Curso de assentamento de cerâmica capacita mulheres vulneráveis em Goiânia
Mulheres estão entre os grupos mais penalizados pela Covid no quesito desemprego, segundo dados do Ipea. Curso na capital é visto como oportunidade para a volta ao mercado de trabalho
A pandemia da Covid-19 afetou relações interpessoais e de trabalho em todo o mundo. As mulheres, um dos grupos mais afetados, acumularam funções domésticas e perderam mais emprego e renda em comparação aos homens, segundo dados do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea). Além disso, elas ficaram mais expostas à violência física, psicológica e emocional em casa. Em Goiânia, mulheres em situação de vulnerabilidade tiveram a chance de recomeçar com a capacitação oferecida em curso gratuito de assentamento de cerâmica.
Ofertado pela Prefeitura de Goiânia em parceria com Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o curso ofereceu vagas a mulheres de baixa renda e/ou em situação de violência doméstica. Iniciado em junho deste ano, a primeira turma – com 20 alunas – foi concluída no começo de outubro.
Durante a capacitação, as estudantes puderam executar revestimentos cerâmicos em planos horizontais e verticais em edificações, assim como a regularização da base para assentamento das placas, com a utilização de equipamentos, ferramentas e instrumentos específicos, seguindo normas técnicas, de qualidade, de meio ambiente e saúde.
Curso de assentamento de cerâmica capacita mulheres vulneráveis em Goiânia e ‘acende’ esperança
A dona de casa Jaqueline Santos Soares, 34 anos, está entre as 8,5 milhões de brasileiras que deixaram a força de trabalho no terceiro trimestre de 2020, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Logo que a pandemia ‘estourou’ em Goiás e o governo estadual publicou decreto em que fechava escolas e atividades não essenciais, a mulher foi forçada a deixar o cargo de vendedora de peças em uma loja que comercializa empilhadeiras.
Com dois filhos pequenos em casa e sem ter com quem deixá-los, a vendedora precisou pedir demissão do emprego em que atuava há cerca de um ano para tomar conta das crianças.
Mudança de vida
Sem emprego e com o marido vivendo de bico, a família de Jaqueline passou por maus-bocados em razão da situação financeira. A esperança surgiu em uma tarde de junho, no Setor Antônio Carlos Pires, em Goiânia. A mulher estava sentada na porta de casa quando viu uma conhecida passando com uniforme do Senai. Na ânsia por uma oportunidade, ela buscou informações acerca do curso e conseguiu uma vaga.
“Fiquei bastante interessada e perguntei como faria para ingressar no curso. Procurei a presidente de bairro e fui informada de que as vagas estavam esgotadas, mas que se houvesse oportunidade iria me chamar. Com uma semana de curso, uma das alunas desistiu e fui convocada. Fiz questão de aproveitar a chance e me dediquei ao máximo”, disse.
Ao Mais Goiás, a mulher contou que o curso superou as expectativas e que agora as alunas fazem uma espécie de ‘mutirão’ nas casas umas das outras como espécie de treinamento. “É um curso que jamais pensei em fazer, mas fiquei muito feliz com o resultado. Aprendi muitas coisas e me sinto apta a exercer essa profissão. Meu sogro, que é pedreiro, já me aguarda para fecharmos serviços”, afirmou ao comemorar os resultados.
“Curso serviu para melhorar habilidades”, diz aluna
Outra vida transformada pelo curso foi a de Marileuza Rosa Ramos, 48 anos. Ela é daquelas que faz de tudo: trabalha como diarista, uber, jardineira e eletricista. Assim como Jaqueline, a mulher ficou sabendo do curso pela vizinha e se interessou em aperfeiçoar as habilidades. Ela conta que já atuou na área da construção civil ao fazer reformas na casa em que mora.
“Eu já tinha assentado cerâmica em casa e achava que sabia muita coisa, mas depois do curso percebi que na verdade não sabia de nada”, brincou.
De acordo com Marileuza, o período de aulas foi intenso e de muita correria. “Não poderia deixar a oportunidade passar, mas também não podia deixar de trabalhar. Então eu sai das faxinas e ia correndo para o curso. Foi muita luta, mas deu tudo certo e sai satisfeita. Aprendi bem mais do que imaginei”.
Ainda segundo a aluna, cursos profissionalizantes como este são essenciais para a qualificação de pessoas em situação de vulnerabilidade. “Não existe mais essa história de que lugar de mulher é na cozinha. As mulheres estão se inserindo em todos os lugares. É preciso mais oportunidades como essa e vamos alcançar o topo”, disse esperançosa.
Mais turmas
Conforme informações repassadas pelo Senai, a expectativa é que até o final do ano outras duas turmas sejam abertas para mulheres em situação de vulnerabilidade que desejam se capacitar no ramo de assentamento de cerâmica.
“É um curso de qualificação gratuito e com direito a vale transporte, que tem o objetivo de qualificar as alunas. A parceria entre a Prefeitura e o Senai possibilita essa aprendizagem a mulheres vulneráveis”, disse Anderson Claiton Martins, coordenador de cursos da construção civil do Senai.
O instrutor de educação profissional, Thalys Daniel Pereira, explica que o curso possui carga horária de 160h. Neste período, são abordados temas que vão desde a segurança do trabalho até a prática com manuseio de ferramentos e rejunte de massa.
“É um curso importante para ter mão-de-obra qualificada. No início, como toda nova área, as alunas têm um pouco de dificuldade, mas isso é superado. No começo há aquela dificuldade quanto ao manuseio de ferramentas, mas o capricho e o detalhismo superam qualquer problema”, disse.
Capacitação como forma de superar a desigualdade de gênero
À reportagem, a secretária de Políticas para as Mulheres de Goiânia, Tatiana Lemos, afirmou que a desigualdade de gênero ainda é muito forte no Brasil.
“Infelizmente, nós somos as primeiras a serem demitidas em qualquer crise. A Pandemia deixou isso mais claro ainda. Precisamos mudar essa realidade, e capacitação é o melhor caminho”, comentou.
Indicadores do Ipea mostram que as mulheres ainda seguem em desvantagem em relação aos homens no quesito empregabilidade. Segundo dados do Instituto, no segundo trimestre de 2019, a taxa de ocupação delas (46,2%) era inferior à do sexo masculino (64,8%). No mesmo período de 2020 – durante o ápice da pandemia -, houve redução para 39,7% no caso delas e 58,1% para eles.
Para Tatiana Lemos, a educação é o único caminho para mudar essa realidade. “Capacitar profissionalmente é o principal caminho para gerar independência financeira de seu agressor, quebrando o ciclo de violência, além de fomentar a entrada no mercado de trabalho e melhorar a condição de vida dessas famílias as quais elas chefiam. Precisamos empoderar essas mulheres, e isso só é possível através da educação”.