Em Formosa, padres eram intimidados por bispo e juiz eclesiástico para não contar sobre desvios
Desde que surgiram as denúncias contra a falta de transparência na prestação de contas do…
Desde que surgiram as denúncias contra a falta de transparência na prestação de contas do dinheiro arrecadado pelas paróquias e destinadas à cúria arquidiocese de Formosa, alguns padres vêm sofrendo perseguições e retaliações por parte do bispo Dom José Ronaldo, de Formosa, e do Juiz Eclesiástico Thiago Venceslau, de São Paulo, segundo informou o Ministério Público de Goiás durante coletiva de imprensa que ocorreu na tarde desta segunda-feira (19). Esse seria o motivo pelo qual, mesmo suspeitando dos desvios, os sacerdotes não denunciavam o esquema de recursos da igreja.
Em operação realizada nesta segunda-feira (19), nove pessoas da Igreja Católica de Formosa foram presas. Entre os detidos estão o bispo Dom José Ronaldo Ribeiro, o vigário geral, monsenhor Epitácio, quatro padres e três servidores administrativos. Eles são acusados de desvio de dinheiro proveniente de dízimos, doações, taxas de batismo, casamento e de arrecadações festivas.
De todo dinheiro arrecadado pelas paróquias, 10% proveniente de taxas de casamentos, batismos, dízimos e 15% referente ao arrecadado em festejos eram destinados à cúria para custeio das despesas da igreja e realização de projetos sociais. Mas, segundo as investigações, o dinheiro era desviado para contas pessoais dos párocos por meio de transferências bancárias ou em espécie. A arrecadação média da diocese girava em torno de R$ 17 milhões por ano e estima-se que, do ano passado para cá, cerca de R$ 1 milhão tenha sido desviado.
Apreensões
Durante a operação foi apreendida uma grande quantidade de dinheiro em posse dos suspeitos, além de coleções de relógios, produtos eletroeletrônicos e veículos. Para a lavagem de dinheiro, alguns compraram gados e até uma lotérica em Posse.
Na conta pessoal do padre Waldson José de Melo foi encontrado o valor de R$ 400 mil. Com o padre Epitácio, hoje foi encontrado uma soma representativa superior a R$ 70 mil que estavam escondidos em um armário com fundo falso, isso depois de alegar aos policiais que não havia dinheiro em sua posse.
Esquema
O sistema adotado pelos padres era o de receber o dinheiro e não registrar nas contas da igreja. Eles chegavam a utilizar da inocência e confiança dos fiéis e administradores do dinheiro que, muitas vezes, não emitiam o comprovante do valor entregue. O contador da igreja chegou a elaborar declarações assinadas pelos religiosos para documentar que o dinheiro dava entrada, mas não era sabido para onde ele ia e, por isso, não constava na saída do caixa da arquidiocese.
Como forma de intimidar os padres e abafar o escândalo, eles eram chamados para reafirmar o apoio ao bispo. Em uma reunião com Dom José Ronaldo e o juiz Eclesiástico Thiago, eles deveriam fazer um juramento de fidelidade ao bispo, onde deveriam responder se estavam com ou contra ele. Durante essas reuniões, eles apresentavam um documento falso com as contas que estavam sendo questionadas apontando que não havia desvio e o episódio estaria superado. Posteriormente, a própria contabilidade desmentiu a informação.
“Gostaria de deixar claro que a Igreja Católica é vítima! Não está sendo imputada à Igreja e aos demais padres, que são pessoas vocacionadas, que me procuraram e falaram que a vocação é ser padre e se fizesse a denúncia iria sofrer perseguição e retaliação”, afirma o promotor Douglas Chegury, um dos responsáveis pela investigação.
De acordo com o promotor, alguns párocos identificavam o esquema e acabavam fazendo para eles também. E em outros casos, os padres que queriam permanecer em suas paróquias deveriam pagar uma espécie de mesada ao bispo, conforme relatos.
Como as investigações estavam em curso, os padres foram intimados a depor, paralelamente a uma medida de interceptação telefônica judicialmente autorizada, onde foi identificado o sistema dos desvios.
Os suspeitos devem ser indiciados por associação criminosa, apropriação indébita, lavagem de dinheiro, entre outros crimes. O promotor de Justiça acredita que até sexta-feira (23) sejam feitas as oitivas com os padres, que agora se sentem mais livres para falar, uma vez que os investigados estão presos. Também serão analisados outros documentos que foram apreendidos.
A operação
Deflagrada na madrugada desta segunda-feira (19) pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO), a operação Caifás cumpriu 13 mandados de prisão e 10 de busca e apreensão em três municípios de forma simultânea, sendo nove de prisão e cinco de busca e apreensão em Formosa; três de prisão e quatro de busca e apreensão em Posse; e um de prisão e um de busca e apreensão em Planaltina.
Foi decretado pedido de prisão temporária e de busca e apreensão para os seguintes investigados: Epitácio Cardozo Pereira (Vigário-geral Monsenhor), José Ronaldo Ribeiro (Bispo Diocesano), Duílio Rodrigues Menezes (Secretário de Mitra), Guilherme Frederico Magalhães (Secretário de Mitra), Moacyr Santana ( Padre), Mário Vieira de Brito (Padre), Thiago Venceslau (Juiz Eclesiástico) Antônio Rubens Ferreira, Pedro Henrique Costa Augusto, Edimundo da Silva Borges Junior, Waldson José de Melo (padre).
O nome da operação é uma referência ao bispo de Israel, Caifás, que participou do julgamento de Jesus, no Supremo Tribunal dos Judeus, após tê-lo prendido no Jardim de Getsêmani. Diante de Caifás, Jesus foi acusado de blasfêmia e foi entregue ao governador romano Pôncio Pilatos, por quem Jesus também foi acusado de motim contra Roma.