Césio-137 em Goiânia: maior acidente radiológico do mundo completa 34 anos
Há exatos 34 anos, o manuseio indevido de um aparelho de radioterapia abandonado gerou o acidente que envolveu centenas de pessoas direta e indiretamente
Em setembro de 1987, Goiânia foi palco do maior acidente radiológico do mundo fora de uma usina nuclear, com o Césio-137. Há exatos 34 anos, o manuseio indevido de um aparelho de radioterapia abandonado gerou o acidente que envolveu centenas de pessoas direta e indiretamente. A abertura irremediada de uma cápsula de chumbo que guardava o mencionado elemento ocasionou mortes e sequelas irreparáveis.
A tragédia teve início quando dois catadores de recicláveis, Roberto dos Santos e Wagner Mota Pereira, se deslocaram até um prédio desocupado onde funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia. No local, a dupla desmontou um aparelho de cesioterapia e levaram para a casa, com o intuito de comercializar as peças.
Dentro do aparelho, no entanto, existia uma cápsula de aproximadamente três centímetros, em que havia 19,26 gramas de césio. O primeiro contato com o material radioativo se deu no momento em que os homens tentaram separar as peças encontradas. Eles conseguiram romper a barreira que protegia a fonte de césio e tiveram contato direto com o elemento.
Seis dias depois, Roberto e Wagner foram até o ferro-velho de Devair Alves Ferreira para vender as peças. O mecânico adquiriu os itens e decidiu abrir a cápsula no interior do aparelho e acabou se expondo a um isótopo radioativo usado em tratamentos contra tipos de câncer.
Dias após o primeiro contato, Wagner apresentou sintomas como diarreia, tontura, inchaços pelo corpo e queimaduras nas mãos. No ferro-velho, o césio se espalhou e funcionários do local acabaram contaminados.
Luz azul no escuro
O césio emitia uma luz azul no escuro, o que ocasionou curiosidade e fascínio do mecânico Devair. O homem chegou a levar o aparelho para casa para iluminar o ambiente e distribuiu o pó para amigos e familiares.
O irmão de Devair também se interessou pelo pó e levou para a residência em que morava. O homem mostrou o elemento para a filha Leide das Neves, de apenas seis anos. Com as mãos ainda sujas, a menina comeu um ovo cozido, acabou ingerindo o césio e morreu. A criança tornou-se um símbolo da tragédia do Césio, dando nome ao Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados.
O poder público só confirmou que o caso se tratava de um acidente radiológico no dia 29 de setembro de 1987. Neste tempo, o césio foi compartilhado, transportado, manuseado, ingerido, passado no corpo e até mesmo jogado na privada.
Vítimas fatais do Césio-137 em Goiânia
Além da pequena Leide das Neves, a tia dela, Maria Gabriela e dois funcionários do ferro-velho de Devair morreram após o contato com o Césio. Eles são considerados as vítimas diretas da tragédia. Outras centenas de pessoas precisaram ser hospitalizadas, com diversos sintomas.
As marcas do acidente radiológico são vistas até hoje e não só nas lembranças, mas nas residências onde houve o contato com o pó, além dos cemitérios onde as vítimas foram enterradas.
Ao todo, foram monitoradas 112.800 pessoas, das quais 249 apresentaram significativa contaminação interna e/ou externa. Em 120 delas, a contaminação era apenas em roupas e calçados. As mesmas foram liberadas após a descontaminação.
Outras 129 pessoas passaram a receber acompanhamento médico regular. Destas, 79 com contaminação externa receberam tratamento ambulatorial; 50 radioacidentados com contaminação interna; 30 foram assistidos em albergues em semi-isolamento e 20 foram encaminhados ao Hospital Geral de Goiânia.
Destes últimos, 14 em estado grave foram transferidos para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, onde quatro deles foram a óbito, oito desenvolveram a Síndrome Aguda da Radiação – SAR -, 14 apresentaram falência de medula óssea e 01 sofreu amputação do antebraço.
No total, 28 pessoas desenvolveram em maior ou menor intensidade, a Síndrome Cutânea da Radiação (as lesões cutâneas também eram ditas “radiodermites”). Os casos de óbito ocorreram cerca de 04 a 05 semanas após a exposição ao material radioativo, devido a complicações esperadas da SAR – hemorragia (02 pacientes) e infecção generalizada (02 pacientes).
Resíduos e monitoramento
No total, resíduos parciais ou integrais de 46 casas, 50 automóveis, 45 ruas, árvores, calçadas, roupas, utensílios domésticos e animais sacrificados foram recolhidos. Todos eles viraram lixo nuclear. Além de Goiânia, o césio circulou por Aparecida de Goiânia, Anápolis e Inhumas.
Até hoje os lotes na região Central da capital seguem isolados. Quaisquer tipos de intervenção nos locais são proibidos. As vítimas ainda lutam por direitos à indenização e aumento de pensão.
Relembre histórias de PMs que atuaram na chamada Operação Césio