Violência contra Mulher

Caso Waldemar: Para entidades de defesa da mulher, discussão sobre assédio sexual ainda é insuficiente

Mais Goiás ouviu três líderes e opiniões se convergem em dois pontos: repulsa da sociedade ao crime praticado e ação rápida são cruciais para fazer crime ser visto com outros olhos

Seu Waldemar

O caso envolvendo Seu Waldemar, que ganhou repercussão nacional na última segunda-feira (8), mostrou que, por mais que o assédio e a violência contra a mulher sejam temas amplamente discutidos, a discussão ainda não é educativa o suficiente para os homens. É o que expôs Ana Clara Castro, presidente do Conselho Estadual da Mulher (Conem) em entrevista ao Mais Goiás.

O humorista, até então apresentador o programa No Balaio, da TV Anhanguera, publicou um vídeo íntimo de uma jovem com quem tinha relação amorosa nas redes sociais sem o consentimento da mesma. “Repudiamos este tipo de prática que, infelizmente, é mais corriqueira do que se imagina”, disse Ana Rita.

Paralelo com o caso Fran

Algo similar aconteceu em 2014, com a jovem goiana Francyelle dos Santos Pires, conhecida como Fran. A jovem teve um vídeo íntimo disseminado pelo próprio namorado. As imagens viralizaram e gestos da garota foram reproduzidos até mesmo por celebridades nas redes sociais.

A pena para o namorado, Sérgio Henrique de Almeida, foi cinco meses de serviço comunitário. À época, Fran disse que o rapaz riu quando a sentença foi lida. “Tive minha imagem denegrida. Minha vida se tornou um bagunça e ele saiu rindo de mim. Não houve punição”, disse.

Ana Rita acredita que são necessárias “punições mais severas e um processo educativo” em casos de violência contra a mulher. Lúcia Rincon, diretora do Centro Popular da Mulher/UBM Goiás, defende que “as atitudes sejam penalizadas na mesma medida de sua gravidade”.

Para Rincon, pessoas com projeção social, como o humorista, precisam ser ainda mais cuidadosas com o trato da pessoa humana. “Quem tem poder sobre a divulgação de concepções, valores, ética e moral tem que pensar sobre a repercussão de algo que diz ou faz”, completa.

Justamente por Waldemar ser um formador de opinião, de acordo com Ana Rita, o caso dele se agrava. Afinal, a jovem foi exposta para quase 1 milhão de seguidores no Instagram. “Esperamos uma punição severa. Impunidade leva os homens a continuarem acreditando que podem utilizar as mulheres como objeto”, salientou.

A vice-presidente do Conselho Municipal da Mulher, Valéria Pelá, acredita que a punição pela Justiça é importante, mas também é a punição social, como aconteceu com o humorista: ele teve grande queda de seguidores e contratos interrompidos com a TV Anhanguera e marcas com quem ele tinha acordos publicitários.

Fran perdeu o trabalho, precisou abandonar a faculdade e mudar de casa depois que o vídeo virou um meme. E o namorado fez serviços comunitários. Waldemar ainda não foi julgado, mas a sociedade deu uma resposta rápido. “A repulsa, da forma como veio, é uma penalidade exemplar”, disse Valéria.

Segundo ela, houve compreensão social sobre a gravidade do ato. Algo que antes era considerado banal ou uma “brincadeira” passou a ser levado a sério. “A resposta da TV e das marcas contribui para o processo e mostra que isso não é natural e não deve continuar”, completou.

humorista Seu Waldemar publica vídeo com nudez feminina na própria rede social
(Foto: Reprodução)

Famosas e anônimas

Segundo Ana Rita, mulheres comuns – as chamadas anônimas – sofrem muito mais com o processo de assédio e violência que as famosas, ou aquelas que foram assediadas e violentadas por alguém com fama e influência.

“Elas reclamam muito da demora. Muitas vezes, os processos levam anos. Ela é exposta hoje, perde o emprego, muda de casa, fica com a reputação em cheque… E, enquanto isso, o processo corre por muito tempo. Depois, chega uma pena que não está à altura do crime”, disse e relembrou que este tipo de violência desencadeia problemas psicológicos nas vítimas, como depressão ou síndrome do pânico.

Fran foi uma destas mulheres. A jovem do Caso Waldemar também. Mas, antes delas, muitas outras também sofreram com este tipo de exposição. A luta agora é para que nenhuma outra sofra.

Além disso, completou Valéria, é importante salientar que o assédio e a violência contra a mulher não param nela. Os crimes mexem com toda a geração da vítima, ascendentes e descendentes.

O Conem sublinhou que se solidariza com a vítima e seus familiares. E que está à disposição.

Assim caminha a humanidade

Valéria Pelá reitera que, independente de fama e notoriedade, a resposta que a sociedade deu ao caso pode ser vista com certo otimismo. “Mostrou que as pessoas estão acordando”, disse. Entretanto, mais do que isso, ela acredita que para que casos como este sejam cada vez mais raros é preciso que a mulher seja vista como ser humano. Assim, deixará de ser atacada, menosprezada ou usada simplesmente por ser mulher.

Ana Rita vai em um outro caminho e acredita que a mudança vem a partir de punições mais severas e educação.

Lúcia Rincon, por outro lado, acredita a luta precisa ser permanente, com enfrentamento constante. “Precisa-se mudar o pensamento que existe na sociedade sobre as relações enter as pessoas e sobre o que significa as relações de gênero”, afirmou. A chave, para ela, está na educação e na discussão.

Investigação

A Polícia Civil de Goiás informou, no fim da tarde desta terça, que a Delegacia de Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC) lavrou boletim de ocorrência e instaurou um inquérito policial para investigar o caso envolvendo Seu Waldemar. A nota, enviada à imprensa, cita que divulgação não autorizada de cena pornográfica é crime, previsto no artigo 218-C do Código Penal Brasileiro.

Sabrina Leles, delegada titular da DERCC, entrou em contato com a vítima. A corporação afirmou, ainda, que ela e o humorista serão ouvidos “em breve, durante o curso do inquérito policial”.