Diagnosticado no TEA, Augusto Mangussi, de 12 anos, ganha o mundo com a pintura
Segundo a psicóloga Fernanda Calci, diagnóstico cedo é importante, desde que acompanhado com a intervenção com fundamentação científica
Nesta quinta-feira, 2 de abril, se celebra o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data criada pela Organização das Nações Unidas em 18 de dezembro de 2007. O estudo “Autismo no Brasil: Desafios, Mitos e Verdades”, conduzido pelo médico Carlos Gadia, da University of Miami Miller School of Medicine, revela que um em 59 crianças estão no transtorno do espectro autista (TEA). Dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, afirmam que lá existem um caso a cada 110 pessoas e que, conforme texto da USP, seriam cerca de 2 milhões no Brasil. Em Goiás, um garoto de 12 anos, Augusto Mangussi, diagnosticado no TEA, tem se destacado por suas habilidades em meio as artes plásticas.
Inclusive, o diagnóstico cedo é de grande importância para o desenvolvimento daqueles que estão no espectro, conforme reforça a psicóloga Fernanda Calci. “Mas não basta diagnosticar, tem que ir para a intervenção com fundamentação científica”, declara a profissional, que deixa claro que autismo não é doença.
Augusto
Augusto Mangussi, que há três anos pinta por incentivo dos pais – os advogados Larissa Lafaiete e Antônio Augusto Mangussi, que iniciaram as intervenções quando ele ainda era apenas um bebê de um ano e dois meses –, tem no currículo mais de 200 obras e sete exposições, duas delas nos Estados Unidos. Ele, inclusive, foi o mais jovem participante da Expo Arte Arizona, da Focus Brasil, além de ter estado, também, na semana de Arte Basel, em Miami.
Larissa conversou com o Mais Goiás. Sobre a descoberta, ela disse que percebeu que o filho era diferente com pouco mais de um ano. “Não acompanhava as outras crianças, não seguia ordens simples.” Ela o levou, então, a São Paulo, mas lá não puderam dar o diagnóstico naquele momento. Ainda assim, ele começou as intervenções com psicólogos, terapeuta e fonoaudiólogo. Com um ano e sete meses, ele entrou na escola, a fim de melhorar a socialização.
Destaca-se, que entre idas e vindas, ele viveu em São Paulo em duas ocasiões. “Fui quando ele tinha seis anos e voltei quando ele estava com oito. Voltamos para lá com nove e voltamos agora”, revela a advogada, que vive na capital.
Dia a dia
Hoje, segundo ela, o filho tem linguagem receptiva excelente e é um garoto alegre. Ela destaca, ainda, que ele tem hiperfoco em mundo, globo terrestre. “Sabe tudo de mapas e também de cronologia, decorou o calendário.”
Além disso, Augusto, é verbal moderado. “Fala muito sobre os hiperfocos. Fora dos interesses entende tudo, mas não gosta muito de falar”, destaca Larissa que reforça que cada criança é única. “Ele teve intervenção muito cedo. Talvez, se não tivesse ocorrido, fosse autista clássico.”
Dificuldade de relacionamento, não gostar de barulho e contato são algumas características típicas. Na escola, vale destacar, Augusto ainda precisa de material adaptado e programa de desenvolvimento individual, o PDI. Ele lê, escreve e faz interpretação.
“Mas ele lida bem, se comporta muito bem. Ele não chama os pares, mas entra nas brincadeiras, apesar de permanecer por pouco tempo. Ele gosta de ler, ver vídeos sobre aquecimento global, mundo, coisas fora da idade.” Em relação a atividades da sua idade, ele gosta de futebol, conforme informa a advogada.
Acerca da família, ela afirma que aceitou bem, mas sem tanto engajamento. “Alguns amigos se afastaram”, revela. “Nós [ela e o marido] nunca deixamos com babá, sempre revezamos os cuidados, nunca saímos sem ele. Por isso ele se comporta super bem. Ele foi treinado”, destaca.
Pintura
Com nove anos, após sofrer preconceito em uma escola, que excluiu o filho de uma propaganda por ter estereotipias (balançar mãos, cabeça), Larissa inaugurou um colégio em Caldas Novas para alfabetizar o filho. “Mentiram que não tinha aula no dia e depois que iria atrapalhar”, explicou sobre a atitude.
Na mesma época, veio o estímulo à pintura. Ela revela que o filho já fazia outras terapias não convencionais, como a musicoterapia. “Então, a gente estimulou e ele começou a fazer as exposições”, disse sobre o talento do filho, que continua na Expo Arte em São Paulo. A mãe afirma, ainda, que Augusto é alegre, cheio de vida. “Hoje ele diz que vai fazer belas artes em Miami.”
