Favelas em Goiás: a difícil realidade frente à pandemia
Central Única das Favelas (Cufa-GO) tem no radar 158 famílias para serem atendidas; Dandara, moradora de comunidade em Aparecida, não trabalha desde o começo da quarentena e pensa em empreender
Quando se fala em favela, logo vem à mente os morros do Rio de Janeiro. Quem pensa assim, pode achar que não existe esse tipo de comunidade em Goiás. Mas há. Isto, porque a designação do termo inclui aglomerados subnormais, com baixa infraestrutura. No Estado, conforme a Central Única das Favelas em Goiás (Cufa-GO), existem 247, sendo cerca de 50 só na capital. E nestes locais, o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus não tem sido fácil.
Segundo Breno Rodrigues, presidente da Cufa-GO, para conhecer as favelas de Goiás é preciso entrar no carro e andar muito, uma vez que muitas invasões ocorrem dentro dos bairros. Ele cita, por exemplo, o Morro do Macaco, dentro do setor Novo Mundo, ou o Quebra-Caixote, no Leste Universitário. “A favela é uma invasão, um bairro não legalizado. O JK, na região noroeste, tem mais de mil famílias, e é todo favela.” No fim de semana, a central esteve lá, inclusive, levando água. Falta o básico, o que se agrava nesse momento de crise pandêmica.
Realidade
A caixa que passa a sua conta de mercado, o entregador que leva a pizza até você. A faxineira que mantém aqueles locais de serviços essenciais higienizados, como os hospitais. Todos estes podem ser moradores das favelas.
Na favela, quando há renda existem dois casos, aponta Breno. São os autônomos, como os dogueiros, diaristas, trabalhadores da construção civil; e os registrados, como caixas de supermercados e mais. Boa parte destes não tiveram condição de fazer quarentena.
“Se eles não forem olhados de forma especial, serão parasitas da doença e atingirão a toda estrutura. Eles sempre giraram a economia e ficaram com a menor renda”, relata o presidente da Cufa-GO. “Então, temos duas problemáticas: ao mesmo tempo que essas pessoas não podem ficar em casa pela fome que se alastra, existe a crise sanitária. Não há saída.”
Perguntado sobre uma solução, Breno diz que o governo precisa olhar por essas pessoas, nessas comunidades que são esquecidas pelas administrações públicas, mas não só ele. “É o momento de responsabilidade social de todos. Também da classe que está lá na ponta da pirâmide. Eles têm que olhar para a base.”
Assistencialismo
Apesar de não ser o foco da Cufa – este é dar protagonismo a estas populações, por meio de trabalho, profissionalização, bem como viés esportivo e cultural –, o assistencialismo nesse momento é preciso. “Se não houver, todos irão sofrer.”
Rodrigues afirma que estas pessoas não estão ficando em casa, estão trabalhando como podem. “Então, nosso olhar, hoje, é voltado para programas assistenciais e distribuição de renda.” Mas isso, ele reforça, deve ser feito de forma ampla, não só por entidades. “A Cufa é só uma das organizações que está nas favelas.”
Ações
Alguns números são apresentados por Breno. Nessas 247 favelas espalhadas em 12 cidades do Estado (Goiânia e região metropolitana, e Rio Verde), onde a Cufa-GO está presente, são 158 mil famílias. A central, ele faz questão de ressaltar, está nos 27 entes federativos do País.
“São barracões de lona, casas de madeira, com até 12, 13 pessoas, em um cômodo ou dois. Imagine se o vírus se espalha em um local desses? É o ambiente propício para a propagação”, se preocupa. Desta forma, ele aponta duas medidas que a entidade realiza para tentar amenizar esta situação: Cufa Contra o Vírus e o Mães da Favela.
No primeiro, aproveita as lideranças que a Cufa tem nas comunidades para fazer chegar os alimentos e materiais de higiene aos mais vulneráveis. Breno explica que há cadastros, mas que se fossem só estes, aqueles que mais precisam poderiam ficar de fora. “É difícil encontrar os mais vulneráveis. Mas quem conhece e vive a realidade do local sabe. Então a Cufa se torna uma ponte.” No total, são 21.600 famílias atendidas pela Cufa-GO. Mais de 400 toneladas de donativos distribuídos.
