LUTA SOCIAL

Como ato de resistência, negros recuperam cabelo natural com ajuda de tranças

“A identidade negra passa muito pelo cabelo. Não é estética, é a nossa cultura”, explica…

“A identidade negra passa muito pelo cabelo. Não é estética, é a nossa cultura”, explica o produtor de conteúdo sobre relações raciais, Rafael Wollice. Segundo profissionais, cada vez mais homens e mulheres negros têm buscado recuperar o cabelo natural, disfarçados por anos em alisamentos e cortes baixos. O processo é considerado um ato de resistência ao preconceito e tem o auxílio de tranças e cabelos sintéticos.

Nesta semana, o cantor goiano Rodolffo comparou o black power do professor João Luiz com uma peruca de homem das cavernas, durante reality show Big Brother Brasil. O episódio abriu uma discussão nas redes sociais a respeito da importância dos cabelos crespos, volumosos e cacheados, não apenas na auto-estima das pessoas, mas também na maneira de se impor contra o racismo.

Rafael relata que são inúmeras as situações de racismo que já sofreu por conta do cabelo. “São comparações, apelidos, pessoas que nem conheço pegam no meu cabelo do nada. É como se fôssemos aberrações ou peças de exposições e o pior é que as pessoas consideram isso super normal”, lamenta.

O produtor de conteúdo, Rafael Wollice (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Ao assistir o que aconteceu no programa, o produtor de conteúdo diz que chorou junto com João Luiz. “Dói! A vontade é de abraçar a pessoa porque nós sabemos o quanto dói, principalmente porque apesar de sermos vítimas, sabemos que ele ainda vai ser atacado. Eu entendo o choro do João e chorei junto”, desabafa.

Resistência ao preconceito

Nos Estados Unidos, o cabelo black power começou a ganhar espaço e se tornou um dos protagonistas na luta pelos direitos civis nos anos 1960. Isso porque, desde a época da escravidão, os fios crespos são raspados e estigmatizados como “feios” e/ou “ruins”.

A trancista Graciane Palheta relata que quando alisava o cabelo já teve queimaduras pelo couro cabeludo e que o cabelo ficava tão danificado que precisava cortá-lo. “Eu e minhas irmãs já fomos xingadas de ‘cabelo de bombril’, ‘bucha’ ou ‘cabelo fedido’, simplesmente pela aparência do cabelo crespo. Meu antigo chefe já me pediu para que usasse gel para abaixar o volume do cabelo, porque ele era bagunçado e chamava atenção”, revela.

Graciane usou as falas racistas como motivação. Hoje ela tem um studio em que realiza tranças e dá cursos. Para ela, seu trabalho é um resgate de auto-estima e auto-aceitação. “Cada vez mais meninas e meninos estão passando pela transição. Isso me deixa muito feliz, nosso trabalho está fazendo a diferença”, se alegra.

Luta de homens e mulheres

A ativista Maria Aparecida Alves da Silva (Foto: Jucimar de Sousa / Mais Goiás)

Além da importância político-social dos fios, o caso do BBB mostra que a transição capilar é um tema de homens e mulheres, apesar de ser discutido em maior parte das vezes pelo público feminino. A ativista Maria Aparecida Alves da Silva considera que muitos homens crescem acreditando que não podem ter vaidade por questões machistas, mas que essa realidade vem mudando.

O jovem Reginaldo Almeida de Sousa, de 19 anos, diz que sua principal referência era um tio que usava um black power. “Ele [o tio] foi minha primeira e maior referência. Foi com ele que eu enxerguei o quão é importante termos representatividade. O caso do BBB veio para reforçar isso”, explica.

Como ato de resistência, negros recuperam cabelo natural com ajuda de tranças
O jovem trancista, Reginaldo Almeida (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Reginaldo também é trancista e explica que apesar do mesmo intuito, o processo de transição é diferente entre homens e mulheres. Ele menciona Camilla de Lucas, outra participante do BBB. “Ela usa lace, que é uma espécie de peruca, até que o cabelo natural dela esteja do jeito que ela quer. Homens geralmente usam tranças”, diz ele.

A realidade de xingamentos, comparações e sofrimento de homens e mulheres negras, apenas por usarem os fios naturais, acontecem todos os dias há anos. Apesar disso, eles buscam resistir e inspirar jovens e crianças a se imporem contra o estigma, seja com a ajuda de cabelos sintéticos ou tranças. “Com mais homens pretos falando, quem sabe, meninos negros cresçam se amando mais e com mais possibilidades de desenvolver sua auto-estima”, reflete Rafael Wollice, citado no início da matéria.