Goianas quebram o preconceito e avançam em profissões consideradas masculinas
“Nossa, uma mulher?”, “Mas, você faz a mesma coisa que um homem?”. Essas são algumas…
“Nossa, uma mulher?”, “Mas, você faz a mesma coisa que um homem?”. Essas são algumas das frases mais ouvidas por mulheres que contestam, através do trabalho, o estigma social de que a figura feminina é frágil demais para ocupar cargos considerados masculinos, pelo imaginário popular. Segurança pública, futebol, transporte coletivo. Nessas e outras áreas, a resistência delas é diária, não apenas em Goiás, mas no Brasil inteiro.
Ainda que sejam maioria populacional no país, elas ocupam apenas 39,1% dos cargos gerenciais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parte desse problema, segundo pesquisa realizada pela ONG Plan International, pode ter origem no subconsciente infantil das mulheres. O levantamento, feito com meninas com idades de 6 a 14 anos, aponta que 40% delas crescem se considerando menos inteligentes, fortes e/ou capazes que os meninos.
Apesar da desvalorização mercadológica e social, mulheres costumam trabalhar uma média de três horas a mais por semana que os homens (IBGE). Isso porque além de cumprirem seu dever no trabalho externo, assumem tarefas domésticas e de educação dos filhos. Tudo isso sem deixarem de lado o cuidado consigo mesmas.
Em Goiás 3.636.214 mulheres (IBGE, 2021) enfrentam rotinas semelhantes. Três delas, Pollyanna, Ana Júlia e Edevânia, compartilharam trechos de suas histórias, com desafio de exercerem mais de cinco funções em suas vidas todos os dias. Elas ainda compõem a série fotográfica “Delicadamente Fortes”, lançada neste 8 de março, pelo fotógrafo Jucimar de Sousa. Veja abaixo:
“Comecei por incentivo do meu marido”
Motorista do transporte coletivo em Goiânia há cinco anos, Pollyanna Rodrigues de Araújo Morais sente que levar os passageiros é um privilégio. Incentivada pelo marido à se tornar motorista de ônibus, ela diz que o mesmo cuidado e carinho que tem com ela mesma ao se arrumar para trabalhar é depositado na sua responsabilidade ao dirigir.
“O trânsito requer muita paciência e atenção, às vezes alguém assobia, buzina…mas nada fora do normal. No começo senti medo de não conseguir e da aceitação por ser uma profissão vista como trabalho de homem”, explica Pollyana orgulhosa.
Atualmente, as mulheres representam 1,96% do total de motoristas do transporte público coletivo de Goiânia, com 44 mulheres no comando da direção, conforme dados enviados pela RedeMob Consórcio.
Entre os mais de 4 mil funcionários, a figura feminina é representada por 370 mulheres, que totalizam 9,18% do total de funcionários do transporte público coletivo em Goiânia. Parte deste número que ainda é pequeno, Pollyana não se abate. “Isso foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, hoje me sinto feliz e realizada”, afirma ela.
“Quando se trata de futebol feminino sempre teremos mamães”
Nascida do amor de um pai técnico e uma mãe goleira da equipe adversária, Ana Júlia Menezes Rocha Herzog é a preparadora física do Goiás Esporte Clube. Apesar de ter sido criada na beira do gramado, ela diz que soube desde muito cedo que ajudaria, de fora do campo, o futebol feminino a crescer.
Mãe de uma menina de 2 anos e grávida de seis meses de um menino, Ana Júlia leva a filha ao trabalho e diz saber das dificuldades que o esporte enfrenta em busca de mais visibilidade. Na opinião dela, para que a modalidade cresça é preciso entender que sempre irão existir mães e, com isso, apoiá-las.
“”O futebol feminino é feito por mulheres, não devemos impor que a mulher escolha entre a carreira e o filho”, afirma a preparadora física do Goiás.
Ana Júlia revela que a filha Agnes é bem aceita em seu trabalho, embora já tenha notado insatisfações isoladas. Certa vez, a treinadora precisou acompanhar o time em um campeonato. Ficou 13 dias fora de casa na companhia da menina e percebeu que parte da organização não entendia a situação. “Diziam que não tinha cabimento uma criança durante um evento esportivo. Não julgo as mamães que optam por não levar, mas enquanto eu puder ela estará junto”, desabafa.
Guerreiras
Atualmente no estado de Goiás, o maior vencedor do Goianão feminino é o time do Aliança, com 14 taças. Time esse em que os pais de Ana Júlia fizeram parte e hoje ajudam na gestão.
Apesar das dificuldades, a preparadora física não se abala. “O futebol feminino está evoluindo. Ocupar esse cargo faz com que outras mulheres se sintam capazes de ocupar outros espaços também. Espero muito que um dia seja normal trabalharmos dentro desse universo, hoje tão masculino”, reflete a mãe de Agnes.
“Você tem que mostrar que é capaz de vencer as dificuldades”
Há 14 anos Edevânia Ferreira da Silva trabalha na Guarda Civil Metropolitana de Goiânia e, atualmente, é a única mulher do grupo especializado da Ronda Ostensiva (ROMU). Ela fala com orgulho da profissão e ainda se emociona ao lembrar das dificuldades que enfrentou ao deixar os filhos para realizar as provas e corridas com tiros, estandes e câmaras de gás.
Prestes a completar 40 anos, Edevânia diz que considera sua profissão desafiadora, no entanto, revela que uma de suas principais batalhas foi conseguir passar no concurso em 2005. “Eram mais de mil vagas, mas só umas 100 eram para mulheres. Eu até pensava em desistir, mas dizia pra mim mesma ‘eu vou conseguir, eu quero’, fui lá e passei”, relembrou com a voz embargada.
De acordo com a GCM, hoje 101 mulheres fazem parte da Guarda e representam apenas 7,09% da corporação. Elas ocupam desde cargos administrativos até patrulhas. A grande maioria está lá desde 2005, assim como Edevânia.
“Me emociono em alguns momentos, porque foi muito exaustivo. Me mostrou o quanto eu sou forte. “Ser rotulada como sexo frágil, pra mim, não tem nada a ver (sic). No meu primeiro dia de estágio pensei ‘era tudo que eu queria’ e assim é até hoje: todos os plantões são como se fosse o primeiro. Mesmo involuntariamente, fiz história.”, celebra.
Clique aqui para ver mais fotos da série fotográfica Delicadamente Fortes, de Jucimar de Sousa.