Especialistas dizem ser ‘previsível’ defesa culpar vítima em casos de violência contra mulher
Na noite desta quinta-feira (30), o ex-servidor público Felipe Gabriel Jardim Gonçalves prestou depoimento à…
Na noite desta quinta-feira (30), o ex-servidor público Felipe Gabriel Jardim Gonçalves prestou depoimento à Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) por suspeitas de crime de abuso psicológico e ameaça contra a ex-namorada, Kênnia Yanka. A defesa de Felipe acusa a mulher de ser ‘possessiva e ciumenta’, além de afirmar que ela ameaçou o rapaz de morte caso não reatasse com ela. Na visão do advogado, Júlio Brito, o estresse das brigas teriam desencadeado em Felipe um surto psicótico, que o levou a matar o pai de Kênnia, João do Rosário Leão.
A delegada do caso, Cybelle Tristão, acredita que o relacionamento de Felipe e Kênnia era abusivo e que as brigas do casal tiveram influência direta no homicídio de João, na última segunda-feira (27). Isso porque, João denunciou Felipe à polícia por ameaçar a filha. Ao descobrir isso, o rapaz se revoltou e matou o ex-sogro com um tiro na cabeça.
Em áudio enviado ao Mais Goiás, o advogado de Felipe afirmou que cliente tem transtornos psicológicos e faz acompanhamento com uma neurologista desde o 5 anos.
A reportagem procurou a neurologista citada pela defesa. Em respota, a assessoria jurídica da médica disse que, por uma questão ética e de sigilo, não pode revelar o prontuário do paciente. No entanto, revelou que a última consulta de Felipe aconteceu quando ele tinha 14 anos.
O Mais Goiás vai manter a identidade da médica em segredo.
Unânime
Em entrevista ao Mais Goiás, seis advogadas criminalistas e, entre elas, especialistas em casos de violência contra a mulher, foram unânimes em dizer que a estratégia de culpar as mulheres por suas relações abusivas e pelos crimes que sofreram é bastante comum nas defesas de causas cíveis ou criminais.
Com essas estratégias, os advogados tentam provar que seus clientes homens não são culpados por seus atos, porque foram “tentados” pelas mulheres. Na visão das especialistas, através disso, passa a ocorrer uma distorção dos fatos, que revitimizam as mulheres.
Darlene Liberato, que atuou como advogada voluntária no Centro de Valorização das mulheres por 30 anos, argumenta que chega a ser ‘previsível, ardiloso e trivial’ esse método de defesa. Entre as consequências disso, segundo ela, está o enfraquecimento emocional e psicológico das vítimas.
Por quê culpar a mulher?
No que diz respeito ao caso específico de Felipe Gabriel, a secretária geral da comissão de direitos humanos da OAB, Isadora Costa Correa, afirma que não basta a defesa do rapaz dizer que ele possui transtornos psicológicos, mas sim provar que eles existem, através de um exame.
“Não basta que afirmem que a mulher deu causa ao crime, como diz a defesa do Felipe, que ela ameaçava que o pai iria matá-lo etc, tudo isso precisa ser provado por eles.”, afirma.
A presidente da comissão de direito criminal da OAB, Bartira Macedo, concorda com essa afirmação. Ela ainda explica que, uma das formas de uma pessoa provar que vivia em uma relação abusiva, é através de uma perícia psicológica.
“Uma perícia psicológica poderia esclarecer isso. Mas, se a tese da defesa é a inimputabilidade do réu por doença mental [ surto psicótico ], estamos diante de uma alegação que se resolve por exame de sanidade mental. Não é uma questão de achismo ou de retórica. Então, porque razão a defesa se empenha tanto por responsabilizar a vítima?”, analisa Bartira
Provar que é vítima
As especialistas alegam que Kênnia e outras mulheres vítimas de violência podem provar que viveram em relações de abuso. Entre as formas viáveis estão prints de conversas de redes sociais (instagram, facebook e outros), testemunhas, áudios, vídeos, psicólogos e médicos.
“Os abusos geralmente são difíceis de serem comprovados, uma vez que geralmente ocorrem quando vítima e agressor estão sozinhos. Entretanto a palavra da vítima tem bastante peso e, em situações mais abertas, por meio de mensagens, vídeos, áudios, testemunhos de terceiros e etc, é possível provar”, afirma a advogada especialista em penal e processo penal e constitucional, Cassia Castro.
E Kênnia?
A delegada Cybelle Tristão afirmou em entrevista coletiva que, tanto Kênnia, quanto o suspeito trocam acusações.
Desde que teve o pai assassinado, Kênnia tornou público conversas e até um vídeo que mostram que Felipe, inicialmente se apresentava como uma ‘pessoa maravilhosa’, mas depois ‘se tornou um monstro’, com comportamentos agressivos. Ela, inclusive, tinha medo de terminar com ele por isso.
Em uma das gravações expostas pela vítima, cerca de 15 dias antes do crime, Felipe afirma que iria matar todo mundo que ‘mexesse com ele’, inclusive o enteado, que tem apenas 4 anos de idade. Além disso, logo depois do homicídio, Felipe enviou mensagens à Kênnia. “Matei seu pai. Falei pra não acabar com a minha carreira“, afirma ele.
Familiares e outras pessoas próximas a Kênnia também confirmaram a versão dela de forma pública.
Também vale lembrar que Felipe responde a outros três processos de ameaças e crimes contra a mulher no sistema judiciário goiano. Um deles, de janeiro de 2021, é referente a uma mulher com quem ele se relacionou por seis meses, que conseguiu medidas protetivas contra ele, baseadas na Lei Maria da Penha.
Informações da Polícia Militar (PM) apontam que esse pedido aconteceu porque, Felipe teria agredido a mulher após uma festa, por uma crise de ciúmes.