Defesa de atirador que matou estudante em Alexânia quer provar loucura
Um ano depois, processo que julgará responsáveis por crime que chocou Goiás ainda não recebeu…
Um ano depois, processo que julgará responsáveis por crime que chocou Goiás ainda não recebeu sentença. A Justiça goiana vai definir se os acusados irão a júri popular somente após a emissão de um laudo da Junta Médica, para atestar ou descartar insanidade mental do autor. Misael Pereira Olair hoje está com 20 anos. Ele é acusado de invadir uma escola pública e atirar 11 vezes contra Raphaella Noviski Ramalho, de 16 anos, na sala de aula que ela estudava. O crime aconteceu no dia 6 de novembro de 2017, em Alexânia, a 120 quilômetros de Goiânia.
O caso ficou conhecido em todo o Estado, e teve repercussão nacional. Logo após o assassinato, Misael, que estava mascarado, pulou o muro do colégio e fugiu. A pedido da defesa, a junta médica definirá, em um laudo produzido por psicólogos, psiquiatras e peritos, se Misael Olair tem capacidade de discernimento dos próprios atos. Se for confirmada a tese da defesa (loucura) e se o juiz aceitar os laudos, a Justiça pode considerar o acusado como inimputável — que não pode ser responsabilizado pelo crime que cometeu. Não há prazo para a conclusão do laudo.
Segundo os autos do processo, ele agiu sozinho para matar, mas estava acompanhado antes e depois, enquanto fugia. Horas depois, ainda na cidade, Misael e o comparsa foram presos pela Polícia Militar. Apenas ele confessou o assassinato e tomou para si toda a responsabilidade da ação.
Para a polícia, o comerciante Davi José de Souza, hoje com 50 anos, tem participação direta no assassinato. Ele teria levado Misael até o colégio, esperado a ação do atirador e, em seguida, dado fuga em um carro. Davi José chegou a ser preso, mas seis meses depois foi colocado em liberdade pelo Poder Judiciário e aguarda o julgamento.
SAUDADE E REVOLTA
Raphaella Noviski vivia com os avós, já idosos. A mãe, que mora e trabalha em Brasília, tem outras duas filhas. Até hoje a família toda faz acompanhamento com psicólogos e psiquiatras. A avó, há menos de um mês, precisou ser internada com desnutrição e desidratação. “Minha mãe vivia pela Rafinha. Desde que tudo aconteceu, ela parou de comer, não ingere líquido direito e foi diagnosticada com uma depressão forte. Eu ainda faço acompanhamento psiquiátrico e tomo medicação. Porque ficar só, pra mim, é um sofrimento”, descreve aos prantos a mãe, Rosângela Cristina.
A família é religiosa e a entrevista, concedida ao Mais Goiás na prévia do Dia de Finados, foi marcada pela carga emocional da primeira data após o acontecido. “Eu nunca imaginei um dia ter que escolher e aprovar a arte de uma placa para se colocar no túmulo de uma das minhas filhas. Naquele túmulo ela não está só, estamos todos nós. Ele (Misael) destruiu toda a nossa família”.
A mensagem da placa colocada no túmulo de Raphaella traduz o futuro interrompido, a gratidão e a saudade: “À minha família e amigos: não os abandonei. Apenas me afastei por um tempo. Retornei ao Pai Celestial para uma nova morada. Levo a saudade e o sentimento de dever cumprido, uma vida regada de brandura, dignidade e submissão a Deus. Ficam para os meus, o melhor de mim e o meu eterno amor”. A mãe define o sentimento: “Eu só sinto saudade e revolta”.
Misael Pereira de Olair tentou várias vezes, segundo a família de Raphaella, convencer a moça a uma aproximação. “Ele queria namorar com ela, e chegou a pedir várias vezes, mas ela não queria. Um dia chegou até ir à casa da minha mãe. Nem bateu na porta, e já foi entrando na casa e pedindo ela em namoro. A ‘Rafinha’ se irritou muito, e mandou ele ir embora, porque não queria nada com ele, ameaçando de chamar o tio”, contou Rosângela Cristina.
