*Amanda Sales é integrante do programa de estágio do convênio entre Ciee e Mais Goiás, sob orientação de Thaís Lobo
Em 2017, Tribunal de Justiça registra apenas dois processos por maus-tratos a animais em Goiás
Apesar do número crescente de casos noticiados na mídia goiana sobre maus tratos de animais,…
Apesar do número crescente de casos noticiados na mídia goiana sobre maus tratos de animais, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) registrou, em 2017, apenas dois processos relativos à prática, em todo o Estado. Neste ano, não há nenhum registro desta ocorrência junto ao órgão.
Os números foram cedidos pelo TJ-GO, após pesquisa no sistema interno do órgão por processos que envolvessem a Lei Federal 9.605, de fevereiro de 1988, em seu artigo 32, que prevê como crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Conforme a constituição, a prática pode resultar em prisão de três meses a um ano, mais pagamento de multa.
O baixo número de processos relativos a maus tratos de animais pode ter várias explicações. Para a presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa Animal da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB/GO), Pauliane Rodrigues Mascarenhas, muitos casos não são denunciados ou chegam às delegacias especializadas sem provas materiais que permitam a investigação.
“O que a gente pode observar é que as vezes essas denúncias chegam até a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) sem prova material, e aí não vai para frente. Há também uma falta de informação da população em não saber como fazer a denúncia. Muitas pessoas postam no Facebook, por exemplo, mas não chegam a fazer o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) na delegacia”, esclarece a advogada.
Para Pauliane, o défict de processos é assustador, sobretudo após ter acompanhado diversos casos que repercutiram na mídia. A advogada acredita que 2017 e 2018 superaram os anos anteriores tanto em quantidade de crimes como em crueldade com os animais. Em uma das ocorrências de maior repercussão, em janeiro deste ano, um homem confessou ter matado e esquartejado uma cadela em Trindade, apenas porque o animal entrou em sua residência. O rapaz foi levado até a delegacia, prestou depoimento, mas foi liberado para responder ao processo em liberdade.
No final do ano passado, outro caso chocou o Estado. Um idoso de 64 anos apareceu em um vídeo matando um cachorro a pauladas. O caso aconteceu na cidade de Palminópolis, cerca de 121 quilômetros de Goiânia. Uma outra gravação de fevereiro de 2018, desta vez no Setor Jaó, em Goiânia mostra quando um homem desce de um veículo Gol de cor vermelha e agride um cão. Testemunhas informaram que passavam pelo local, quando avistaram o animal correndo solto pela rua. O carro foi visto estacionando em seguida. Na imagem dá para ver quando o homem desce do veículo e pega o animal. Segurando o cão pelo pescoço, o homem dá chute e murros no animal.
O titular da Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema), Luziano de Carvalho, contou que, de janeiro de 2017 a fevereiro de 2018 recebeu 389 denúncias de maus-tratos a animais, mas, em muitos casos, como pontuado por Pauliane, não há provas ou evidências que permitam as investigações. O delegado acredita também que há ignorância em relação ao que configura maus-tratos, uma vez que muitas pessoas procuram a Polícia Civil para reclamar de casos de perturbação ao sossego público (pois cães latem e incomodam vizinhos, por exemplo) e mau cheiro, o que nem sempre significa que os animais estão sem condições de sobrevivência.
Plano
Para definir diretrizes e soluções acerca do relacionamento com animais, foi elaborado, em 2014, o Plano de Implantação de Política Municipal de Bem Estar Animal em Goiânia. O grupo de trabalho responsável pela elaboração do documento foi formado por membros da Prefeitura de Goiânia, da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e de outras faculdades, pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV-GO), ONG’s de proteção e contou com a coordenadoria do promotor Juliano de Barros Araújo, do Ministério Público de Goiás (MP-GO).
O promotor, que está à frente da 15ª Promotoria de Goiânia, especializada na defesa do meio ambiente e em urbanismo, explica que a decisão de criar o plano surgiu após diversas representações e ações civis que chegavam ao MP-GO, desde 1997, questionando o modo como o município tratava os animais. Os diversos casos apresentados à promotoria culminaram na criação de um grupo de estudos.
