De quem é a culpa?

Falta de atendimento primário ofertado pelos municípios sobrecarrega HMI, afirma pediatra

Apesar de ser referência em atendimento de média e alta complexidade, cerca de 70% dos pacientes atendidos em 2018 estão fora do perfil de assistência do Hospital

Filas enormes. Horas de espera. Descaso. Essas são algumas das reclamações de quem precisa de atendimento no Hospital Materno-Infantil (HMI), referência no Estado na assistência especializada de média e alta complexidade. Apesar disso, a unidade tem atendido casos de baixa complexidade e básico de saúde, serviços que, segundo a presidente da Sociedade Goiana de Pediatria (SGP), Marise Helena Cardoso, representam o caos enfrentado pela unidade. Estatísticas de atendimento ilustram as dificuldades.

O HMI possui atualmente 175 médicos relacionados à assistência pediátrica e dispõe de 28 leitos de internação. Outros 10 leitos devem ser ativados na unidade em 60 dias. Porém, devido aos casos complexos, o tempo de internação aumenta, o que reduz o giro de leitos e faz com que haja a superlotação com pacientes internados na sala vermelha, na observação e demais áreas do pronto socorro pediátrico, explica a assessoria da unidade. Enquanto isso, o Hospital funciona em regime de “porta aberta” e absorve pacientes de baixa complexidade de diversos municípios. Para se ter uma ideia, apenas de Goiânia, os pacientes fora do perfil representaram cerca de 70% dos atendimentos em 2018.

Em tese, a responsabilidade pela assistência primária, casos com menos urgência, é dos municípios. Na prática, porém, a realidade é diferente. Desde 2014, grande parte dos atendimentos feitos no hospital se refere à pacientes com a classificação verde e azul, ou seja, pouco e não urgente, respectivamente. No ano em questão, de 51.197 pessoas atendidas, 30.710 estavam na classificação citada. Em 2015, de 54.368 pacientes, eram 32.490 verdes ou azuis. Em 2016, esse número chegou a 38.515 de um total de 59.945 atendimentos. No ano de 2017, a unidade atendeu 45.923 pacientes, dos quais 26.749 não possuíam urgência. Já em 2018, foram 32.605 pacientes, sendo 16.119 também com pouca urgência

Os números corroboram o posicionamento de Marise para a crise no HMI. Para ela, o problema da superlotação é mais complexo do que se imagina. “A grande questão da situação atual da unidade é a falta de atendimento primário especializado. Na capital, por exemplo, o atendimento básico é muito precário. Os Cais não possuem a mínima estrutura. Então, as pessoas não conseguem ser atendidas onde deveriam e vão todas para o HMI, o que gera a problemática”, afirmou.

Segundo ela, não dá para transferir o problema para a falta de profissionais. “Na verdade, temos de analisar porque o sistema básico, de responsabilidade das Prefeituras, não funciona. E isso é simples. Falta medicação, estrutura. A rede municipal está com diversas falhas. Há pediatras, mas não há pediatras que se sujeitem em atender em situações completamente precárias”, disse. Ainda de acordo com a profissional, medidas emergenciais e de médio e longo prazo precisam ser tomadas. “A situação é grave. Os leitos anunciados podem e vão contribuir para uma certa melhora, mas é preciso repensar toda a rede a fim de que o atendimento das crianças não fique prejudicado”, pontuou.

Rede municipal

Procurada pelo Mais Goiás, a SMS de Goiânia, informou que a rede realiza os atendimentos de duas maneiras. As urgências são concentradas no Cais de Campinas, que possui 19 pediatras em regime de plantão e atende, em média, 200 crianças por dia. Há também os atendimentos ambulatoriais (consultas agendadas) realizados nas unidades básicas como Centro de Saúde, Ciams e Cais. Ao todo, a Pasta possui 71 pediatras, sendo 19 na urgência e 52 em ambulatórios. Na ginecologia ambulatorial, atuam 50 profissionais. Em março, foram ofertadas 10 mil consultas. Deste total, 7.010 foram agendadas e 3.691 compareceram.

Na tarde desta quinta-feira (4), a secretária Fátima Mrué anunciou que 50 pediatras serão contratados de forma imediata. A medida veio à tona após reunião com promotor de Justiça, Vinícius Jacarandá, o secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino e a diretora do Organização Social que gere o HMI, Rita de Cássia Leal de Souza, para discutir a superlotação do Materno Infantil.

A pressão sobre as autoridades quanto ao HMI ficou mais intensa após a morte de uma criança de 5 anos, no último dia 29 de março, depois do paciente ficar horas esperando atendimento. O menino era portador de Síndrome de Down e chegou a ser atendido e medicado no colo da mãe. Horas depois ele teve uma complicação e não resistiu, mesmo com as manobras de reanimação.