Dia do Gari: por trás de cada uniforme, histórias de quem cuida da cidade
Com muito amor pelo trabalho, profissionais de limpeza urbana revelam suas histórias de vida e a jornada pelas ruas de Goiânia
Neste dia 16 de maio é celebrado o dia de quem trabalha duro para deixar a cidade limpa, o gari. Segundo a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), 4.300 profissionais executam atividades como varrição, poda, jardinagem, roçagem e coleta na capital (mensalmente, são recolhidas cerca de 36 mil toneladas de resíduos e 60 mil toneladas de entulhos).
Eles também são responsáveis por serviços como capina, pintura de meio fio, limpeza de córregos, coleta seletiva e outras atividades relacionadas a paisagismo e urbanização.
O Mais Goiás conversou com quatro desses profissionais que trabalham pelas ruas de Goiânia. Eles compartilharam sonhos, histórias e as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia. Mas acima de tudo, compartilharam uma coisa em comum: o amor pela profissão.
Futuro professor
Há cerca de quatro anos, Rogério Gomes da Silva, 39, perdeu a visão. Mas isso não o impediu de realizar suas funções no viveiro da Comurg. Neste 16 de maio, inclusive, o gari completa 15 anos na empresa. E mais: ele concilia a rotina de trabalho com estudos.
“Eu tinha sido aprovado para o curso de História na UFG (Universidade Federal de Goiás) mas quando fui tomar posse, meu currículo escolar foi recusado. Isso não me fez desistir de estudar. Corri atrás do meu sonho e agora estou cursando Pedagogia na Unifan (Universidade Alfredo Nasser)”, diz.
Rogério entra no trabalho às 7h da manhã. No final da tarde, antes de ir para a aula, ele estuda na empresa mesmo, escutando as matérias gravadas. “Isso foi fruto do meu esforço. Diante das dificuldades, a única solução é estudar”, acrescenta o gari, que sozinho, caminha cerca de um quilômetro do trabalho até a universidade.
Rogério diz que a maior dificuldade enfrentada por ele é o transporte público em Goiânia, “que demora muito todos os dias”. Por outro lado, no trabalho é só alegria.
“Sempre tenho o apoio dos colegas. É gratificante ver que todos me respeitam como pessoa, me tratam normalmente, não fazem distinção, não se incomodam com minhas dificuldades. Todo mundo é meu amigo e me ajuda”, finaliza o gari.
Gari artista
José Souza Neto, 42, gosta de ser chamado pelo nome artístico: Amado Augusto. Gari há 16 anos, Amado já trabalhou na reciclagem, no lava-jato da Comurg e como frentista no posto da empresa. Agora, ele divide a jornada na coleta de lixo com outra profissão, a de cantor.
“Estou na luta para realizar meu sonho na carreira artística, mas infelizmente não tenho condições de seguir só com a música. Já participei de festivais, até ganhei alguns. Agradeço a Deus pelo dom que tenho”, afirma.
Amado relembra de um lamentável episódio, quando teve todos os instrumentos musicais furtados. “Fiquei muito triste, mas nunca cogitei desistir do meu sonho”, diz.
E o nome artístico do gari não é por acaso. Ele é fã do cantor Amado Batista e já até o conheceu no programa Domingo Show, da TV Record. “Quando faço algum show, apresento as canções que escrevi, mas não pode faltar músicas dele também”, comenta.
Sobre a rotina de gari, Amado diz que não é fácil. Ele acorda às 5h da manhã para às 7h já estar na empresa. Contudo, afirma que se sente feliz pelo emprego, mesmo com os riscos que enfrenta.
“Já cortei minha mão gravemente por causa de caco de vidro mau armazenado e já caí dentro de um bueiro que a tampa estava solta. Vários colegas já foram mordidos por cães que os donos das casas deixam soltos”, recorda Amado.
O gari diz que casos de preconceito são rotineiros. “Uma vez um colega pediu água em uma casa e, após beber, o dono da residência disse que poderia levar o copo embora, pois ele não conseguiria mais usar. Tem gente na rua que chama a gente de “cheiroso” por causa do mau cheiro do caminhão. É triste“, lamenta.
Mas Amado diz que nas ruas também é tratado com educação e carinho, e que esses são os momentos que nunca esquece.
“Um dia uma senhorinha disse que estava esperando o neto chegar em casa para ele colocar um saco de lixo grande para fora, pois ela não conseguia. Eu disse que poderia retirar e, após jogar o lixo no caminhão, ela agradeceu e perguntou se poderia me dar um abraço. São as pequenas coisas que fazem a diferença”, relembra Amado Augusto.
