Empregadas domésticas temem vírus, mas são maioria entre usuários de ônibus na Capital
Sob risco de passar fome, elas se veem na obrigação de trabalhar enfrentando risco de contaminação na lotação do transporte público metropolitano de Goiânia
Sem auxílio e com medo, empregadas domésticas enfrentam aglomerações ao utilizarem o transporte coletivo de Goiânia. As trabalhadoras alegam que, mesmo com o decreto de isolamento social, precisam trabalhar para sustentarem a casa e filhos. Uma pesquisa realizada pela Redemob em toda a rede de transporte de coletivo da região metropolitana apontou que mais da metade dos passageiros se deslocam pela região para trabalharem em atividades não essenciais.
As empregadas domésticas são a maioria desses trabalhadores, representando mais de 25% dos usuários de ônibus. Grande parte sai de bairros da periferia e vai para lugares com maior poder aquisitivo, como o Setor Central e Setor Bueno.
Deslocamentos
Selma*, explica que mesmo com a pandemia e com o decreto de isolamento, trabalha em seis casas diferentes como empregada doméstica durante o dia. Durante a noite ela ainda cuida de idosos.
Segundo a trabalhadora, ela nunca conseguiu ter acesso ao auxílio emergencial e se vê, desde o ano passado, obrigada a correr o risco da contaminação para não passar fome.
“Da primeira vez eu fiquei em casa só 15 dias e só não passei fome porque recebia cestas básicas de amigos. Na época, um dos meus chefes me dispensou porque eu não podia ficar dormindo na casa de um idoso que eu cuidava”, explica Selma.
Medo
A empregada doméstica e babá Maria Aparecida*, diz que pega ao todo seis ônibus por dia e sente diariamente o medo de se contaminar. “Da primeira vez eles me dispensaram e eu pude ficar em casa, mas dessa vez eu preciso trabalhar. Mas não é porque eu quero não, eu morro de medo!”, diz ela.
A exposição diária e constante das mulheres resulta em contaminação, muitas vezes, não apenas durante o trajeto de ir até as casas que cuidam, mas também por conta do contato com os chefes.
Em março de 2020, a primeira morte no estado do Rio de Janeiro gerou discussão nas redes sociais. Isso porque, a vítima era uma empregada doméstica, que não parou de trabalhar durante a pandemia e se contaminou através da chefe, que havia voltado de viagem da Itália poucos dias antes.
A diarista Susana* conta que um de seus chefes continuou a pagando pelo serviço, mesmo que ela não fosse. Contudo, não era suficiente e ela precisava cuidar de outras casas para se sustentar.
“Sou muito grata, porque ele [ o chefe] sabia que me faria falta já que eu trabalho por dia. Mas, sinto medo por precisar continuar saindo todos os dias para o trabalho, os ônibus continuam muito cheios”, desabafa.
Aglomeração
Uma decisão judicial determinou que os ônibus devem transportar todas as pessoas sentadas, o que ainda não se tornou realidade. O diretor executivo do Consórcio, Leomar Avelino, explicou que atualmente há um ‘esforço gigantesco’ para cumprir a medida.
“Toda a frota disponível está rodando. Foram colocados 220 ônibus a mais, mas essa determinação é tecnicamente impossível. Para atendermos isso, precisaríamos de 2 mil ônibus a mais”, explicou o diretor.
Além de mais frotas, fiscais da Vigilância Sanitária e da Guarda Municipal Metropolitana têm ido aos terminais e pontos de ônibus para garantir que as aglomerações não aconteçam. Porém, a empregada doméstica Selma revela que isso só acontece nos primeiros horários do dia. Enquanto ônibus saem dos terminais apenas com passageiros sentados, outros chegam lotados, principalmente nos horários de pico.
Trabalho essencial
Para conter a disseminação da Covid-19 na Grande Goiânia, o governo estadual e os prefeitos determinaram que apenas trabalhadores dos serviços essenciais vão poder usar os terminais e os ônibus em horário de pico, a partir desta terça-feira (23). Para entrar nos terminais e coletivos, esses trabalhadores precisam preencher um cadastro no site da RMTC.
Na opinião das entrevistadas, mesmo não sendo considerado um serviço essencial, elas não podem parar de trabalhar, já que é por meio do trabalho pago diariamente que elas sobrevivem. “Eu ainda nem sei como vou fazer, porque ouvi falar disso apenas no terminal e não pensei numa solução. Preciso trabalhar para pagar as contas, pra mim todo serviço é essencial”, afirma Selma.
Já Susana, diz que vai contar com a ajuda do marido para levá-la de moto por uns dias para as casas onde trabalha. Mas na volta, deve continuar usando o transporte coletivo fora do horário de pico. “Claro que vai afetar a gente né? Temos horários, queremos chegar cedo na nossa própria casa, cuidar dos nossos filhos. Mas, a gente vai controlando até ver como que faz”, diz ela.
*A fim de proteger a identidade das entrevistadas, todas tiveram seus nomes modificados para nomes fictícios.