Apenas 28% dos municípios goianos têm um delegado com atuação exclusiva
Dos 246 municípios pertencentes ao Estado de Goiás, apenas 70 têm um Delegado de Polícia…
Dos 246 municípios pertencentes ao Estado de Goiás, apenas 70 têm um Delegado de Polícia Civil com dedicação exclusiva aos trabalhos de investigação criminal e administração da delegacia local, ou seja, 28% do total. O restante dos 176 municípios estão sem delegados; os que estão em atuação respondem por várias cidades. A falta de pessoal e material de trabalho prejudica o andamento e a investigação de milhares de ocorrências pelo interior do estado, segundo sindicatos.
Em Goianira, por exemplo, são quatro policiais para atender cerca de 80 mil pessoas em, pelo menos, quatro cidades: um delegado, um agente e dois escrivães têm, mais ou menos, 2 mil investigações em curso, informou um funcionário da delegacia que preferiu não ser identificado. A delegacia de Goianira acumula trabalho com Caturaí, Avelinópolis e Brazabrantes.
Um levantamento do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil de Goiás (Sindepol) mostrou situações de trabalho inumanas para 51 delegados com, no mínimo, três cidades acumuladas sob sua responsabilidade, além da qual responde como titular nomeado originalmente pela Direção-Geral da Polícia Civil.
O delegado titular de Estrela do Norte é o campeão de responsabilidades acumuladas, com atuação em sete municípios. Além da cidade na qual é titular, responde por Campinaçu, Formoso, Minaçu, Montividiu do Norte e Trombas. Se o delegado visitar as sete delegacias sob seu comando diariamente, terá rodado 471 quilômetros de distância entre os municípios. A cidade mais distante de seu distrito original é Minaçu, quase no limite com Tocantins, a 152 quilômetros de distância de Estrela do Norte. O município mais próximo, o de Formoso, está a 40 quilômetros. Uma Lei permite que delegados respondam por mais municípios, com acúmulo de 10% no salário, mas limita a responsabilidade em mais dois municípios, no máximo.
Segundo o presidente do Sindepol, Delegado Adriano Sousa Costa, a sobrecarga de trabalho empobrece a eficiência dos resultados das ocorrências investigadas, isso quando conseguem ser concluídas. “O delegado fica mais tempo na estrada do que na cidade. E vemos atualmente o crime organizado migrar para o interior do estado porque os criminosos sabem que a estrutura de investigação nessas localidades são precárias. As últimas apreensões e prisões efetuadas no interior mostram que organizações criminosas de calibre nacional estão se instalando em pequenas cidades”, alerta o presidente do Sindepol. Segundo ele, forma-se no interior um bolsão de impunidade por falta de efetivo policial.
Contraste hollywoodiano
Do outro lado da precariedade no material de trabalho e contingente policial, a capital do Estado, Goiânia, ostenta a realidade quase hollywoodiana de uma polícia que prende avião, desmantela quadrilhas internacionais e apreende toneladas de drogas. “O interior do estado precisa de atenção do Executivo estadual”, pede Adriano Costa.
O governo utiliza “o discurso de não ter orçamento para não nomear novos policiais, sejam delegados, agentes e escrivães. Entretanto, anunciou concurso para agentes prisionais e promoções para quem está trabalhando. Até o presente momento, não se mostraram sensíveis a essa necessidade premente, onde mais da metade dos municípios não tem delegados”, lamenta o delegado.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás enviou uma nota ao Mais Goiás afirmando “que foi herdado um déficit importante de efetivo, entre eles os de Delegados. Com esforço e planejamento, entretanto, as forças de segurança estão atendendo com eficiência as demandas da população. Exemplo deste trabalho são as reduções históricas nos índices de violência”.
Agentes e escrivães
Os agentes de polícia e escrivães, outra categoria da Polícia Civil também integram esse rodízio de trabalho entre cidades e, assim como os delegados, sofrem a mesma falta de contingente operacional.
A constatação do presidente do Sindicato de Policiais Civis de Goiás (Sinpol), Paulo Sérgio Alves de Araújo, é de que o estado precisa atualmente de 10 mil policiais civis para dar conta da demanda de autuações e investigações diárias. Enquanto o quadro permanece inalterado, agentes e escrivães lotados no interior viajam de cidade em cidade para autuar flagrantes, colher depoimentos e fazer diligências.
