Investigação

GO: PMs são suspeitos de fraude em IR com benefício do Césio

Além de advogados, militares de Goiás e Tocantins são suspeitos de integrar grupo criminoso

Cápsula onde estava o césio (Foto: Divulgação/Governo de Goiás)

Em Goiás, policiais militares são suspeitos de fraudar documentos médicos para obter isenção no Imposto de Renda (IR) por meio de benefício destinado às vítimas do acidente com Césio-137.  As informações foram obtidas por meio da operação Fraude Radioativa, deflagrada na última segunda-feira (30/9) pela Polícia Civil. A investigação também apontou a participação de advogados no esquema fraudulento que pode ter causado mais de R$ 20 milhões de prejuízo aos cofres públicos.

Conforme inquérito policial, pelo menos 25 coronéis da reserva de Goiás e Tocantins são citados no suposto esquema. Além disso, outros 19 oficiais da reserva, um promotor de Justiça aposentado e um praça também são apontados como possíveis beneficiários de ações judiciais protocoladas com uso de laudos médicos falsos.

Conforme apontado pela Procuradoria Geral de Goiás (PGE-GO), as ações propostas por servidores estaduais, solicitando benefícios para obter isenção do Imposto de Renda (IR) e pensão vitalícia. Os pedidos eram baseados em laudos médicos falsos, nos quais os beneficiados alegavam serem vítimas de doenças graves supostamente decorrentes da exposição ao Césio-137.

Advogados integravam o esquema

De acordo com a Polícia Civil, advogados também participavam do esquema. Durante a operação, foram cumpridos três mandados de prisão, além de 11 mandados de busca e apreensão. Na segunda-feira, as advogadas Ana Laura Pereira Marques e Gabriela Nunes Silva foram presas suspeitas de participação no esquema.

Um mandado de prisão preventiva também foi expedido contra o subtenente da reserva Ronaldo Santana Cunha, mas ele não foi localizado. O militar se apresentou na terça-feira (1º/10), mas não foi preso. A legislação eleitoral não permite esse tipo de prisão na semana que antecede as eleições, que ocorrem no próximo domingo (6/10).

O Mais Goiás não conseguiu localizar a defesa dos citados. O espaço segue aberto para que os defensores se posicionem.

Como funcionava o esquema e fraudes do IR com benefícios do Césio

As investigações começaram quando um médico que trabalha como coordenador da Junta Médica Oficial do Estado de Goiás denunciou que tinha sido procurado, em fevereiro deste ano, pela advogada Ana Laura Pereira. A profissional teria ido como paciente a um local onde o médico trabalha de forma particular, em Goiânia. Mas, durante a consulta, ela teria questionado se ele estaria “disposto a confeccionar laudos para radioacidentados” pelo césio-137. Entretanto, o médico recusou a proposta.

Em maio, o profissional teve conhecimento da existência de relatórios médicos falsificados “em número significativo” com sua assinatura sendo utilizados em procedimentos administrativos que tramitavam, por parte de servidores, na Junta Médica da Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO). Assinaturas falsas do profissional também foram usadas em processos judiciais protocolados no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO).

Um outro médico denunciou que a advogada estaria utilizando laudos falsos com sua assinatura. A partir das denúncias dos dois médicos, investigadores identificaram ações judiciais em que 17 servidores públicos aposentados figuravam como requerentes de benefícios de isenção de Imposto de Renda. As ações foram protocoladas em diferentes cidades, como Goiânia, Anápolis, Morrinhos, Itaberaí, Silvânia, Rio Verde, Iporá, Piracanjuba e Quirinópolis.

Conforme relatório da PC-GO, todos os processos tiveram como advogada a investigada Ana Laura. Entre os clientes dela, listados pela corporação, estão quatro coronéis, dois tenentes-coronéis, dois majores e um capitão da PM-GO, um tenente-coronel da reserva do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBMGO), além de um promotor de Justiça aposentado de Goiás e capitão da reserva não remunerada. Dois coronéis da reserva do Corpo de Bombeiros do Tocantins (CBM-TO) e outros quatro coronéis da Polícia Militar do Tocantins (PM-TO) também constam como requerentes.

Além dos 17 nomes levantados pela investigação da PC-GO, a PGE apresentou um relatório contendo 36 militares da reserva que figuravam como autores de ações judiciais protocoladas pelas advogadas Ana Laura e Gabriela, além de outros quatro advogados citados no inquérito policial. Desses, entretanto, 7 já haviam sido identificados anteriormente. Ou seja, 46 nomes foram levantados.

De acordo com o titular da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), Leonardo Pires, cada caso será avaliado individualmente para apurar se os servidores sabiam, ou não, de que se tratava de uma fraude. Com base em uma lei federal, portadores de condições específicas podem solicitar a isenção, tais como câncer (neoplastia maligna), contaminação por radiação e cardiopatia grave. Eram essas as justificativas para a grande maioria das ações fraudulentas.

Investigação tenta identificar outros envolvidos

A investigação continua com análise dos processos para identificar todos os casos que utilizaram documentos falsificados. Segundo o delegado, a operação vai oficiar as unidades de saúde que emitiram os laudos médicos apresentados nos processos.

Os investigados devem responder pelos crimes de estelionato em desfavor do Estado, associação criminosa, uso de documentos falsos e fraude processual. As penas somadas podem chegar a mais de 21 anos de prisão.

A procuradora do Estado, Poliana Julião, ressalta que há uma parcela significativa de liminares deferidas e, agora, cabe à PGE fazer um “pente-fino” para apurar aquelas que são fraudulentas e, então, recorrer para recuperar o prejuízo. “Vamos analisar cada uma. Nosso objetivo é neutralizar o dano ao erário e buscar o ressarcimento integral dos valores pagos indevidamente”.

O Mais Goiás não encontrou contato das advogadas citas, mas espaço permanece aberto para possível posicionamento.

Acidente com Césio 137

O acidente com o Césio-137, ocorrido em Goiânia, em setembro de 1987, é considerado o maior acidente radiológico do mundo ocorrido fora de uma usina nuclear. Tudo começou com o manuseio indevido de um aparelho de radioterapia abandonado em uma clínica desativada, em 13 de setembro de 1987.

Dois catadores de materiais recicláveis encontraram e venderam a peça para um ferro-velho. Na desmontagem, chegaram até a cápsula que armazenava 19 gramas de Césio-137.

Quatro pessoas morreram, 249 casos registraram contaminação grave, e outras cerca de 6,5 mil pessoas foram atingidas com algum grau de radiação. Os dois terrenos em que as cápsulas foram abertas, a casa dos catadores e o ferro-velho, foram demolidos.

Nota na íntegra da Polícia Militar de Goiás

Em resposta a solicitação do Mais Goiás, a Polícia Militar do Estado de Goiás informa que a operação intenta elucidar possíveis golpes previdenciários, foi deflagrada pela Polícia Civil de Goiás e está sob investigação da referida instituição.

A PMGO reitera que, caso seja solicitada pelas autoridades competentes, está a disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

A PMGO destaca ainda que não compactua com desvios de conduta de qualquer natureza e tomará as providências administrativas cabíveis, conforme o desenrolar das apurações”.

*Texto contém informações do O Popular