Com 40 denúncias formais, médico ginecologista é indiciado por abuso de pacientes em Goiânia
O médico ginecologista Joaquim de Souza Lima Neto, de 58 anos, foi indiciado pela Polícia…
O médico ginecologista Joaquim de Souza Lima Neto, de 58 anos, foi indiciado pela Polícia Civil por violação sexual mediante fraude contra uma vítima. Caso for condenado, o médico poderá pegar seis anos de prisão. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) já recebeu 40 denúncias formais contra o médico, que continua preso.
Segundo a delegada à frente ao caso, Bruna Damasceno, apesar do grande número de denúncias, apenas oito casos virarão processos judiciais, mas que todo o arquivo ajudará no processo. O primeiro já foi encaminhado para o Judiciário. “Nem todas denúncias estão dentro do prazo decadencial, que é de seis meses, mas todas serão utilizadas como prova comprobatória diante os fatos”, destaca.
A delegada conta ainda que uma das vítimas voltou atrás após denunciar o médico. O inquérito será encaminhado da mesma forma para o Judiciário, que vai decidir sobre o arquivamento ou não do processo.
A delegada ressalta que o médico usava a sua profissão para se aproveitar das vítimas. “Ele usava a figura do médico para abusar das pacientes. No momento do atendimento, ele realizava toques que não condiziam com o atendimento e faziaperguntas invasivas, ou seja, ia além da ética profissional”, conta.
Histórico
O médico teve a prisão preventiva expedida pela 10° Vara Criminal no último dia 23 de janeiro. Joaquim já havia sido condenado pelo mesmo crime em 2015, mas recorreu a sentença e continuava trabalhando normalmente. À época, a delegada Ana Elisa Gomes relatou ao Mais Goiás que o médico havia cometido três abusos em 2017 durante atendimento, mas negou os crimes. “Ele nega a participação nos casos, chama os relatos de mentirosos e afirma que é extremamente ético durante os atendimentos. É a tese adotada pela defesa: desqualificar as vítimas”, sublinhou a delegada.
No dia de sua prisão, a Deam recebeu diversas ligações de mulheres relatando serem vítimas do médico. Todas fizeram a denúncia presencialmente, apesar de muitas estarem foram do prazo. O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) informou, por meio de nota, que irá apurar os fatos. [A entidade] “dará celeridade à apuração em razão da gravidade do que já foi divulgado, e que, quando da posse da documentação concernente, dará prosseguimento às providências cabíveis”, destaca o texto.
Vítimas
O Mais Goiás recebeu relatos de algumas vítimas do ginecologista. Segundo Lúcia Arantes*, ela foi violentada em dezembro do ano passado e contou com detalhes os momentos de pânico que viveu. “Foi por volta das 12h40, no dia 5 de dezembro. Eu ia fazer uma consulta para a realização de cauterização de colo de útero. Quando cheguei ao consultório, ele me questionou ‘você tem orgasmos?’ Fiquei sem entender e quando ele viu que eu tinha estranhado, completou: pode ser que você tenha algum problema”, sublinha a vítima.
Ela ainda foi orientada por Joaquim em tirar a roupa e se deitar na maca para procedimentos da consulta, mas o médico estava com outros objetivos, segundo a vítima. “Sem luvas, ele colocou dois dedos da mão direita dentro da minha vagina e pediu que eu contraísse o canal. Depois ele pediu que eu mantivesse os olhos fechados enquanto repetia os movimentos. Quando me dei conta, ele estava me masturbando. Fiquei muito nervosa, envergonhada, com medo. Não sabia o que fazer, fiquei sem ação”.
Após o procedimento, a vítima conta que foi coagida pelo médico a não comentar o que aconteceu dentro do consultório com ninguém. “[…] Depois que acabou, ele ficou falando que conhecia autoridades, numa tentativa de coagir a ficar calada. Nessa hora, eu fui para o banheiro e vesti minha roupa, eu estava muito nervosa. Ele disse: ‘Tudo o que eu estou fazendo é para te ajudar. Sua vagina não tem problemas. Você e seu namorado fazem certinho. Questões sexuais a gente não conta pra ninguém, nem pra mãe nem pro namorado. Se alguém perguntar como você sabe dessas coisas, fala que você viu no Youtube.’ Agora eu espero que ele pague pelo o que fez”, conclui Lúcia”.
A representante farmacêutica Bárbara Silva* também relatou sobre as práticas que o médico realizava durante as consultas. O médico chegou a oferecer um desconto para consultá-la. “Na época eu não tinha condições de pagar o meu médico e eu precisava consultar”, explica a vítima, que foi abusada em 2012 e relata que o médico introduziu o dedo em sua vagina e pediu para fechar os olhos. “Ele fez comigo da mesma forma que fez com as outras mulheres”, diz ela.
Ao perceber o precedimento que o médico fazia, Bárbara abriu os olhos e visualizou o médico se masturbando. “Eu fiquei atônita, sem reação. Aí ele disse: ‘Calma, isso é normal. Estou fazendo isso para ver se você tem prazer’”, lembra a mulher, que também recorda que o médico tentou dar justificativas, mas que ela só vestiu a roupa e saiu do local. “Eu nem acertei a consulta. Saí do consultório chorando.”
Outra vítima foi a instrumentadora cirúrgica Maria do Socorro*, funcionária do Hospital São Lucas, local onde o médico alugava um consultório. Ela trabalhou por dois anos com o médico no final da década de 1990. Ela lembrou que era muito nova e pobre e que achava o médico muito brincalhão. Ela relatou que, no dia do abuso, o médico lhe chamou para dentro do consultório, logo no final de expediente. “Ali no consultório ele tentou me agarrar, eu pensava que era brincadeira e comecei a rir. Depois pedi para parar, mas ele me controlou e me pegou dentro do consultório, com penetração e tudo”, descreve.“Foi tudo muito rápido, mas ficou gravado na cabeça”, diz, emocionada.
Maria contou ainda que Joaquim tentou abusar dela mais duas vezes, mas que conseguiu se desviar dele. “Eu já não entrava mais no consultório dele e fiquei mais ‘esperta’ com ele”, relata a moça que, na época, não denunciou o médico por medo de represálias. “A primeira coisa que me passou na cabeça foi o poder financeiro que ele tinha”, destaca.
*Lúcia Arantes, Bárbara Silva e Maria do Socorro são nomes fictícios. As vítimas pediram que seus nomes verdadeiros não fossem revelados.