Casos de feminicídio em Goiás aumentam 50% de 2018 a 2021, diz Segurança Pública
Estatística indica ainda que as denúncias de ameaça subiram de 6.454 para 15.734 e registros de lesão corporal saltaram de 2.976 em 2018 para 10.782, em 2021
Dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) apontam que o estado registrou um aumento de 50% nos casos de femicídio entre 2018 e 2021. O número de mulheres mortas em razão da violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação pelo gênero feminino saltou de 36, em 2018, para 54 em 2021.
No ano passado, o maior número de casos de femicídio foi registrado em março, mês em que se celebra o Dia Internacional das Mulheres, com 10 vítimas.
Uma dessas vítimas foi Raiane Ferreira dos Santos, de 23 anos, morta pelo namorado dentro de casa e na presença do filho de sete meses, em Indiara. A jovem foi atingida por golpes de faca após o namorado sentir ciúmes de uma pessoa que curtiu uma foto dela em uma rede social. O homem segue preso desde a data do crime, em 20 de dezembro.
Crime de feminicídio
Em entrevista ao Mais Goiás, a delegada titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Aparecida de Goiânia, Cybelle Tristão, explica que o crime de feminicídio se difere do homicídio por ser uma violência contra o gênero feminino.
“O feminicídio é uma tipificação do homicídio. Por exemplo, se há uma briga de trânsito onde, durante uma discussão, uma pessoa atira contra uma mulher, mas poderia ser um homem na mesma situação, não é feminicídio e sim homicídio. Para configurar feminicídio deve haver a violência de gênero, aquele olhar de menosprezo ou objeto”, explica a delegada.
A Comandante do Batalhão Maria da Penha, Neila de Castro, acrescenta que o femicídio é difícil de combater por acontecerem, em grande parte, dentro do ambiente familiar. “A dificuldade de se evitar o feminicídio está, principalmente, no fato de ocorrer dentro do espaço “familiar” e em momentos de desentendimento fora do alcance das forças policiais, no lar, na intimidade do casal”.
Violência contra mulher começa com sinais sutis e imperceptíveis
A estatística indica ainda que as denúncias de ameaça subiram de 6.454 para 15.734 e registros de lesão corporal saltaram de 2.976 em 2018 para 10.782, em 2021. Já os crimes contra honra tiveram um aumento de 42%, ou seja, foram 6.166 ocorrências de calunia, difamação e injuria a mais que em 2018. Em contra partida, os registros de abuso sexual tiveram queda. Em 2018, foram 713 casos registrados nos órgãos de segurança, já em 2021, foram 278.
Segunda a delegada, a violência contra a mulher começa com sinais sutis ou até imperceptíveis pelas vítimas. Ciúmes, proibição de usar certos tipos de roupas ou determinadas cores de esmalte, impedir que corte o cabelo, não permitir que tenha amigos ou vida social são sinais do inicio de um ciclo violento. Ciclo esse que evolui para agressões verbais e físicas e podem chegar ao extremo, que é o feminicídio.
“Existem 5 tipos de violência: a psicológica, a moral, a patrimonial, a física e sexual. Sendo que, normalmente, a vítima sofre todos esses tipos de agressões até chegar à pior consequência que é o feminicídio. As mais comuns são a violência psicológica e a física, porém é complexo afirmar categoricamente porque uma está entrelaçada à outra”, complementa a comandante Neila.
Sociedade machista contribui para a banalização dos crimes contra mulheres
Cybelle reforça que os casos de violência só apresentaram queda quando a sociedade aprender a respeitar as diferenças e deixar de lado a visão da mulher como um ser inferior, sem voz ativa.
“Os crimes de violência contra a mulher são crimes que tem raízes em uma sociedade cultural machista e patriarcal, onde o homem não aceita o empoderamento feminino e as mulheres vem ganhando espaço cada vez mais. Então quando a gente vê uma mulher dizendo ‘não’ para as limitações impostas pelos homens, vemos os homens as matando por motiveis fúteis. A Lei Maria da Penha trouxe um aparato para essas mulheres, mas enquanto não mudarmos a forma de se conviver e aceitar as diferenças esses números não diminuirão”
Mas afinal, os casos que aumentaram ou as mulheres que se sentem mais confiantes em denunciar?
“Fizemos essa pergunta na própria delegacia, entre nós, servidores que atuam na área. Dois dias atrás, encaminhamos 12 medidas protetivas ao Poder Judiciário, que é um número muito alto para apenas um dia. Então, as mulheres estão procurando mais a delegacia, estão procurando seus direitos. O silêncio contribui negativamente. Se calar diante de um ato de violência é colaborar para que a violência aconteça. A partir do momento em que a mulher não denuncia, o agressor fica impune e ele acaba achando que nada vai acontecer e a violência só tende a aumentar”, explica a delegada.
Campanhas de conscientização e canais de denúncia ajudam a combater a violência doméstica
Segundo Neila, o Batalhão Maria da Penha faz blitz de conscientização, palestras em escolas, empresas e em eventos direcionados a mulheres. Uma fiscalização e acompanhamento de Medidas de Protetivas também é feita. Além disso, há parcerias de instituições para prestar uma assistência social com entrega de cestas básicas, roupas, kits de higiene, entre outros. Eventos envolvendo temáticas próprias relativas à causa da defesa da mulher vítima de violência doméstica, como “Vitrine Viva e 1° Evento de Tiro – Mulheres que ajudam Mulheres” também são foco do Batalhão Maria da Penha.
A Polícia Civil prossegue com a campanha do sinal vermelho na palma da mão e reforça que a denúncia pode ser realizada por qualquer pessoa que presenciei uma situação de violência pelos canais 197 que é o disque-denuncia da PC ou pelo 180, que é canal direto de denúncias de violência contra a mulher. O denunciante não precisa se identificar.
“É através da denúncia que vamos conseguir diminuir essa sensação de impunidade”, ressalta a delegada.
*Jeice Oliveira compõe programa de estágio do Mais Goiás sob supervisão de Alexandre Bittencourt