Filho de PM contaminado pelo Césio 137 será indenizado por sequelas provocadas pelo acidente
Nascido em 1994 com severos problemas de visão, rapaz de 24 anos e advogado conseguiram provar na Justiça relação dos danos com o episódio. Ação foi iniciada após pensão ter sido negada pelo Estado
Prestes a completar 31 anos, o maior acidente radiológico do mundo causado pelo vazamento do composto radioativo Césio 137 ainda gera repercussões. Afinal, 1.345 pessoas direta e indiretamente afetadas pela radiação, ainda realizam tratamentos no Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados Leide das Neves (Cara), em Goiânia. Nesta segunda-feira (18), decisão da 1° Vara Federal de Goiânia determinou o pagamento de R$ 30 mil em indenização, além de pensão vitalícia da União e Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem) ao filho de um Policial Militar de Goiás exposto, sem proteção, a peças contaminadas em 1987.
Concebido sete anos após o acidente, o rapaz, de 24 anos, afirma sofrer com problemas severos de visão desde o seu nascimento em fevereiro de 1994, os quais teriam sido causados pela exposição do pai – que também sofre com doenças crônicas – ao agente radioativo. Advogado que atuou no caso, Paulo Roberto Rodrigues, reforça que cliente é cego do olho direito e tem perdido gradualmente do membro esquerdo.
“Apresentamos pedido de pensão no Centro Estadual, mas não conseguimos, como várias outras vítimas, comprovar o nexo de causalidade dos problemas de saúde com o acidente e tivemos o pedido negado. Porém, a relação estabelecida por nós no processo judicial foi aceita e se torna uma premissa, uma jurisprudência, para outros casos. Acredito que foi uma decisão acertada, tendo em vista que pessoas ficam desamparadas pelo Estado e União, mesmo já tendo sofrido bastante. Agora poderão entrar com processo para terem reconhecidos os seus direitos”, explicou Rodrigues.
Nexo comprovado
Embora a União e o CNEN tenham alegado a prescrição do pedido e inexistência de obrigação de indenizar o rapaz, o juiz Marcelo Gentil Monteiro entendeu que ambas as partes tem “legitimidade passiva” no acidente. “Não procede a preliminar de ilegitimidade suscitada pela União, tendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecido ter o ente contribuído para o acidente. Igual fim deve ter a preliminar de ilegitimidade passiva do CNEN, considerando que houve falha quanto ao modo de orientar e proteger quem travou contato com rejeitos radioativos em área sob sua fiscalização, conforme já decidiu o Tribunal Regional Federal em inúmeros julgados”.
Entendendo como graves os danos à visão do rapaz, o juiz fixou indenização e pensão vitalícia a ser recebida com retroatividade a partir do ano de 2014, período em que o pedido administrativo no Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados Leide das Neves foi feito. “Tendo sido demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da administração e as moléstias que acometem o autor, surge o dever de indenizar, devendo-se levar em conta que a gravidade das lesões, inclusive com cegueira monocular, é apta a causar diversas limitações à vida do autor, inclusive com incapacidade laborativa parcial”.
Ao Mais Goiás, o beneficiado com a decisão afirmou que o pai trabalhou nos dejetos radioativos fazendo guarda, remoção de itens e auxiliando o trabalho realizado com peças contaminadas. “Ele trabalhou sem nenhum tipo de proteção pelo CNEN ou Estado. Assim, ele foi contaminado e sofre com problemas de saúde que vão de perda de cabelo, pressão irregular dentre outros. Agora com a decisão, ele também planeja requerer pensão, já que também teve o pedido negado no Cara Leide das Neves”, adianta. Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Causalidade discutida
De acordo com dados do Cara Leide das Neves, 112.800 pessoas foram monitoradas pelo estado na época do acidente, ocasião em que foram detectadas 129 pessoas contaminadas. Como o protocolo recomenda que seja feito o acompanhamento de filhos e netos dos diretamente afetados, atualmente o centro atende 1.345 pessoas, das quais cerca de 500 recebem pensão estadual e outras 250 foram contempladas com pensão federal.
Porém, o diretor-geral do Cara Leide das Neves, André Luiz de Souza, afirma que, no âmbito do processo administrativo, estudos e exames comprovam que nenhuma criança, entre filhos e netos dos diretamente irradiados, apresenta enfermidade com nexo de causalidade com o acidente.
“Mesmo após 30 anos passados do acidente, temos pesquisas e aval de todas as autoridades no assunto de que a contaminação não foi transmitida a filhos e netos. No processo administrativo, isso é o que persiste para nós: não há nexo de causalidade. No entanto, vamos respeitar a decisão porque ela, inclusive, já foi publicada”.
Césio 137
O acidente ocorreu em setembro de 1987, quando catadores de lixo encontraram e abriram peças hospitalares abandonadas no antigo Instituto Goiano de Radioterapia (IGR) e posteriormente vendidas a um ferro-velho. Situado dentro de um aparelho de raio-X, o componente liberou um pó azulado.
O proprietário do ferro-velho distribuiu fragmentos do material curioso a parentes e amigos que tiveram contato direto na pele, inalação e até ingestão do material. A proximidade com a radioatividade, no entanto, provocou, desde os primeiros dias, náuseas, vômitos, bem como lesões de tipo queimadura na pele dos manipuladores.
O caso ganhou repercussão internacional e foi explorado pelo cinema nacional. Dentre as películas mais conhecidas está a produção Césio 137 – O Pesadelo de Goiânia, estrelado por Paulo Betti e direção de Roberto Pires.