandemia. Dados do  Instituto Rui Barbosa revelam que em 2020, havia 11.658 alunos de 0 a 5 anos matriculados na rede pública infantil. Este ano, o número caiu para 9.423 crianças.

A pandemia fez com que o deficit de crianças atendidas na Educação Infantil em Aparecida piorasse. Do total de 50.418 crianças entre 0 a 5 anos residentes no município, apenas 18,6% estão nas escolas. Em 2020 esse índice era de 23,1%. Os dados foram obtidos por meio do cruzamento de informações do levantamento feito pelo Instituto Rui Barbosa com dados da Secretaria Municipal de Saúde de Aparecida.

Entre o dia 17 de março de 2020 e o dia 9 de agosto de 2021 as aulas presenciais na rede municipal de ensino de Aparecida foram interrompidas em todas as unidades de ensino por causa da pandemia da Covid-19. As aulas foram ministradas apenas pelo Regime de Aulas Não Presenciais (REANP), conforme determinação dos Conselhos Estadual e Municipal.

Educação infantil à distância não existe, afirma Fórum Goiano de Educação Infantil

Uma carta aberta do Fórum Goiano de Educação Infantil divulgada no auge da pandemia, afirma que Educação Infantil à distância não existe. O documento defendia ainda que deveria ser feito um trabalho intersetorial apoiando as crianças e suas famílias neste momento tão adverso e mais excludente.

“Não se imagina uma educação de crianças menores de seis anos que prescinda do toque e das trocas afetivas e do acompanhamento em forma de cuidados e de procedimentos educativo-pedagógicos. Brincadeiras e interações de natureza assistivo-educativa são eixos essenciais na qualidade do trabalho da Educação Infantil, assim como interações entre crianças e as condições de liberdade de movimento, de expressão e de investigação do meio ambiente e de contextos sociais”, diz o documento.

Deficit de acesso a aulas remotas chegou a 25% durante a pandemia, em Aparecida

Em 2020, o Mais Goiás apurou que a quantidade de alunos que não conseguiam acesso as aulas remotas naquele ano letivo chegou a 25% dos alunos matriculados no município. A reportagem revelou que não apenas a falta de acesso total à rede inviabiliza a inclusão, mas o tipo e velocidade de conexão à internet também é uma barreira para acompanhamento de aulas remotas durante a pandemia.

A alternativa para pais dos alunos que não conseguiam acesso às aulas online era recolher atividades impressas nas escolas que, posteriormente, eram corrigidas por professores. Na ocasião, o diretor da Escola Municipal Nova Olinda, Marcos Acácio afirmou que a modalidade de ensino a distância é um desafio na educação de crianças em todo o país e que o ensino fica prejudicado pela diminuição da relação aluno e professor.

Pais deixaram de matricular por causa de aulas online, diz prefeitura de Aparecida

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação de Aparecida de Goiânia (SME) alega que de acordo com dados da Central de Matrículas da SME, o ano letivo de 2020 foi encerrado com 10.543 alunos na Educação Infantil, incluindo os CMEIs, Escolas Municipais de tempo parcial e Entidades Conveniadas.

Em 2021, segundo levantamento mais recente, feito no mês de setembro, o número dessa mesma etapa de ensino caiu para 9.399 crianças matriculadas. A pasta alega que essa diferença está relacionada às desistências durante o período de aulas online.

A SME alega ainda que, durante o ano de 2021, essas mesmas vagas ficaram disponíveis no site e que também foi feita a convocação do Cadastro Reserva. Porém, como as vagas eram destinadas para atendimento em tempo parcial, não houve adesão como ocorreu no ano de 2020, antes das aulas presenciais serem interrompidas.

É necessário compreender os motivos da evasão escolar, diz especialista

A professora doutora e pesquisadora do Instituto Federal Goiano (IFG) e membro do Comitê Gestor do Fórum Goiano de Educação Infantil, Telma Aparecida Teles afirma que o número de crianças fora das unidades de ensino aumentou em razão da pandemia e alerta que é fundamental compreender junto às famílias os motivos dessa não permanência nas escolas.

“É necessário realizar uma busca ativa que vise ampliar o acesso, aumentar o número de vagas e de profissionais da educação e promover a formação continuada para professores e professoras”, disse Telma. Além disso, a pesquisadora afirmou que há a necessidade de melhorias na infraestrutura das instituições educacionais.

Telma ainda afirma que a maior parte do número de vagas na pré-escola ainda é de período parcial e não integral como seria os princípios praticados na Educação Infantil desde 1996, quando essa passa ser reconhecida como parte da educação básica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Das 9.399 vagas para crianças de 0 a 5 anos do Ensino Infantil de Aparecida, pelo menos 32% são de período parcial. Estas, são todas as 3.012 vagas de escolas do agrupamento 4 e 5, que correspondem à pré-escola infantil. Ou seja, 100% da educação na pré-escola da rede municipal em Aparecida são de período parcial. As 4.923 vagas do CMEIs são todas de período integral e correspondem à 52% do total de vagas na Educação Infantil do município.

Há também 1.433 vagas em escolas conveniadas com a prefeitura que se dividem em período parcial e integral. A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Educação afirmou que não conseguiu detalhar quantas destas seriam de período parcial, pois o sistema que controla as conveniadas já havia fechado no momento da solicitação dos dados e a pasta alegou que não tinha acesso à informação.

“Acreditamos que, para que o compromisso político, social e educacional seja cumprido e que essas crianças que não retornaram às escolas, retornem, é necessário a realização de buscas coletivas intersetoriais entre educação, saúde, assistência social, criando diferentes mecanismos para compreender os motivos que levaram esse distanciamento entre a criança e família da instituição educacional”, concluiu.

“É fundamental ampliar o número de vagas”, diz especialista

A pesquisadora afirma ainda que é fundamental ampliar o número de vagas em cumprimento ao Plano Nacional de Educação (PNE) e criar possibilidades diferenciadas a partir das necessidades das crianças e das famílias. A falta de número de vagas é um dos principais fatores que elevam o deficit de crianças na Educação Infantil.

“O triste é que as crianças que não vivem esse momento, que é direito constitucional, não poderão vivê-lo posteriormente. Precisa-se garantir a todas as crianças o direito ao acesso e permanência na instituição educacional”, concluiu Telma.

A pequena Alice Gabrielly Sousa vai completar três anos em janeiro do próximo ano. Desde seu nascimento, a mãe, Gabriela Sousa, tenta matricular sua filha em um Cmei de Aparecida de Goiânia, mas nunca conseguiu. Este ano é a terceira vez que Alice fica no cadastro de reservas para uma vaga na creche da sua região.

Gabriela Sousa trabalha como diarista desde o nascimento de Alice e não teve alternativa, a não ser pagar uma pessoa para que cuide de sua filha enquanto trabalha. “Eu recebo apenas um salário-mínimo e 40% da minha renda acaba indo para a cuidadora de minha filha”, afirma Gabriela, que está grávida de outro bebê.

“Estou no cadastro reserva há tanto tempo que minha filha vai completar três anos. Quando ela era recém-nascida, me falavam que ela não conseguiria vaga para berçário porque estava muito difícil, muitas mães também estavam precisando. Se, um dia, eu conseguir alguma vaga, ela já vai ter perdido a oportunidade de ter sido matriculada em uma creche porque já estará na idade de ir para escola”, lamenta.