Em ações isoladas, policiais militares erram e fazem vítimas em 2017
Apesar de o ano finalizar com bons índices na área da segurança pública do Estado, procedimentos considerados desastrosos destruíram famílias goianas
Na Segurança Pública do Estado, diversos fatos que aconteceram ao longo de 2017 foram fundamentais para a mudança na atuação em determinadas situações. O Procedimento Operacional Padrão (POP) — norma para atuação de policiais militares — foi alterado ao menos quatro vezes, desde abril deste ano.
A Polícia Civil também identificou alterações, e fez, para formação de delegados, agentes e escrivães. Casos foram primordiais para essas mudanças, como o do estudante ferido com um cassetete na testa em uma manifestação; o menino morto durante uma invasão à própria residência depois do pai atirar sem saber que os invasores eram policiais disfarçados; o trabalhador assassinado após ser sequestrado em um roubo de veículo, com a cena do crime alterada por militares; extorsões a familiares de traficantes; sequestros e torturas de suspeitos. O Mais Goiás relembra alguns deles.
PROTESTO
Era 28 de abril deste ano. A Greve Geral, organizada por diversas classes trabalhistas pediam, entre outras coisas, a manutenção das leis trabalhistas que, à época, estava sendo debatida pelo Legislativo e Executivo Federal. Os atos iniciaram na porta da Assembleia Legislativa e, em caminhada, seguiram pelas ruas do Centro da capital até a Praça do Bandeirante, onde se cruzam as Avenidas Goiás e Anhanguera. Entre os manifestantes, alguns estudantes usavam camisetas molhadas de vinagre para cobrir os rostos — segundo eles, para diminuir os efeitos causados por gás lacrimogênio e spray de pimenta —, mas a manifestação ainda permanecia pacífica.
Os estudantes mascarados partiram da esquina da Rua 4 em direção à concentração de pessoas. Em dado momento, o estudante de Ciências Sociais (UFG) Mateus Ferreira, 33, vai em direção oposta de outros mascarados que quebraram vidraças de uma agência bancária. Com um cassetete na mão, o capitão da Polícia Militar Augusto Sampaio o atinge na testa. O golpe foi tão forte que o objeto, de madeira e revestido com uma camada de plástico, é quebrado ao meio.
O estudante foi socorrido ao Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), onde ficou quase um mês internado com traumatismo craniano e passou por cirurgias para reconstrução facial. A família dele, de São Paulo, veio para Goiânia, na época. Quando recebeu alta, Mateus disse em entrevista que não guardava mágoas, mas manteria o processo judicial. O militar foi retirado das atividades operacionais e passou a atuar somente na área administrativa da corporação, por determinação do Comando-Geral.
Além do processo administrativo, que iniciou na corregedoria da PM e seguiu para a Justiça Militar, o policial também responde processo na justiça comum por lesão corporal grave.
INVESTIGAÇÃO VELADA
Três policiais militares, sem uso de farda em serviço — a chamada PM2, criada inicialmente para apurar crimes cometidos por militares e que depois passou a investigar crimes comuns — averiguavam um traficante, segundo relatório, no dia 17 de abril, no Residencial vale do Araguaia. Segundo a investigação policial, na casa estava a família do jovem Roberto Campos da Silva, 16, o Robertinho. O pai do menino confirmou que tinha uma arma para defesa própria, e que notou que a casa estava sendo invadida, quando atirou. Os policiais disseram que revidaram o disparo. Pai e filho foram atingidos. Robertinho morreu antes da chegada do socorro. Nenhuma droga foi encontrada no endereço.
A investigação atestou que a cena do crime foi alterada pelos policiais militares. A energia da casa foi desligada antes da entrada deles e as imagens de monitoramento do local, que poderiam esclarecer todo o ocorrido, foram apagadas pelos PMs, segundo a família informou em depoimento. O celular de Robertinho, que teria gravado a ação, foi retirado por militares. A mãe do menino denunciou que o aparelho foi encontrado depois enrolado em um pano, no armário de um dos quartos, sem o chip de armazenamento.
Os militares foram presos em flagrante por homicídio, tentativa de homicídio e invasão de domicílio. A prisão deles foi convertida em preventiva pelo Judiciário. O comando da corporação e o comandante do batalhão que os policiais trabalhavam afirmaram à época não ter conhecimento da investigação. Os três PMs continuam no Presídio Militar do Estado.
ABORDAGENS
Wallacy Maciel de Farias, 24, e Tiago Messias Ribeiro, 31, foram mortos em abordagens mal sucedidas. Segundo os autos processuais, a PM procurava por um homem que rondava casas, mas Wallacy, que não tinha envolvimento com crimes, foi morto em setembro, com tiros à queima roupa no Setor Eli Forte, em Goiânia. Já Tiago estava numa chácara da família quando um menor assaltou o local, em Senador Canedo. Como o criminoso não conseguia dirigir o veículo da vítima, Tiago foi levado de refém. O carro foi abordado minutos depois, no Centro da cidade, e policiais atiraram e mataram autor e vítima do crime. Em ambos os casos houve fraude processual.
Segundo o Boletim de Ocorrência registrado pela PM, os policiais foram acionados para averiguar um suspeito, em um prisma prata. Os policiais avistaram, segundo o registro, em uma rua nas proximidades da ocorrência, um carro com características semelhantes às descritas pelo denunciante. Ao ver os policiais, o motorista teria saído em alta velocidade. Depois de 30 minutos uma equipe fez o cerco do prisma, dirigido pelo jovem de 24 anos, no setor Residencial Canadá, na região sudoeste da Capital.