O rapaz trabalhou durante um ano, segundo informou em depoimento à época para a delegada do caso, em uma lanchonete. Do dinheiro que recebia, guardava uma quantidade. Com as economias, comprou o revólver. Calibre 32. Três meses depois de comprar, usou para matar Raphaella com tiros à queima roupa, na cabeça. “Tava esperando preparar tudo (ter arma e o plano). Quando ficou tudo pronto, fui lá e matei. Tinha muita gente na sala, mas mirei na cabeça dela. Não estou arrependido”, disse o autor em um vídeo gravado no dia da prisão.
FERIDA ABERTA
A ferida dos goianos ainda estava aberta quando o crime aconteceu. Havia 17 dias que a tragédia do Colégio Goyases acontecera, em 20 de outubro, na capital. Com 14 anos à época, um adolescente, filho de policiais militares, com a pistola da mãe, entrou na escola e disparou contra a própria turma. Tudo aconteceu durante o final da aula, no 8º ano do ensino fundamental. Dois alunos foram mortos e outros três se feriram.
O estudante foi julgado pelos atos infracionais análogos a crimes — por se tratar de menor infrator, os atos não são considerados crimes — e segue internado em uma unidade de Anápolis. A pena, se cumprida na totalidade que foi imposta, deve ser concluída em setembro de 2020.
SUICÍDIO
Misael tentou se matar pelo menos três vezes após a prisão em flagrante. À delegada Rafaela Azzi, que investigou o caso, contou que beberia a mistura da cor vermelha, que estava em uma garrafa dentro da mochila que portava. Segundo informações prestadas ao Juizado de Alexânia pelo advogado de Davi José, que dividia a cela com Misael, o homem pedia insistentemente aos agentes prisionais por algo que provocasse a própria morte.
O juiz Leonardo Lopes dos Santos, que hoje atua em Planaltina, julgou improcedente o pedido de liberdade do colega de cárcere, que temia ser culpado por qualquer ato praticado por Misael. Hoje Davi responde o processo em liberdade por uma decisão do magistrado, com base nos bons antecedentes.
RELEMBRE
Primeira sala de aula do corredor principal, Colégio 13 de maio. Era 6 de novembro de 2017, às 7 horas. O relógio contava 38 minutos e 14 segundos. O homem de mochila nas costas usava blusão preto e bermuda. Ele estava mascarado e demorou de 30 segundos para matar uma adolescente e aterrorizar a vida de todos os estudantes e profissionais que estavam na escola naquele momento.
O mascarado é o ex-aluno Misael Pereira Olair, que estava com 19 anos quando atirou no rosto de Raphaella Noviski Ramalho, de 16 anos. Com um revólver calibre 32, descarregou a arma, recarregou e voltou a atirar. Por 11 vezes ele se certificou de que a vítima tinha sido atingida. Os dois eram conhecidos e ela não quis namorar com Misael.
Em depoimento à polícia, à época do crime, Misael contou que conhecia a vítima de longa data. Ele disse que a matou porque a odiava, já que não tinha aceitado o pedido de namoro. A partir da negativa, segundo o acusado, ele começou a montar o plano para assassinar a garota, que de amiga, passou a ser uma rival.
Misael comprou a arma de um homem e preservou a identidade dele à polícia. Na mochila, o acusado carregava uma faca, um frasco contendo veneno chumbinho e a máscara. Para aumentar o poder letal, a munição tinha cortes em posição de cruz na parte frontal.
O major da Polícia Militar de Goiás e especialista em armas, Eduardo Bruno, explica que esse tipo de corte na munição faz com que ela se torne uma “bala dumdum”. “Ao atingir um alvo, a bala expande e faz com que o estrago se torne ainda maior que a munição não preparada”, explica.
LOUCURA?
O Mais Goiás consultou um doutorando em estudos neuropsicológicos e psicólogo forense. Ele descreve que crimes cometidos por autores sem capacidade de entender e autodeterminar, geralmente são desorganizados, sem planejamento e de forma instantânea. “Nós chamamos de crimes incompreensíveis, ou seja, sem motivação real, porque fazem parte de uma ideia muito particular e momentânea que a pessoa teve num instante de delírio”.
Quando existem detalhes que denotam planejamento, como na história de Misael e Raphaella, não há característica de um crime cometido por uma pessoa com indícios de loucura. “Além da arma, com letalidade aumentada pela manipulação das capsulas, haviam faca e veneno. Outra coisa é o uso de máscara e uma blusa com capuz, para não ser identificado, porque é ex-aluno e sabia a existência de câmeras de monitoramento,” avalia o especialista.