Assédios sexual e moral

Denunciantes de ex-chefe de centro médico do TJ temem seu retorno em dezembro

Mulheres que apontam Ricardo Paes Sandré como autor de assédios moral e sexual nas dependências do tribunal tem medo de represálias. Segundo elas, homem anda armado, o que já foi confirmado pelo MP

Vítimas declaradas do médico e ex-diretor do Centro de Saúde do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), Ricardo Paes Sandré, estão “com muito medo” de seu retorno da licença-prêmio, agendado para o próximo 19/12. Exonerado por vontade própria do cargo de confiança após o vazamento de denúncias de assédios moral, sexual e atos de improbidade administrativa na imprensa, ele permanece lotado no tribunal como técnico-judiciário em Medicina do Trabalho, enquanto é alvo de um inquérito movido, desde maio, pelo Ministério Público estadual (MP-GO).

Das oito denunciantes, três – que não querem ter suas identidades reveladas com medo de represálias e por temor à própria integridade física – foram ouvidas nesta quinta-feira (6) pelo Mais Goiás. Alvo de constantes casos de assédio, uma delas afirma sofrer com perseguições do médico desde 2015, quando o investigado a teria chamado para ser sua amante, o que, segundo ele, lhe foi prontamente negado. “Aceitei, a convite dele, trabalhar no Centro Médico do TJ em 2015. Foi quando tudo começou. Me constrangia com palavras de baixo calão na frente de outras pessoas e, quando eu ficava nervosa, dizia que iria ‘me acalmar na cama’”.

O caso se agravou, de acordo com a mulher, quando ele a chamou para ser amante dele. “Obviamente eu não quis e então ele colocou meu cargo à disposição. Tive que me arranjar em outro departamento dentro do tribunal”. Cerca de dois anos depois, já em 2017, Ricardo assumiu como diretor-geral dos funcionários da saúde e passou – reforça a vítima – a persegui-la.  “Ligava no departamento o tempo todo, pedia pra falar comigo, pedia meu celular…, mas como não conseguiu contato, me mudou de seção e passou a me perseguir moralmente. Dizia para todo mundo que eu era péssima servidora e começou a me denegrir”.

As abordagens incessantes causaram danos à saúde da trabalhadora, que precisou fazer acompanhamento médico e psicológico para lidar com a situação. “Tenho medo. Isso ocorre desde 2015, nunca parou. Preciso ter paz na minha vida. Comecei a adoecer e tive que fazer tratamentos por causa disso. O medo é real, ele anda armado e é uma pessoa que eu não sei do que é capaz de fazer, inclusive fora do tribunal. Estamos todas aterrorizadas com a possibilidade de seu retorno, principalmente por ele ser genro do presidente do TJ, Gilberto Marques Filho. Por isso não me sinto resguardada. É doído”.

Esta redação aguarda posicionamento do médico sobre o caso.

Persistência

Repetidos casos de assédio sexual e moral contra uma estagiária também estão entre os depoimentos cedidos ao MP. Já formada e desligada do TJ, a mulher diz ter sido perseguida por Ricardo durante um mês, em 2016. “Ele era ríspido, grosso e logo passou a demonstrar comportamento abusivo. Era aluna de enfermagem e ele ficava me cobrando, inclusive com prova, conhecimento médico sob ameaça de demissão. Assistia meus atendimentos com pacientes e me humilhava na frente deles. Certa vez, em uma consulta ginecológica, chegou a afirmar que ensinaria a mim e à paciente a fazer sexo da forma correta, no sentido de evitar que a vagina fizesse sons semelhantes ao de flatulência”.

Diariamente, revela, a moça era abordada nos corredores do Centro Médico com perguntas indiscretas e constrangedoras. “Perguntava se eu tinha namorado e se eu tinha tido relação sexual recentemente toda vez que a gente se encontrava nos corredores. Depois dizia ‘tá explicado, tem que dar mesmo’. Era terrível. A gente fica até apreensiva quando escuta o nome dele”. Na época, a estagiária fazia uso de aparelho ortodôntico móvel o que também era motivo de “piadas”. “Chegou a dizer, na frente de toda a equipe, que quando eu fosse fazer sexo oral em meu namorado, meu aparelho ficaria cheio de pelos pubianos”.