Os dados mais recentes revelam o contingente de 3,5 mil funcionários na Polícia Civil de Goiás para operar em todo o Estado – que tem quase 6 milhões de habitantes -, entre agentes, escrivães e delegados, de acordo com o Sinpol.
“Precisamos de, no mínimo, 3 mil novos policiais civis. A violência só cresce e a escalada no interior do estado é assustadora, justamente pela falta de efetivo policial”, relata Paulo Sérgio Araújo.
Quanto à negociação de melhores condições de trabalho e de reforço na corporação, Paulo Sérgio diz não enxergar “esforço” do governo para preparar um plano de resolução. “A nova gestão sempre culpa a gestão anterior, em qualquer estado, não é só Goiás. Sempre foi assim. Mas não vejo nenhum trabalho efetivo de mudança nesse governo goiano. Uma hora, a Polícia Civil não aguentará mais trabalhar”, observa o presidente do Sinpol.
O presidente do sindicato enumera as regiões mais afetadas pelo baixo efetivo policial: Aparecida de Goiânia, Anápolis, o Entorno do Distrito Federal e Jataí. Esta última cidade com um dos efetivos policiais mais baixos, segundo Paulo Sérgio. A delegacia municipal dispõe de um agente, um escrivão em cada equipe de plantão, além do delegado.
O alerta soa para a cidade, segundo Paulo Sérgio, porque a BR-060, naquela região, é conhecida por escoar drogas para outros estados. Na 1ª Delegacia de Polícia de Aparecida de Goiânia, inclusive, existe uma carceragem, o que é irregular pelo Código Penal, segundo o presidente do Sinpol.
Escalada da violência
Estudos realizados pelo Atlas da Violência e o Mapa da Violência, desde 2014, quando foi realizada a última nomeação de delegados pelo Governo, mostram que apenas uma cidade sem delegado exclusivo está no ranking das mais violentas do Brasil: Catalão. O município também figura entre os treze mais violentos do Estado, segundo o Atlas da violência de 2017.
Esse mesmo Atlas apontou que quatro cidades de Goiás estão entre as trinta mais violentas do país, nenhuma delas está sem delegado. Contudo, em duas delas os delegados acumulam outras cidades, “o que impede de se dedicarem cem por cento nessas cidades violentas”, explica Adriano Costa. São elas: Trindade, onde dois delegados acumulam com outras duas cidades (Nazário e Santa Barbara de Goiás) e outro com uma cidade (Campestre de Goias); já Senador Canedo acumula com Bela vista de Goiás.
De acordo com o Mapa da Violência, entre as 150 cidades mais violentas do país, dez são goianas. E dessas dez cidades, seis delegados acumulam com outras cidades.
MP
O Sindepol informou que três ações civis públicas foram impetradas pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) contra o Estado até o momento. O processo de nº 200604644455 – sentença antiga (junho/2017) – determinou a nomeação ou remanejamento de delegados para as cidades de Santa Terezinha de Goiás e Campos Verdes e mais um escrivão de polícia e quatro agentes carcerários. O pedido do MP-GO englobava a nomeação ou remanejamento de Delegados de Polícia, “o que aparentemente não foi deferido pelo juízo”, disse o presidente do Sindepol.
Outro processo de nº 201201445340 – sentença datada de 06/05/2019 – determina a nomeação de um Delegado de Polícia na cidade de Alto Paraíso de Goiás; ainda sem informação se foi cumprida, e o processo nº 5426300.92.2019.8.09.0182 – refere-se à nomeação de delegados para os municípios de Flores de Goiás e Vila Boa.
O sindicato afirma que o Estado se manifestou contra a liminar da Justiça expedida no dia 4 de setembro deste ano. “Uma das alegações é que, segundo a Regional de Formosa, o número de servidores não é suficiente para alocação em todas as comarcas pertencentes a Regional”.
Afastamento
O Sinpol não tem uma pesquisa técnica detalhada sobre o afastamento de policiais civis em decorrência de doenças psicológicas, como depressão e transtorno de ansiedade. No entanto, o presidente do sindicato diz que os indicadores de afastamento têm aumentado.
“Temos alto índice de afastamento policial por problemas psicológicos e psicossomáticos e o índice aumenta porque não se pensa no bem-estar do trabalhador. Não tem nenhum tipo de pesquisa nesse sentido para identificar a raiz do problema e combatê-la. Não temos psiquiatras na Polícia Civil, por exemplo. Os psicólogos que temos são poucos e comissionados do governo”, explica Paulo Sérgio.