“A partir de 2013 começamos a interceder no município para que essa política de bem estar animal fosse implantada. Essa política é bem ampla, ela diz respeito desde o registro, o controle de natalidade por meio de um programa de castração, a realocação dos animais que estão abandonados seja por adoção, até campanhas de vacinação, chegando no fim que englobaria tudo isso, que seria o oferecimento de um atendimento veterinário público, que ainda não existe”, explica Juliano.
No plano, estão descritas onze metas e seu prazo de aplicação, bem como recomendações de profissionais especializados para praticar tais ações. Os objetivos levantados pelo grupo são: implantar e estruturar a Rede Municipal de Bem Estar Animal; elaborar e Implantar Programa de Controle de Natalidade de Animais Domésticos e Bem estar Animal; regulamentar o comércio de animais de Goiânia; elaborar e implantar o Programa de Registro, Cadastramento e Identificação de Animais Domesticados; atualizar a legislação existente de Proteção e Bem Estar Animal do Município de Goiânia; ampliar a Fiscalização contra maus tratos; elaborar e implantar Programa de Reinserção de Animais Abandonados ou Recolhidos; elaborar e implantar Programa de Educação Ambiental em Bem Estar Animal; implantar Programa de Cuidados Veterinários para animais errantes e população de baixa renda; discutir a criação do Programa de Atenção ao Animal Comunitário; ampliar a Atenção aos Acumuladores.
A advogada Pauliane esteve presente nas discussões do grupo que culminaram na criação do plano e ressalta que muitas medidas ainda não foram colocadas em prática. Nas especificações dos objetivos expostos acima, por exemplo, consta que cabe à Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma), o papel de recolher da rua os animais saudáveis e que não estejam oferecendo risco à população. A Lei Municipal 8566, de outubro de 2007, reforça essa função do órgão.
A bióloga da Gerência de fauna da Amma, Vanessa Carolina de Castro, explicou que em sua estrutura inicial a agência deveria cuidar de animais silvestres apenas, mas que tem se estruturado para atender os domésticos em situação de abandono. “Nós temos nos estruturado para trabalhar nas linhas de marcação (registro dos animais), castração, fiscalização de combate aos maus tratos, tratamento dos animais vítimas de maus tratos”, afirmou.
A bióloga reforça que apenas recolher os animais de rua não é uma medida efetiva, uma vez que muitos possuem tutores, mas que acabam vivendo nas ruas e que em casos de comunidades de gatos, retirar um felino do local faz com que outro o substitua. Nessas situações, Pauliane pontua que deveria se realizar o procedimento conhecido como Ced- captura, esterilização e devolução- ainda não vigente nas práticas do município.
Juliano reconhece também que muitos pontos do plano não foram colocados em prática. Para o promotor o ponto mais crítico no município é a grande quantidade de animais em situação de rua, o que fere as medidas de bem estar animal e configura, inclusive prática de maus-tratos. Além do abandono, o magistrado ressalta que os cães e gatos abandonados podem causar acidentes, mordeduras e podem transmitir doenças.
Educação e conscientização
Pauliane lembra que cuidar dos animais não é papel apenas do Poder Público, mas da sociedade em geral. Mas para que esse cuidado seja efetivo, faltam ações de educação e conscientização, inclusive no sentido de especificar quais comportamentos configuram maus tratos e como proceder nestes casos.
Para promover tais ações, a Comissão Especial de Proteção e Defesa Animal da OAB/GO criou de forma permanente uma campanha digital que explica e orienta a população acerca de maus tratos. Por meio de folders digitais, a campanha dá ênfase a lei 9.605 que pune quem maltrata animais com pena de 3 meses a 1 ano e ainda prevê multa para os infratores.
A campanha alerta ainda qualquer pessoa que presenciar esse tipo de infração pode ligar para a Amma discando 156 ou para a Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema) no número (62) 32012760. As denúncias são feitas de forma anônima.