Em três anos, 19,5 mil casamentos homoafetivos foram registrados em cartórios no Brasil
Apesar de permitidos desde 2013, Goiás só registrou casamentos a partir de 2015. Especialistas afirmam que possibilidade enfrenta desafios e dificuldades, podendo contribuir para que casais protelem decisão
Da a edição da Resolução 175, em 2013, em que o Conselho Nacional de Justiça permitiu o casamento entre pessoas de mesmo sexo nos cartórios, até 2016, foram registrados 19.523 vínculos formalizados no Brasil. Os dados são de levantamento do CNJ com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais, no último período avaliado, indicam uma tendência de queda dos matrimônios homo e heterossexuais. No entanto, apesar de o público LGBT ter conquistado o direito de se casar civilmente, a celebração ainda esbarra em aspectos culturais, como preconceito e desinformação, a serem superados.
Embora a estatística nacional aponte para quase 20 mil casamentos no período, a realidade local é bem mais tímida. Segundo o levantamento, no Centro-Oeste, nenhum casamento foi registrado nos dois anos após a permissão. Os primeiros foram anotados em 2015, que considerou o total de 215 uniões entre mulheres e outras 188 entre homens. Comparados com os números de casamentos heterossexuais (96.168), por exemplo, os matrimônios homo afetivos representam apenas 0,41%. Em 2016, o Centro-Oeste obteve 251 casamentos entre mulheres e 183 entre homens, contra 93.634 de pessoas de sexos distintos.
Enquanto isso, em Goiás, em 2015, foram formalizadas 95 uniões entre mulheres e outras 95 entre homens, sendo que a Capital concentrou 70% das iniciativas. No ano seguinte, que experimentou uma redução geral no número de casamentos, Goiás obteve 91 uniões de mulheres e 75 de homens, dos quais 34,33% ocorreram em Goiânia.
Contexto análise
De acordo com a gerente da Diversidade Sexual, da Secretaria Cidadã, do governo estadual, Maria Rita Medeiros Fontes, a população LGBT enfrentou obstáculos no início da permissão. “Houve um período muito grande entre a resolução do CNJ e a orientação para os cartórios. Muitos, no pricípio, não aceitavam realizar as cerimônias, muita gente que foi procurar recebeu informação de que isso não existia. Então, os dois primeiros anos foi de muita resistência e preconceito”.
Para ela, na época da publicação da resolução, existia uma demanda reprimida muito grande de casamentos, mas o número, que poderia crescer, vem diminuindo, como mostram os números de 2015 e 2016. Maria Rita afirma, diversos aspectos podem influenciar a decisão desses casais.
“Além das prioridades pessoais e questões financeiras que envolvem um casamento. Há pressões como preconceito que fazem as pessoas ponderarem sobre oi assunto. A discriminação que precisa ser enfrentada pelas pessoas que está a ponto de assumir um relacionamento exige uma estrutura de vida para que isso culmine, de fato, em formalização. Por mais que existam as dificuldades, enxergo como natural a quantidade de casamentos realizados no período, pois a tendência é que a quantidade venha a estacionar”, reflete.
Direito
De acordo com a advogada e membro da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB, Chyntia Barcellos, os dados fazem jus a evolução de um direito que passa a ser consolidar a partir dos anos. “Não houve grande registro em 2013, mas nacionalmente, em 2014, pessoas que constituíam a demanda reprimida passaram a formalizar. No entanto, uma das dificuldades ainda enfrentadas é a falta de informação sobre a possibilidade de casamento para pessoas do mesmo sexo”.
Características culturais também contribuem contra a formalização. “Goiás, por exemplo é um estado muito conservador. Então o preconceito é um fator que influi, principalmente em relação às famílias. Muitos optam por não formalizarem o matrimônio por receio da resistência dos familiares. Esse processo vem caminhando, mas, sem dúvidas, a LGBT fobia ainda é crescente e pode afetar a vontade de casarem. No entanto, mas só a possiblidade é um avanço significativo na sociedade brasileira”.
Sobre a redução. Chyntia afirma que este indicador pode também recebe influências econômicas. Para ela, além das questões sócio-culturais, a crise financeira pode ter contribuído para a redução. “As pessoas evitam gastos, se unem mais informalmente para depois formalizarem o casamento. São reflexos gerais da sociedade em razão do momento que pelo qual estamos passando”.
Apesar de todos os entraves, a especialista afirma que a dificuldade citada pro Maria Rita não existe mais. “Hoje não existe mais dificuldade. Isso foi mesmo no início. Falta mesmo informação, inclusive nos próprios cartórios, onde também não há pessoas preparadas para receber casais homossexuais. Mas isso tem mudado, afinal, é um processo. Tudo é muito recente. São cinco anos de possibilidade contra séculos de discriminação. Essa é uma cultura que precisa caminhar e já representa um senso de dignidade imensurável para o País”, reforça.
Formalização
A servidora pública Elaine Gonzaga (42) assinou contrato de união estável com a cozinheira Maura da Silva (49) em 2013, antes da publicação da resolução do CNJ. Segundo ela, não tinha condições de esperar na época, mas afirma ter celebrado a possibilidade de casamento disponibilizada meses depois.
“A gente sempre ficou na esperança de que esse direito sairia. Estava na pauta do STJ, mas não podíamos aguardar e estabelecemos a união estável mesmo. Foi tranquilo, não tivemos objeção do cartório, mas, na época, havia um juiz em Goiás que militava contra. Acredito que o maior problema, na época era no Judiciário”.
Após mais de cinco anos de união, ela revela que a intenção é converter a modalidade em casamento, mas ainda é preciso um planejamento financeiro. “Temos a vontade, mas quando formos fazer, teremos que fazer festa e não é uma coisa barata. Por isso não acho que os números da pesquisa sejam tão baixos, pessoas estão se adequando e avaliando, pensando se vale a pena, por que também gera muita exposição”.
Segundo Elaine, o preconceito é um grande obstáculo a ser enfrentado por quem deseja se casar. “Aumenta a exposição. Muitas vezes, tem medo de fazer casamento e a família não comparecer. Isso é muito dolorido. Uma prima mesmo se casou e ninguém foi. Clima de velório para nós. É difícil tomar essa decisão, porque queremos união da família. Então talvez esse seja um motivo para as pessoas protelarem as decisões.
A redação tentou contato com a Associação de Titulares de Cartórios de Goiás (ATC Goiás), mas as ligações não foram atendidas.