Durante a abordagem, de acordo com PM, um dos policiais determinou que o suspeito descesse do veículo. O relatório da PM diz que a vítima teria feito menção de tirar algo da cintura e nesse instante o policial temeu a ação do suspeito e efetuou um disparo em sua direção. O rapaz acabou sendo atingido no peito. Ele não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
Ainda segundo o relatório da PM, uma arma foi encontrada na mão direita de Wallacy — ele era canhoto; a polícia disse que ele estava com porções de maconha e crack no carro — a família contesta e diz que a vítima não usava drogas. Os policiais respondem processo na corregedoria da Polícia Militar e na justiça comum.
Já Tiago Messias Ribeiro estava com a esposa e familiares numa chácara que mantém em Senador Canedo. Tudo aconteceu em novembro. Um menor de idade invadiu o local, deu voz de assalto e quis levar o carro da empresa que Tiago trabalhava. O menor não conseguiu dirigir, e exigiu que Tiago levasse o carro para ele, na fuga. A esposa denunciou o crime e deu as características do marido, por telefone, à polícia, indicando que Tiago estava conduzindo o carro.
Minutos depois, nas ruas do Centro da cidade, o veículo foi fechado por viaturas, em um cruzamento. Os policiais militares, durante a abordagem, atingiram com tiros o autor e a vítima. Thiago ainda foi colocado no porta-malas de uma das viaturas e levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas a viatura capotou a caminho. Só então foi acionado um resgate médico, mas Thiago não resistiu.
Os policiais fraudaram a cena do crime, efetuando disparos de dentro para fora do veículo, o que caracteriza a tentativa de mudar o resultado final da perícia técnica e da investigação policial. Eles foram presos a pedido da corregedoria da Polícia Militar. A justiça comum reiterou o mandado de prisão. A defesa dos policiais tentou impetrar Habeas Corpus, mas não teve sucesso. Os militares estão no Presídio Militar de Goiás.
ABUSO
O abuso de autoridade de um policial militar que parou o veículo particular para abastecer em um posto, mas notou estar sem dinheiro para pagar pelo combustível também foi noticiado pela mídia goiana. Um soldado da PM foi gravado em Abadia de Goiás, após abastecer R$ 20 em um posto de combustíveis e querer sair sem pagar. O frentista, que foi xingado e ameaçado, gravou toda a ação e impediu a saída do militar sem fazer o pagamento.
“Sou ladrão não, vagabundo. Você está achando que vou te dar um cano de 20 conto?”, disse o policial na gravação. O militar empurra e ameaça “partir a cara” do frentista. Só depois de toda a confusão, registrada por câmeras de monitoramento e pelo celular da vítima, o soldado pede a máquina de passar cartão. O pagamento foi feito no débito. A corregedoria apura a situação e afastou o militar do serviço operacional. A Polícia Civil abriu uma investigação e já ouviu os envolvidos. O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público, para fazer denúncia ao Judiciário.
CONFUSÃO
Um policial militar foi investigado por tentativa de homicídio. Ele estaria embriagado, segundo testemunhas, quando atingiu um jovem na cabeça, em setembro passado. O rapaz estava com amigos em um carro e retornava de uma igreja. Marcos Henrique Rodrigues dos Santos, de 22 anos, ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hugo, mas sobreviveu e se recuperou, com sequelas. Na época da investigação, havia indícios que apontavam para que o policial estivesse embriagado. O Ministério Público ofereceu denúncia ao Judiciário. Ainda não há sentença do caso.
Outro jovem, João Lenon de Freitas Oliveira, de 26 anos, também ficou gravemente ferido após ser baleado por um coronel da Polícia Militar, na Avenida 85, no Setor Marista, em Goiânia. O caso aconteceu em novembro. Na ocasião, a PM informou que o coronel Sérgio Ricardo Caetano estava de folga no dia do ocorrido, em seu carro particular e usando uma arma própria, por isso, não há crime militar.
Segundo o boletim de ocorrência da Polícia Civil, o coronel compareceu à Central de Flagrantes logo após o fato e alegou que atirou em João por achar que estava sofrendo uma tentativa de assalto. O homem estava com um amigo no carro quando foi baleado. Este colega teria dado tapas na lataria do carro do policial.
João Lenon ficou internado por vários dias na UTI, mas conseguiu sobreviver. O PM está sendo investigado pela Polícia Civil.
EXTORSÃO
Em dezembro, um policial militar e um ex-agente penitenciário foram presos em flagrante por extorquirem família de um indivíduo envolvido com o tráfico de drogas. O Cabo Alexandre Branquinho de Oliveira, lotado na Assistência do Tribunal de Justiça de Goiás, e Pedro Ivo Camargo Rodrigues foram detidos no momento em que iriam se encontrar com familiares do traficante para exigir dinheiro.
A dupla foi presa após a PM receber denúncias de que os policiais estariam extorquindo a família de um indivíduo envolvido com tráfico, e que os dois autores haviam marcado de buscar mais uma parte dos valores combinados. Então, o Serviço Inteligência da PM do Estado de Goiás e o Batalhão de Rotam se mobilizaram e se deslocaram até o ponto de encontro.
No local marcado pelos supostos policiais militares, segundo a PM, os suspeitos foram identificados e reconhecidos por todas as vítimas da extorsão. Além disso, na casa dos envolvidos foram apreendidos uma televisão que havia sido tomada da família, munições, os telefones utilizados pra entrar em contato com os familiares, anabolizantes e o veículo que era utilizado como suposta viatura.
Os dois foram conduzidos até a Central de Flagrantes, onde o policial militar foi autuado por extorsão. O ex-vigilante penitenciário, além da extorsão, foi autuado também por falsidade ideológica e posse de munições.
Em nota, a Polícia Militar afirmou que não compactua com desvios de condutas, sendo que administrativamente o policial envolvido pode ser alvo de procedimento administrativo que pode culminar com a seu desligamento da corporação.