Sobre os ganhos, ela destaca a concentração, uma vez que para autistas, permanecer muito tempo em uma atividade não é fácil. Além disso, a própria arte, claro. “Todo mundo começou a elogiar os quadros que ele fazia. Vinha uma professora e achava bonito e pedia um quadro para a sala. Alguns pais viam, elogiavam e também queriam. Começamos então a fazer pequenas exposições dentro da escola. Depois o pai dele montou uma conta no Instagram com os quadros dele e ele começou a ganhar muitos seguidores”, relembra.
Pelo Instagram, o jovem fala de suas metas:
https://www.instagram.com/p/B-fG53PpNAi/
Exposições
Augusto participou, em 2019, do concurso de arte Eyecontact Festival Of Arts for Autists, realizado em 2019 (TEAbraço – Ribeirão Preto), criado pela artista plástica Grazi Gadia, esposa do médico Carlos Gadia, referência mundial em autismo. Foi a primeira participação de outras seis que a sucederam em um período de apenas um ano. Ele também esteve na Expo Arte SP, uma famosa feira de arte em São Paulo.
A estreia internacional foi em outubro passado, na Expo Arte Arizona, da Focus Brasil, em Phoneix. Na ocasião, Augusto foi um convidado especial. Dois meses depois, ele participou da Semana de Arte Basel, que congrega seis feiras de arte que realizadas simultaneamente na cidade de Miami. Ele levou seus quadros para a Red Dot, uma delas, sendo o único com autismo e o mais jovem expositor a participar.
O jovem foi destaque, também, no 1º Congresso Internacional de Autismo realizado na Bahia, no início do mês de janeiro deste ano. À época, seu trabalho foi apreciado pela 1ª dama do Estado de Goiás, Gracinha Caiado. Ele também teve pinturas transformadas em estampa de roupas da Sui Generis Camisaria Feminina, uma marca de Curitiba, cuja dona tem um filho autista também. Ressalta-se, ainda, que ele irá expor na Rio TeAma, agendada para os dias 27 a 29 e março, no Rio de Janeiro. Além disso, ele já tem uma obra selecionada para a Expo Art New York, agendada para 24 e 26 de abril.
Live
Nesta quinta-feira (2), às 19h, Larissa participa de uma live para falar sobre o autismo com o deputado federal Glaustin da Fokus (PSC). Na ocasião, participam, também, o secretário de Estado de Saúde, Ismael Alexandrino e a dupla sertaneja Edy Brito e Samuel.
Augusto, segundo Glaustin, sempre o visita. Em seu gabinete, na Câmara, ele tem duas telas do garoto.
“Depois que conheci o Augusto Mangussi, percebi que o autismo não limita talentos e, aliás, pode até potencializá-los. Ele tem uma forma única de enxergar e interpretar o mundo. Tenho muita admiração por ele e pela família que sempre o estimula. É motivo de grande orgulho saber que o Augusto é um artista reconhecido, com diversas exposições no Brasil e no mundo. Eu tive a honra de ser presenteado com duas telas desse grande artista e, principalmente, com a amizade dele. Augusto é uma inspiração”, afirma o congressista.
Psicóloga
Fernanda Calci, psicóloga, formada em análise comportamental clínica explica que o autismo não é se categoriza como doença. “Ele faz parte de um espectro, pois tem vários tipos e níveis e cada pessoa é do seu jeito. É difícil dizer o que é exatamente, porque não tem causa: se é genética ou ambiental.”
De acordo com ela, trata-se só de um nome para um conjunto de comportamentos. “Não trabalhamos com o autismo. A gente, da análise do comportamento, vai trabalhar com os excessos e os deficit”, explica ao dizer que não existe receita pronta. “É preciso avaliar e a partir disso ver os deficit e excessos.”
Fernanda destaca que, quanto mais cedo o diagnóstico, melhor. “Mas não basta diagnosticar, tem que ir para a intervenção com fundamentação científica.” O resultado dessa intervenção precoce pode ser atingir marcos de crianças típicas, adequados para a idade dela, desta a psicóloga. “A criança é uma esponjinha. Se estimulada desde cedo, é possível minimizar comportamentos inadequados e ampliar os repertórios.”
Acerca das características mais comuns ela pontua: olhar que não foca no outro, estereotipias, ecolalia (repetições vocais) e linguagem (geralmente desenvolvem linguagem mais tarde). “E sem a linguagem, podem surgir muitos comportamentos problemáticos. Por isso é importante trabalhar.”
Questionada sobre a possibilidade de vida normal, ela afirma que não é possível precisar/quantificar quais daqueles diagnosticados no TEA poderiam alcançar isto. Porém, Fernanda afirma que, quanto o antes o diagnóstico e a intervenção, maior é o número daquelas que podem, sim, viver normalmente.