Vassoura na mão
Se parte da Avenida Goiás está limpa todos os dias, muito se deve a Cléia Batista Moreira, 44. Há 14 anos trabalhando como gari, ela varre os dois lados da Avenida, começando na Rua 4 e indo até a Praça Cívica.
Cléia mora em Araçu, município a 70 quilômetros de Goiânia. Por causa da distância, ela acorda diariamente às 4h da manhã. Mãe de três filhos, diz que precisa conciliar a jornada no centro da capital com o serviço de casa.
“É assim minha vida. Antes de sustentar a família com o trabalho de gari, fui doméstica durante muitos anos”, diz a profissional, que garante gostar do que faz.
“Me sinto uma pessoa importante, porque a limpeza dessa parte da cidade depende de mim. É gratificante quando acaba meu horário e eu olho para trás e vejo meu serviço bem feito, tudo limpo“, completa.
Cléia pede que a população se conscientize e não jogue lixo nas vias públicas. “Existem diversas lixeiras espalhadas. Não viu uma lixeira? Guarda o lixo, põe numa sacolinha, depois joga fora. Se todo mundo ajudar a cidade fica bem mais limpa“, conclui.
Objeto não identificado
Uma história inusitada aconteceu com Abel Lima, 34. O gari diz que vários colegas têm o hábito de reciclar, então quando encontram itens de cobre, metal ou alumínio, eles guardam. Contudo, certo dia acharam uns objetos que não sabiam o que eram e colocaram na cabine do caminhão.
“Chegando na garagem, todo mundo ficou pegando esses objetos. Até que um dos funcionários achou os itens com o aspecto parecido com algo que ele já tinha visto”, relembra Abel.
O gari diz que, ao pesquisarem, descobriram que os objetos eram na verdade explosivos.
“O Esquadrão Anti-Bomba da Polícia Militar (PM) foi acionado e detonou os artefatos. As vezes a falta de conhecimento de uns pode colocar a vida de muitos em risco. Esses explosivos estavam no lixo, qualquer pessoa poderia pegar”, afirma.
O gari diz ter orgulho da profissão exercida, ainda mais na parte em que trabalha, a coleta seletiva. “Tem toda a questão da natureza, que é fundamental. Gosto de reforçar a importância da separação correta do lixo orgânico e reciclável”, diz.
Abel lamenta que algumas pessoas tenham preconceito com a profissão e que “até atravessam a rua para não passar perto de um gari“. No entanto, ele prefere focar nas pessoas boas.
“Eu sorrio porque sei que na próxima rua sempre haverá uma criança nos gritando e dando tchau com um sorriso no rosto, que eu faço questão de retribuir”, finaliza.
Festas e reconhecimento
E por falar em crianças, elas parecem mesmo admirar desses importantes profissionais. Em agosto do ano passado os irmãos Luiz Fernando, 7, e Davi Luiz, 4, realizaram um sonho: comemorar o aniversário com a temática de gari.
A festa contou com um bolo cheio de símbolos das coletas orgânica e seletiva, além de balões e guloseimas na cor laranja. A equipe de garis da região, no Setor São Carlos, compareceu à festa e os irmãos puderam dar uma volta no caminhão e tirar fotos com os coletores.
Em setembro, outra comemoração especial. No aniversário de dois anos, Yan Naum Morales pediu aos pais que a festa tivesse o tema “Gari”. O pedido foi atendido e, novamente, uma equipe da Comurg esteve presente.
Em agosto de 2018, o artista plástico Manoel Santos, que é gari em Goiânia, ficou entre os 121 artistas, de 21 estados, selecionados para exposição na 14ª Bienal Naïfs do Brasil, em São Paulo. O evento divulga a representatividade da criação primitiva, ingênua, espontânea e popular de artísticas autodidatas.
Já em agosto de 2019 o jardineiro da Comurg, Luciano Magalhães Diniz, 44, recebeu o diploma do curso de jornalismo. Ele chegou a ficar um ano com a matrícula trancada por falta de dinheiro, mas não desistiu do sonho de se formar.
Luciano aproveitava o trabalho como gari para tirar fotos pelas ruas de Goiânia. Ele chegou a produzir uma exposição, denominada “Goiânia em preto e branco”. A apresentação contou com acervo de mais de duas mil fotos com molduras feitas de materiais recicláveis.