Extinção do seguro

Com mais de 4 milhões de veículos, Goiás é o 5º Estado em indenizações de DPVAT

Em Goiás, 9 mil pessoas foram beneficiadas com o DPVAT em 2019. Especialista aponta problemas do seguro, mas se diz preocupado com a extinção

(Foto: Reprodução)

Com mais de 4 milhões de veículos, Goiás é o 5º Estado em indenizações pagas pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores, o Dpvat. Os dados, fornecidos pela Seguradora Líder e Departamento Estadual de Trânsito (Detran), revelam que o Estado será um dos mais afetados com a Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que prevê a extinção do seguro a partir de Janeiro de 2020. Especialista securitário revela problemas do seguro, mas manifesta preocupação com o fim do benefício.

Em Goiás, segundo dados repassados pelo DetranGO, há cerca de 4 milhões de veículos. Deste número, 1,1 milhão refere-se a motocicletas. Só na capital, a quantidade geral de automóveis é de 1,2 milhão, sendo que 296 mil são motos. Isto sem contar a quantidade de pedestres que circulam nas vias diariamente e também estão expostos aos riscos de acidentes.

Conforme informações da Seguradora Líder, empresa responsável pela administração do DPVAT, foram 19.177 indenizações em 2018 só em Goiás. Apenas no primeiro semestre de 2019 foram 9.055 pagamentos realizados. Dados referem-se a proprietários de veículos, pedestres e usuários do transporte coletivo que se acidentaram.

Contra a extinção

Atuando há 12 anos como mototaxista em Goiânia, Mario Ferreira* afirma que foi pego de surpresa com a extinção do seguro. “Fiquei sabendo ontem e não acho que seja interessante para quem trabalha com moto como eu”. Segundo ele, o risco é constante durante todo o horário de expediente. “Tem dias que preciso trabalhar mais de 10h. Isso por si só já é perigoso. Agora imagine não ter o seguro. Se eu precisar vou recorrer a quem?”, criticou.

O motociclista alega que a diminuição no pagamento do Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) não vale a extinção do seguro. “Deve diminuir uma faixa de R$ 200 no IPVA, mas é algo que não compensa. É preferível pagar esse valor e continuar com o DPVAT. É uma garantia para nós em caso de acidente”, disse.

Em nota (confira íntegra), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) manifestou preocupação com a extinção do seguro. Segundo a entidade, a Medida Provisória ignora décadas de discussão e aprofundamento sobre o tema a pretexto de prevenir fraudes. “Em analogia clara, significa matar o doente para eliminar a doença”, diz.

“A violência no trânsito é uma tragédia nacional e acabar com o seguro DPVAT aprofunda a crise ao desamparar o cidadão em seu momento de maior dificuldade, quando sua força de trabalho e de sustento não mais lhe assiste”, escreve no documento. O órgão disse ainda que a extinção também afeta o Sistema Único de Saúde (SUS), visto que 45% do valor do IPVA arrecadado no país é destinado ao custeio do sistema público.

Problemas no seguro

Atuante na área de Direito Securitário e presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, Samuel Balduíno afirma que atualmente o DPVAT possui falhas, principalmente em razão de fraudes e burocracia.

Samuel conta que há várias representações contra advogados por fraude. Segundo ele, há denúncias de advogados que tentam capturar pessoas acidentadas em hospitais e cobram por um serviço que é gratuito. Além disso, conforme relato do defensor, há fraudes também por parte de supostos beneficiários que inventam acidentes e invalidez.

Outro problema apontado pelo advogado é a burocracia existente para acionar o seguro. “A Seguradora Líder, por exemplo, é a segunda em número de reclamações. A família e a vítima já estão vulneráveis e precisam enfrentar toda uma burocracia com documentação”, disse.

Apesar dos problemas, o advogado afirma que o DPVAT é a forma mais rápida para receber o mínimo para auxiliar nas despesas. “A mera extinção vai deixar as pessoas a mercê de briga na Justiça para buscar responsabilidade do causador do acidente”.

Segundo ele, o Governo precisa estabelecer medidas de controle e regulação do atual seguro ou extinguir o modelo vigente e adotar medida compensatória. “Diante da realidade do trânsito é preciso que haja uma compensação da extinção para que as pessoas não fiquem desamparadas”, salientou.

Samuel aponta como medida compensatória obrigar os proprietários de veículos a fazerem seguro que cubra terceiros. “Essa medida já foi adotada em diversos países. Nestes locais, o motorista não pode transitar com o automóvel sem aderir o seguro. É algo que poderia pensado e aplicado também no Brasil para tentar resolver o problema atual”.

Vítima de fraude

O motociclista João da Silva, de 47 anos, foi vítima de fraude no seguro. Em 2016, o homem sofreu um acidente na capital e teve a perna quebrada. Enquanto estava internado, recebeu a ligação de um advogado, que cobrou 30% do valor a ser recebido pelo seguro para auxiliar a vítima.

“Na hora eu nem pensei em nada. Precisava do dinheiro do seguro porque não podia trabalhar e acabei aceitando a proposta. Na época, o advogado me disse que apenas uma parte do valor tinha sido disponibilizado. Peguei em torno de R$ 1,6 mil e ele sumiu com o restante do dinheiro”, conta.

João afirma que não sabe como o advogado conseguiu o contato pessoal dele, mas disse que a situação é mais comum do que se imagina. “Tem muita gente que fica na porta de hospital procurando acidentados para escritórios de advocacia. Tem funcionário de hospital que repassa as informações também. O seguro é algo muito válido e não deveria ser extinto, mas infelizmente tem muita gente de má-fé”.

Pronunciamento OAB

Às vésperas do Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito, celebrado no próximo domingo, dia 17 de novembro, a sociedade brasileira, especialmente as vítima de acidentes de trânsito, foi surpreendida com a edição da Medida Provisória nº 904, de 11 de novembro de 2019, do Poder Executivo, publicada no Diário Oficial da União, no dia 12 de novembro de 2019, dispondo sobre a extinção do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT.

Segundo o divulgado pela imprensa, em nota o Governo informou que: “A Medida Provisória tem o potencial de evitar fraudes no DPVAT, bem como amenizar/extinguir os elevados custos de supervisão e de regulação do DPVAT por parte do setor público (Susep, Ministério da Economia, Poder Judiciário, Ministério Público, TCU), viabilizando o cumprimento do TCU pela SUSEP”.

Essa Medida Provisória perderá a sua validade em 120 dias, se não for aprovada pelo Congresso Nacional, a contar da sua publicação.

Desprezando a informação da seguradora gestora do DPVAT, de que somente no primeiro semestre deste ano de 2019 foram pagas 18.841 indenizações por morte, 103.068 indenizações por invalidez permanente e 33.123 indenizações para despesas médicas, o Governo Federal lesa o direito da vítima de receber o seguro obrigatório pago pelo proprietário do veículo automotor causador dos danos por ela sofridos.

Preocupada com os efeitos jurídicos negativos dessa Medida Provisória nº 904 do Poder Executivo Federal junto aos motoristas, passageiros e pedestres, vítimas de acidentes de trânsito, bem como de seus familiares, no caso de devida a indenização por sua morte, a Comissão Especial de Direito do Trânsito da OAB Nacional, confiando no Congresso Nacional, espera a desaprovação dessa dita Medida Provisória, com o que se estará respeitando o direito constitucional do cidadão, vítima da notória violência do trânsito no território brasileiro.