Delegacia da Mulher já registrou 17 ocorrências contra ginecologista preso por abuso sexual
Vítimas também procuraram o Mais Goiás para denunciar o médico Joaquim de Souza Lima Neto
Após a divulgação da prisão do ginecologista Joaquim de Souza Lima Neto por abuso sexual nesta terça-feira (23), a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) recebeu mais de 60 ligações de mulheres que foram vítimas do médico. Segundo a titular da Deam, Ana Elisa Gomes, já foram registradas 17 ocorrências contra o suspeito.
Embora a representação do crime de estupro possa ser feita apenas no prazo de seis meses após cometimento do ato, a delegada incentiva que as vítimas, mesmo em casos antigos, procurem a delegacia para registrar ocorrência. “Essa informações são importantes para que a gente possa traçar um perfil do investigado, porque eu não tenho dúvidas de que ele é um agressor contumaz e compulsivo, e essas informações podem ajudar a comprovar que ele utiliza da profissão dele para satisfazer essa compulsão”, ressalta Ana Elisa.
Algumas vítimas, contudo, temem a exposição e não tem coragem de procurar a delegacia. Esse é o caso da representante farmacêutica Bárbara Silva*, que procurou o Mais Goiás para relatar o abuso que sofreu. Ela conta que, por conta da sua relação profissional, o ginecologista ofereceu um desconto na consulta. “Na época eu não tinha condições de pagar o meu médico e eu precisava consultar”, explica.
Durante a consulta, que aconteceu em 2012, Bárbara conta que o médico introduziu o dedo em sua vagina e pediu para ela fechar os olhos. “Ele fez comigo da mesma forma que fez com as outras mulheres”, diz ela em referência a matéria do Mais Goiás, em que uma vítima relata os abusos.
Bárbara então percebeu que o procedimento não era correto e abriu os olhos. Ao virar para o lado, viu o médico se masturbando. “Eu fiquei atônita, sem reação. Aí ele disse: ‘calma, isso é normal. Estou fazendo isso para ver se você tem prazer'”, lembra.
O médico ainda tentou dar justificativas para o ato, mas a representante vestiu a roupa e saiu do consultório. “Eu nem acertei a consulta. Saí do consultório chorando.”
Bárbara conta que, na época, ela estava se separando do marido e não teve coragem de denunciar o abuso. Hoje ela está casada com outro homem e mora em outro Estado, mas ainda teme pela exposição. “O meu esposo é empresário na cidade, e é uma cidade muito pequena”, diz.
Funcionária também foi abusada
Outra vítima que procurou o Mais Goiás é a instrumentadora cirúrgica Maria do Socorro*, que trabalhou com o médico durante dois anos no Hospital São Lucas no final da década de 1990. Ela conta que, na época, era muito nova e pobre, e achava o ginecologista muito brincalhão. Por isso, quando Joaquim a agarrou no consultório, ela até pensou que fosse brincadeira.
Maria diz que já era no final do expediente quando o médico a chamou no consultório e, por conta disso, não tinha ‘quase’ ninguém no hospital. “Ali no consultório ele tentou me agarrar, eu pensava que era brincadeira e comecei a rir, depois pedi para parar, mas ele me controlou e me pegou dentro do consultório, com penetração e tudo”, descreve. “Foi tudo muito rápido, mas ficou gravado na cabeça”, diz, emocionada.
Na época, a instrumentadora nem pensou em denunciar o ginecologista porque ela era pobre, tinha um filho para criar e dependia do emprego, e ela também sabia que o médico era rico. “A primeira coisa que me passou na cabeça foi o poder financeiro que ele tinha.”
O médico, ainda segundo Maria, ainda tentou abusar dela duas outras vezes, mas ela conseguiu se esquivar dele. “Eu já não entrava mais no consultório dele e fiquei mais ‘esperta’ com ele”, relata.
Hoje, Maria do Socorro mora em outro país, mas pretende, através de uma procuração, denunciar o médico. “Ele está atuando há quantos anos assim? Ele tem um problema psicológico, isso tem que acabar.”
Entenda o caso
O ginecologista Joaquim de Souza Lima Neto, de 58 anos, foi preso nesta terça-feira (23) pelo envolvimento em casos de abuso sexual. Condenado em 2015 por crime de violação sexual mediante fraude, o suspeito recorreu da sentença e continuava trabalhando normalmente.
De acordo com a delegada Ana Elisa Gomes Martins, responsável pelo caso, Joaquim cometeu mais três abusos em 2017, quando submeteu uma das vítimas à prática de sexo oral durante uma de suas consultas. O preso foi ouvido na manhã desta terça e passará por uma nova oitiva à tarde. “Ele nega a participação nos casos, chama os relatos de mentirosos e afirma que é extremamente ético durante os atendimentos. É a tese adotada pela defesa: desqualificar as vítimas”, sublinha a delegada. Ele está à disposição do Poder Judiciário e deve ser conduzido para triagem na Casa de Prisão Provisória até esta sexta-feira (26).
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiá (Cremego) informou, por meio de nota, que irá apurar os fatos. “[A entidade] dará celeridade à apuração em razão da gravidade do que já foi divulgado, e que, quando da posse da documentação concernente, dará prosseguimento às providências cabíveis”, sublinha o texto.
*Bárbara Silva e Maria do Socorro são nomes fictícios. As vítimas pediram que seu nome verdadeiro não fosse revelado.