Artista pode pintar e estilizar santas, decide Justiça de Goiás
Depois de um ano de castigo, artista que mistura pop moderno com sacra é autorizada pela Justiça de Goiás a estilizar santas de gesso; ela estava sujeita a pagar multa de R$ 50 mil se voltasse a pintar
A artista plástica Ana Paula Dornelas Guimarães de Lima, criadora da empresa Santa Blasfêmia, pode voltar a pintar, divulgar e vender imagens de santos estilizados. A decisão unânime dos desembargadores de Goiás foi proferida na tarde dessa terça-feira (6). A artista, que assina as obras como Ana Smile foi processada pela Arquidiocese de Goiânia e desde maio de 2016 estava proibida de produzir ou divulgar arte em imagens sacras, de gesso, com estilo ligado à cultura pop moderna.
A base da imagem é de Nossa Senhora, e adquirida em gesso pela artista plástica. Ana Smile teve de fechar o ateliê, e trabalhou como caixa de uma boate de Goiânia, para se sustentar, até que o processo transcorresse. A aparência de Batman, Mulher-Gato, Galinha Pintadinha, Frida Kahlo e O Vingador atraíram comentários negativos nas redes sociais e internautas chegaram ao ponto de fazer ameaças. Ana disse, após a decisão, que nunca teve como objetivo desrespeitar a crença ou religião de ninguém.
“Jamais eu produzi pensando em desrespeitar qualquer tipo de credo. Quando fiz minhas peças, sempre fui movida pela beleza da criação, da mistura das artes sacra com Pop. Não foi, para, na verdade, trazer esse transtorno todo”, disse Ana Smile, ao telefone, após a decisão da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do estado de Goiás (TJ-GO).
O relator do voto foi o desembargador Norival Santomé. Ele avaliou que as “imagens fabricadas, confeccionadas, divulgadas e comercializadas pela agravante (Ana Smile) não possuem o condão de, por si só, ferir a imagem ou honra da Igreja Católica, até mesmo em razão da comparação do porte desta frente a capacidade produtiva (da artista)”. Todos os outros promotores votaram favoráveis.
“A decisão, da forma como proferida, acaba por impedir que a agravante desenvolva seu labor, sua arte, seu intelecto, sua livre manifestação de pensamento e, principalmente, aufira renda capaz de garantir seu próprio sustento, sem o qual não há dignidade”, votou o magistrado.
O desembargador defendeu a livre expressão de pensamento e a liberdade de culto religioso, previstas na Constituição Federal como direitos individuais e fundamentais do cidadão. “Não há que se falar em sacrifício de um direito fundamental em prol da prevalência de outro (…) a solução indicada é a conciliação entre eles, ou seja, a aplicação concomitante e de acordo com a extensão que o caso concreto requer”, pondera.
Ana prefere tratar a situação com cautela, mesmo sabendo que a decisão não tem volta. “Ainda estou atônita, muito emocionada com tudo. Na verdade, tenho muito a pintar, estou com vontade, depois desse castigo. Mas vou esperar a publicação oficial (no Diário da Justiça do Estado de Goiás – DJ-GO) para reabrir o atelier e fazer arte”, conta.
ARTE SANTA x ARTE PROFANA
Na primeira decisão judicial, em ação ajuizada pela Arquidiocese de Goiânia, Ana Smile ficou proibida de fabricar, comercializar e divulgar suas estátuas. A liminar foi proferida na 9ª Vara Cível da capital. Suas peças eram vendidas em uma loja de Brasília e foram recolhidas, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A artista recorreu e o texto foi parcialmente reformado: foi retirada a proibição quanto à venda, comercialização e produção, mas manteve o veto das imagens e divulgação delas na internet. A decisão desta terça-feira (6) foi a terceira do caso.
Organizadores de festival pediram desculpas à igreja
A 15ª edição do Festival Vaca Amarela (2016), que tinha na identidade visual uma fotografia de uma das obras de Ana Smile pintada de amarelo com pintas de vaca, também deu o que falar nas redes. Internautas católicos se mobilizaram contra a imagem principal do evento e o Facebook excluiu a fotografia.
A organização do evento, à época, pediu desculpas públicas ao arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz. Na carta aberta do pedido de desculpas, os organizadores justificaram que a identidade visual escolhida não tinha a intenção de ferir fé de ninguém, mas sim de entrar na temática da liberdade de expressão.