Sem dinheiro

Atraso: artistas e produtores reivindicam pagamento de recursos de Fundo Cultural estadual

Após diversas oportunidades de diálogo e negociação atrasadas e frustradas, classe teme que a questão seja protelada para o próximo governo estadual com a chegada das eleições. Sem dinheiro, agendas têm sido canceladas

Artistas e produtores culturais se uniram para reivindicar do Estado de Goiás o pagamento de 400 projetos aprovados em 2015, 2016 e 2017. O dinheiro deveria sair do Fundo Artístico Cultural (FAC), no entanto, após diversas oportunidades de diálogo e negociações, os recursos continuam represados de forma a comprometer e provocar o cancelamento de shows, espetáculos teatrais entre outras formas de manifestação cultural voltadas à população. O débito é de R$ 31,2 milhões.

Liderança do movimento, o ator, diretor e produtor de teatro Norval Berbari, afirma que ainda há resíduos dos anos de 2015 e de 2016 a serem quitados, mas a situação mais grave é a do ano passado. “Em 2017, foi pago apenas R$ 2,5 milhões. No edital, exigem de nós um cronograma de execução dos projetos e com base nele, fazem o de pagamento. No entanto, todos os prazos foram estourados”.

Porém, segundo Berbari, a situação não foi ocasionada por falta de diálogo com o governo. “Prometem, negociam, pedem prazo, fazem parcelamento e a gente concorda, mesmo duvidando das coisas. No fim, nada do que foi combinado tem sido cumprido”. A última reunião se deu com o titular da Secretaria da Fazenda (Sefaz), Manoel Xavier, o qual, conforme expõe Norval, se comprometeu a realizar pagamentos semanais de R$ 6 milhões até dezembro.

“Isso foi no último dia 20/8. Já tem mais de três semanas e nada foi depositado. Na ocasião, ele [Xavier] chegou a alegar que não tinha chegado nenhum processo de pagamento vindo da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte (Seduce). Enviamos toda a documentação novamente mas não recebemos até o momento. Como é verba carimbada, não tem como o governo fugir disso. É lei, questão garantida pela Constituição Federal e regulamentada pelas leis Goyazes e do Fundo de Arte e Cultura”.

“Calote”

Segundo ele, a sociedade é quem perde com o “descaso”. “Não são só os artistas e produtores que saem perdendo. Quando essas pessoas não recebem uma verba garantida por lei para projetos aprovados milhões de pessoas, municípios, espaços e agendas são lesadas. Muitos eventos já foram cancelados, inclusive os que seriam gratuitos, porque nada podemos fazer sem dinheiro”.

Apesar do problema com a gestão estadual, o grupo encontra apoio do lado de dentro do governo. Um dos que se manifesta em favor dos artistas e produtores é o conselheiro de cultura do Estado, Wellington Dias. Ele que não se considera parte diretamente interessada na liberação dos recursos, mas afirma que o não-pagamento é um “absurdo”.

“Sou conselheiro de cultura do estado, não tenho e não faço projetos, só ajudo na liberação de deles, mas reconheço a importância da reivindicação. Projetos parados prejudicam a sociedade como um todo. Grande parte da comunidade só tem acesso à cultura por meio dessas iniciativas. Isso não pode ser visto como gasto, mas como investimento. É uma parte da Educação. Não se educa ninguém sem Cultura. Quando se trava esses projetos, se impede que a cultura alcance escolas, periferias e cidades do interior”, expõe Dias, indignado.

O bloqueio da verba, para ele, trata-se de um calote. “Quando não se paga o que está previsto em lei, que está aprovado e publicado no Diário Oficial do Estado (DOE), não há outro nome para isso senão o de calote. É uma coisa surreal, inadmissível. Me revolto como parte da sociedade que está sendo prejudicada, por isso apoio o movimento”.

Promessas

Promessas de pagamento, em julho e agosto, também foram atrasadas, de acordo com Berbari. “Em junho, garantiram que fariam dois pagamentos, de R$ 2,5 milhões cada, nos meses de julho e agosto. O de julho saiu em setembro e o de agosto ainda não saiu. Desse valor, o governo alega ter repassado R$ 1,2 mi para a Seduce, apontando que o restante seria quitado com apresentação de documentações dos proponentes, já que as apresentadas dentro dos nossos cronogramas hoje estão desatualizadas. Claro, o governo não cumpriu e deixou as certidões, algumas com prazo de 90 dias, perderem a validade. A culpa disso não é nossa”.

Grupo reclama de calote (Foto: divulgação/Leitor Mais Goiás)

Em nota, a Seduce alega que, dos R$ 2,5 milhões previstos no cronograma de pagamentos do Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC) acordados com a Secretaria da Fazenda, R$ 1,2 milhão correspondente aos projetos dos proponentes aptos a receberem foi liberado na segunda-feira (17). “O restante do desembolso será feito a partir da regularização da documentação por parte dos demais selecionados. A Seduce informa, também, que nos últimos quatro anos o Governo de Goiás investiu R$ 145 milhões em fomento à cultura por meio da Lei Goyazes e do FAC”, sustenta o documento.

Para Norval, a afirmação da pasta é caluniosa. “Isso é mentira. Estão querendo jogar a culpa pra cima da gente (sic). Apresentamos tudo em dias, tanto é que os projetos foram aprovados e tiveram publicação no DOE. A fase agora é de creditar os valores. Restam mais de R$ 31 milhões. Na última reunião, chegamos a elaborar uma lista de proponentes prioritários, com base nos calendários culturais, mas a lista também não foi respeitada”.

“Medo”

Norval, diretor da Sem Nome Cia de Teatro, é um dos que tem uma quantia de R$ 100 mil, aprovada em 2017, para receber. Segundo ele, trata-se de um projeto para manutenção de um grupo de teatro, compra de equipamentos e instalação deles em um espaço com objetivo de realizar espetáculos gratuitos para a população. “Estamos com medo de conseguirem protelar a questão para o próximo governo. Estamos em período eleitoral e tudo pode ficar para trás”.

Artista e diretora da Giro 8 Companhia de Dança, Joisy Amorim é outra pessoa que aguarda pagamento do FAC. Segundo ela, é um projeto de R$ 200 mil, aprovado em 2017, e que teria que ser pago até outubro de 2018, para quando está previsto o início do cronograma de pré-produção.

Joisy Amorim, artista, teme retrocesso na área cultural em Goiás (Foto: Layza Vasconcelos)

“Além de realizar apresentações artísticas gratuitas para a população, o dinheiro serviria para manutenção do grupo, com pagamento de bailarinos, professores, diretores e produtores que somam 16 pessoas, ao longo de um ano. São profissionais que dependem disso também para sobreviver. Conseguimos abater um pouco com o dinheiro de apresentações, mas este é insuficiente”, sublinha.

Segundo ela, o recurso também seria utilizado para a formação de profissionais. “Estamos carentes de bailarinos e produtores no estado, então esse dinheiro seria também para formarmos estes trabalhadores, com estágio remunerado”.

O medo de não receber é uma realidade para a classe artística, revela Joisy. ”O fundo é um recurso que movimenta toda a cadeia artística do estado. Com esse dinheiro fomos capazes de implantar programações artísticas de música, dança, teatro entre outras que não existiam há cinco anos. Sem esse dinheiro, embarcaríamos em um retrocesso porque profissionais precisam de dinheiro para se dedicar a essa atividade”, conclui.