(Foto: divulgação/TJGO)

A mais grave das abordagens, segundo a vítima, foi quando o médico a indagou se não gostaria dele como parceiro sexual. “Se precisar de um, ia ser coisa rápida, que com ele era só baixar as calças para ficar tranquila e feliz. ‘Comigo é coisa rápida, não tem romance, ligação ou envio de flores no dia seguinte’, me disse ele”. Agora, a moça destaca que irá abrir processo pelos assédios o mais rápido possível. “Felizmente saí de lá e não preciso conviver com ele. Desenvolvi um trauma, ansiedade, faço tratamento, uso medicação. Vou atrás dos meus direitos para que isso não ocorra com mais ninguém”.

Na época, a estagiária denunciou os casos ao departamento de recursos humanos e ouvidoria, mas explica que, por ele ter “costas quentes”, a denúncia não foi oficializada. “Disseram que no ano seguinte o sogro dele assumiria a presidência do tribunal e aquilo me prejudicaria. Falaram que eu era ‘o lado mais fraco da corda’ e não fizeram nada além de me colocar em outra divisão. Lá também encontrei outra profissional da saúde, a qual também havia sido remanejada por causa dele. Lamentável. Passo mal por causa disso até hoje”.

Medo da impunidade

“Estamos nos sentindo ameaçadas”. É o que revela uma médica vítima de assédio moral em 2017, segundo a qual, apesar da abertura de um processo administrativo contra o médico em naquele ano, as vítimas nunca foram ouvidas pelo tribunal. “A única chance de diálogo que tivemos foi quando o presidente, sogro dele, recebeu as vítimas e representantes do Cremego (Conselho Regional de Medicina) Simego (Sindicato dos Médicos) para uma reunião (foto). Mas lá, ele ficou falando de outros assuntos, falou até de política, mas não ouviu nossas reivindicações. Fomos lá pra isso, foi frustrante”.

(Foto: Divulgação/Simego)

Sem respostas do Judiciário, a profissional afirma que as vítimas procuraram o Ministério Público no último mês de março. “Como lutaríamos contra isso, se agora o Ricardo entrou com pedido de suspensão contra os promotores que o investigam?”. Ela se refere aos promotores Geibson Cândido Martins Rezende e Fabiana Lemes Zamalloa do Prado. Este portal tentou contato com ambos, mais foi informado de que eles estão de férias.

Conforme explica a servidora, quando o Gilberto assumiu, logo criou um cargo, que “nem existia no organograma do TJ”, para dar poder a ele sobre a Junta Médica e o Centro Médico, departamentos que realizam, respectivamente, perícias e atendimentos a servidores. “Por conta de seus remanejamentos indiscriminados e sem critério estamos com serviço acumulado até para 2020 na junta”.

Ainda de acordo com a médica, Ricardo não deixava ninguém ter férias e, sem critérios, retirava a gratificação de funcionários que, de alguma forma, o contestavam. “Além disso, ele não deixava ninguém ter férias, estimulou uma servidora a abrir processo contra mim e assinou com testemunha. Tudo porque eu não a atendi com especialista, afinal sou contratada como clínica, não recebo para fazer esse tipo de trabalho lá. Ter um chefe que te persegue, com acesso a prontuários, querendo de ferrar é horrível”, lembra.

Ela reforça ainda o comportamento de “superioridade” exercido pelo chefe. “Se achava acima de todo mundo. Não estava nem aí. Já chegou a mostrar arma em um reunião com médicos. Tem histórias horríveis. Até o momento, mais de 80 depoimentos foram colhidos no inquérito. Por isso, temos medo. Porque além da perseguição, soubemos que ele pretende nos processar por calúnia e difamação. O momento é de pânico”.

Nota

Em nota a assessoria do TJGO afirma ter instaurado procedimento administrativo. “Foi constituída uma comissão e já existe audiência designada. O processo é sigiloso. Além disso, o decreto nº811/2018 nomeou Nilvânia Cavalcante para o cargo de diretora da unidade”.