Em crise, Hospital Araújo Jorge pode suspender os transplantes de medula
Presidente da entidade que gere a unidade clama por apoio popular para obter aporte do poder público
O Hospital Araújo Jorge, referência no tratamento do câncer em Goiás, pode interromper a realização de transplantes de medula nas próximas semanas. A grave crise que a unidade enfrenta pode forçar o fim dos serviços, que geram um déficit de cerca de R$ 500 mil por mês.
A atual situação do hospital, que é gerido pela Associação de Combate ao Câncer em Goiás (ACCG), é o resultado do atual contexto econômico do País somado a entraves burocráticos com a Prefeitura de Goiânia. Como uma unidade privada com fins filantrópicos, cuja maior parte da receita (85%) é proveniente do Sistema Único de Saúde (SUS), os desafios do hospital sempre foram expressivos, mas nem sempre a unidade esteve nas condições que se encontra hoje.
“Nós temos vários setores que são superavitários, que dão lucro, onde o valor que o SUS paga pelos procedimentos é igual ou superior aos gastos com os pacientes”, explica o presidente da ACCG, Paulo Moacir de Oliveira Campoli. “Já outros setores são deficitários, dão prejuízo, já que o valor tabelado pelo SUS é menor que o realmente gasto. Então com isso nós conseguíamos manter a balança equilibrada”, complementa.
De acordo com ele, a atual situação financeira do país provocou abalos significativos no balanço econômico do hospital. Os aumentos nos preços do combustível, da energia elétrica e principalmente do dólar – que provoca incremento nos custos de diversos medicamentos que são cotados na moeda – fizeram com que setores que antes eram superavitários passassem para o outro lado da balança. Da mesma forma, os que já causavam prejuízo começaram a impactar ainda mais as finanças da unidade, que desde o início do ano sofre perdas de cerca de R$ 1,3 milhão por mês.
Desse montante, os maiores déficits são causados por quatro setores: oncologia pediátrica, pronto-socorro, UTI e o transplante de medula. Somente este último é responsável por perdas de aproximadamente R$ 500 mil.
“O transplante de medula custa hoje cerca de R$ 120 mil e nós fazemos uma média de quatro ou cinco procedimentos do tipo por mês”, relata o presidente. “O SUS não atualiza sua tabela desde 1999 e, com isso, a remuneração que eles passam é de R$ 23 mil por cada transplante, o que dá uma diferença de quase R$ 100 mil.”
Por conta da grande disparidade, o setor é o primeiro da fila para ser encerrado caso a situação se complique ainda mais. “Estimo que mais um mês dessa forma e vamos precisa fechar o transplante”, lamenta Campoli, citando que já está havendo atrasos no pagamento de funcionários e fornecedores.
Para além das questões financeiras, a crise pode trazer também enormes prejuízos humanos. “Em Goiás, somente o Araújo Jorge faz transplante de medula. Atendemos também pessoas da região Norte e de Mato Grosso. E não interessa se são poucas pessoas [que passam pelo procedimento], não interessa o porcentual. O que interessa é o indivíduo”, pontua Campoli.
Retenção de recursos
Essa não é a primeira crise pela qual passa o Araújo Jorge. Em 2012, uma operação do Ministério Público de Goiás (MPGO) desbaratou um esquema de desvio de dinheiro dentro da unidade. Diretores, empresários e funcionários estavam entre os 16 denunciados pelos crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
O processo levou a uma reestruturação completa na direção do hospital e provocou prejuízos econômicos que levaram anos para serem sanados. Porém, com o apoio do governo estadual, a entidade conseguiu se reerguer. “Depois que a antiga diretoria foi deposta, uma nova assumiu e recebeu o apoio do governo estadual. Essa gestão começou a reestruturar o hospital e colocou para funcionar de uma forma melhor do que estava”, afirma Campoli.
Ainda naquele ano, o governo estadual fechou um convênio que foi fundamental para que a ACCG pudesse continuar a executar suas atividades. Com o aporte de R$ 500 mil por mês, pagos pelo período de um ano, o Araújo Jorge encontrou condições para poder continuar operando.
Entre 2013 e 2015, porém, o hospital se manteve sem o apoio financeiro do Estado, que só veio a fechar um novo convênio no início deste ano. “O Estado sempre contribuiu muito com a ACCG. Agora, em 2016, nós demonstramos os bons resultados da atual gestão e foi feito um novo convênio no valor de R$ 800 mil por mês”, revela Campoli.
O recurso, ainda que insuficiente para possibilitar o saldo positivo nas contas do hospital, poderia garantir um respiro e, quem sabe, a continuidade de suas operações de forma plena por tempo indeterminado. Mas a diretoria acabou se deparando com um novo problema.
Além das questões de financeiras habituais, o hospital ainda passa por entraves relacionados ao repasse de valores. Como a entidade é ligada ao município de Goiânia, todos os repasses direcionados ao hospital passam pela prefeitura. E a administração municipal estaria retendo os valores que deveriam ser utilizados para a compra de insumos e pagamento dos funcionários do hospital.
“Esse tipo de coisa é recorrente. Neste mês, por exemplo, a prefeitura reteve os honorários direcionados ao médicos que atendem pelo SUS em Goiânia. Isso não só no Araújo Jorge, mas na cidade inteira”, relata Campoli. “Não é algo incomum.”
Sobre isso, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) encaminhou uma nota à imprensa nesta terça-feira (2/8) anunciando que os recursos provenientes do Estado estão seguindo trâmite legal para serem repassados ao Hospital Araújo Jorge e devem ser repassados ainda nesta semana. Conforme a secretaria, o secretário Fernando Machado explica que “não se pode atropelar todo um trâmite burocrático legal com risco de se cometer improbidade nos atos de repasse”.
Mas o presidente da ACCG destaca que a ação da prefeitura não é exatamente o que ela faz aparentar ser. “Esse recurso é originário do governo do Estado, não é da prefeitura, e está retido há mais de um mês. Nós estávamos cobrando a liberação”, diz. “Há duas parcelas retidas na prefeitura. Com essa pressão que está acontecendo, eles resolveram tomar essa atitude agora.”
Em vistas das dificuldades, Campoli clama à sociedade que apoie a ACCG na busca pelo aporte do poder público. “Em 2012, os problemas eram internos e nós corrigimos as distorções. Agora é uma crise nacional e nós estamos limitados, amarrados. Precisamos demais da pressão popular, porque essa é uma situação que só o poder público pode resolver”, ressalta o presidente da entidade.
Para publicizar o respaldo popular à causa, a ACCG lançou nesta segunda-feira (1º/8) um abaixo-assinado direcionado à Secretaria Municipal de Saúde, à Secretaria Estadual de Saúde, ao Ministério Público de Goiás e ao Ministério Público Federal pedindo apoio para conter a crise. Na noite desta terça-feira (2/8), faltavam menos de 80 assinaturas para que a petição alcançasse sua meta de conseguir 500 apoiadores.
“Se nada for feito, teremos que suspender os transplantes de médula óssea e não quero isso de jeito nenhum. É uma coisa horrorosa um médico ter que virar as costas para um paciente”, ressalta Campoli. “A sociedade tem que pressionar.”