"O PRÍNCIPE DAS GRADES"

Da infância à internação: jovem infrator lança livro autobiográfico escrito no Case

Adolescente fala sobre o uso e tráfico de drogas, abandono na infância, bem como retrata o dia-a-dia no Case

Um jovem infrator escreveu um livro durante a internação socioeducativa em Luziânia. Ele retratou sua infância e internação no local. (Foto: divulgação/TJGO)

Um jovem infrator, de 17 anos, escreveu e lançou um livro durante a internação socioeducativa em Luziânia. Denominado ‘O Príncipe das Grades’, a obra é uma autobiografia de A.G.R.A., que conta a história dele, desde os 10 anos de idade até sua internação no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da cidade. O lançamento ocorreu no mês de janeiro e o livro será distribuído a outros menores infratores do local.

O adolescente ficou internado na unidade por mais de um ano. O ato infracional cometido por ele não foi informado para preservar a segurança do jovem. Ao Mais Goiás, a pedagoga e coordenadora-técnica do Case de Luziânia, Mari Vieira, disse que o garoto chegou na unidade com vários conflitos internos e possuía dificuldade de convivência com outros internos.

Ela conta que um projeto de extensão da escola na unidade contribuiu para a melhora progressiva do autor do livro. Segundo a mulher, o adolescente era um dos que não faltava às aulas e realizava todas as atividades propostas. Após as aulas na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), o menino passou a escrever e teve a ideia de retratar sua vida em um livro.

Na autobiografia, A.G.R.A. fala sobre o uso e tráfico de drogas, abandono na infância, bem como retrata o dia-a-dia no Case. Além de escrever, o jovem também ilustrou o livro. O processo durou cerca de dois meses.

(Foto: reprodução/TV Anhanguera)

Publicação do livro autobiográfico do jovem infrator

Após membros da equipe que acompanha o adolescente lerem os escritos, pediram ajuda à titular do Juizado da Infância e Juventude de Luziânia, Célia Lara, para a publicação do livro. A magistrada, então, pediu apoio de amigos e, depois do trabalho de revisão e diagramação, a autobiografia foi lançada em 12 de janeiro de 2022.

“Conheci a história dele em novembro de 2021 e me emocionei com a realidade retratada no livro. Nos empenhamos para ajudá-lo e em dois meses já estava tudo pronto. Tivemos um trabalho de revisão e demos sugestões para não colocar a vida dele em risco, mas, claro, sem tirar a autenticidade do autor”, ressalta.

De acordo com a juíza, na época em que o livro foi lançado, o adolescente foi contemplado com progressão de pena para o regime aberto, podendo sair da internação. “Nós entendemos que ele cumpriu satisfatoriamente a internação e não só por conta do livro, mas, porque refletiu sobre o lugar dele na sociedade que ainda tem muito preconceito com jovens infratores”.

Mudança de comportamento após as aulas

Conforme relata a pedagoga Mari, o comportamento de A.G.R.A. mudou após a participação em aulas dentro do Case. “Foi muito desafiador para a equipe que o acompanhou porque ele tinha muitos conflitos internos. Por meio das aulas, fomos mostrando uma visão de mundo e de vida diferente, a importância do respeito e da convivência e isso causou mudanças positivas nele”, disse.

Para ela, a Educação no sistema socioeducativo é essencial para a reinserção de jovens infratores na sociedade. “A gente sempre mostra o quanto a educação formal é necessária para ter uma recepção melhor na sociedade. É por meio dela que novos leques vão se abrir”.

A juíza Célia Lara coaduna com o pensamento de Mari. Para a magistrada, a leitura e a educação salvam vidas. “A função do sistema socioeducativo não é punir, mas socioeducar para inserir esses jovens novamente na sociedade. É oferecer algo diferente para não voltarem a transgredir”.

Segundo ela, além da implementação de políticas públicas, a sociedade precisa se desvencilhar do preconceito e dar apoio aos jovens infratores. “Neste caso em específico, por exemplo, o adolescente precisa de um notebook, de um curso de português para aprimorar a escrita. O mundo do tráfico é atrativo e nós, enquanto sociedade, precisamos prestar este tipo de apoio para contribuir com a recuperação dos jovens”.