Candidato aponta racismo em prova de concurso público de Morrinhos
Questão pedia para relacionar racismo com um trecho bíblico, as opções de resposta incomodaram o participante por seu teor preconceituoso
Um dos candidatos do concurso público para preenchimento de vagas na Prefeitura de Morrinhos, a 128 km de Goiânia, apontou racismo em uma das questões da prova realizada neste domingo (14). Hélio de Araújo Júnior, de 42 anos, participou o processo seletivo para o cargo de inspetor de postura do município e classificou como vexatória a situação proposta pelas alternativas da questão.
Na prova de conhecimentos gerais, há um texto intitulado “Qual a origem do racismo?”, que contém uma passagem bíblica (Gênesis 9:25) que, segundo o autor, seria uma das origens do preconceito, pois justifica a escravidão de negros. No trecho, Canaã, filho de Noé, se embriaga e é condenado a servir como escravo.
Mediante a leitura, o candidato é orientado, na questão de número 10, a assinalar a alternativa que contém o provérbio racista presente na publicação. Contudo, segundo Hélio, o que incomoda são as opções de respostas erradas.
A alternativa correta é o provérbio “negro só tem de gente os dentes”. Contudo, outras frases racistas aparecem como opções: “negro parado é suspeito, correndo é ladrão, voando é urubu”; “negro quando não suja na entrada, suja na saída”; “negro deitado é um porco, e de pé um toco”. Ao ler as premissas, Hélio, o único negro na sala em que realizou a prova, disse ter se sentido constrangido e humilhado.
Hélio explica que essas frases não estavam presentes no texto, e que a leitura das alternativas gerou chacota entre outras pessoas que faziam a prova. “As pessoas acham essa questão normal, mas não é. O que acontece é que o racismo está enraizado na sociedade e por isso, muitas vezes não percebemos essa prática. Mas para mim, foi uma situação vexatória”, explica.
Ao deixar a sala de provas, Hélio se dirigiu à Delegacia Regional de Polícia de Morrinhos, onde foi orientado a voltar para seu município de residência, Caldas Novas, fazer um boletim de ocorrência e encaminhá-lo para o delegado da cidade onde a prova foi realizada. O candidato conta que realizou o procedimento na segunda-feira (15) e que o documento já está em posse dos responsáveis legais.
O delegado Fabiano Jacomelis explicou que a Polícia Civil de Morrinhos vai instaurar um inquérito para analisar o contexto no qual a prova foi realizada. “A prefeitura não é a responsável pela elaboração das questões, por isso nós vamos entrar em contato com a empresa que organizou o concurso. Se for constatado que houve caso de preconceito, o responsável pode ser enquadrado na lei de racismo que prevê reclusão de até cinco anos”, esclarece.
Hélio optou também por acionar a Justiça contra a empresa organizadora da prova e a Prefeitura de Morrinhos, que, segundo o advogado do candidato, terá que disponibilizar a prova na íntegra em seu site. Por meio de nota, o município informou que não tinha conhecimento prévio das questões, pois tal prática não é permitida.
A prefeitura reiterou ainda que não compactua com práticas de racismo e promove ações para combater o preconceito. O município se comprometeu a abrir uma diligência junto à banca organizadora do concurso, para que as providências necessárias sejam tomadas. A empresa organizadora do processo seletivo informou que, por hora, não vai se posicionar sobre o tema.
*Amanda Sales é integrante do programa de estágio do convênio entre Ciee e Mais Goiás, sob orientação de Thaís Lobo