Já o Mães da Favela é destinado às matriarcas que são chefes de família. Estas recebem R$ 240 em dinheiro, em duas parcelas. O valor em espécie, segundo Breno, serve para casos nos quais o alimento não resolve. “Às vezes não tem o botijão para fazer a comida. Então, essas mães sabem o que precisam”, explica. Em Goiás, 1.500 mães já foram beneficiadas com este programa.
Moradora
A Cufa-GO está presente nas cidades de Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis, Rio Verde, Senador Canedo, Trindade, Goianira, Nerópolis, Bela Vista, Vianópolis, Guapó, Caldas Novas. Em Aparecida, existe a favela do Itamaraty, com cerca de 300 famílias. Dandara Brenda de Oliveira de Souza vive lá, com quatro filhos, em uma casa alugada de quatro cômodos, sem água encanada e asfalto.
Vendedora em sinal, ela não trabalha desde o começo da pandemia, mas foi beneficiada nos dois programas da Cufa: Mães da Favela e Cufa Contra o Vírus. Apesar dos benefícios terem garantido a alimentação e o bem-estar das crianças, maior preocupação de Dandara, o aluguel de seu lar está atrasado em dois meses. O valor mensal é de R$ 350.
“Eu vendia água no sinal, mas não estou trabalhando. Tenho um bebê de cinco meses”, revela a moradora sobre a preocupação com o vírus e seus filhos. Os outros três têm 8, 6 e 4 anos.
Vale destacar que, por causa da crise, Dandara pensa em empreender de outra forma. Ela quer deixar o sinal de vez e fazer bolos de pote. “Assim posso trabalhar de casa e ficar perto dos meus filhos”, afirma. “É o meu sonho. Quero ser empresária, sei que tirarei uma renda maior.” Além dos riscos de contágio, o trabalho nos sinais é desgastante, segundo ela.
Perguntada se tem conseguido fazer a quarentena, Dandara garante que sim. Ela diz que quase não sai e, quando o faz, é de máscara. Quando retorna, deixa a sandália na porta. A vendedora observa, também, que seus vizinhos têm sido responsáveis. “Medo a gente tem, mas a esperança é maior.”
Economista
Para o economista Aurélio Troncoso, coordenador do centro de pesquisa de mestrado da UniAlfa, não há como as pessoas ficarem, indefinidamente, em casa. Além disso, ele observa que os maradores das favelas correm mais riscos, dada a falta de saneamento e, consequentemente, um sistema imunológico que pode ser mais afetado.
“Em favelas e locais menos privilegiados, há uma grande dificuldade de ficar dentro de casa. Os R$ 600 de auxílio emergencial do governo ajudam, mas não suprem a necessidade das pessoas. Então, eles estão saindo pra trabalhar, com risco de disseminar muito rápido e o sistema de saúde pública não estar preparado”, avalia.
Sobre como o governo poderia ajudar mais, ele afirma que os 60 dias de quarentena deveriam ter sido usados para o Estado se preparar e poder receber um impacto maior de pessoas infectadas. Ele cita a criação de Hospitais de Campanha, aquisição de respiradores, convênios com particulares, etc.
“Sem dinheiro, as pessoas irão correr o risco. É difícil ficar em casa sem dinheiro. A pessoa irá para a rua.” Desta forma, além da preparação do Estado – que a maioria não fez, ele observa –, as pessoas precisam se conscientizar e seguir as orientações de saúde. “Ou seja, o governo tinha que se preparar para o impacto e reabrir”, reforça.
Para ele, o Brasil tem a vantagem do Sistema Único de Saúde estar em todos os municípios, apesar de precário. “Então, esses 60 dias deveriam ter sido para organizar essa questão. Ninguém ficará eternamente em isolamento.”