Goiânia: 87 anos e a evolução histórica do calor
Cidade tem registrado, anualmente, acréscimo de 2°C nas temperaturas mínima e máxima. Para especialista capital precisa de projeto de arborização para equilibrar impactos do desenvolvimento
Goiânia chega, neste sábado (24), aos 87 anos. Um período marcado por história, desenvolvimento e, é claro, de muito calor. O clima tropical típico da capital aliado a um processo de derrubada de árvores para construções civis, poluição e aquecimento global resulta, cada vez mais, em um ambiente quente, com baixa qualidade de ar e ilhas de calor. O resultado? Os goianienses sentindo na pele as elevadas temperaturas, que, inclusive, bateram recorde este ano, chegando a 41°C, no mês de setembro.
Em análise dos últimos 50 anos na capital, a professora Gislaine Cristina Luiz, do Instituto de Estudos Socioambientais, da Universidade Federal de Goiás (UFG), constatou tendência de aumento da temperatura máxima e mínima na cidade. Por ano, segundo ela, tem ocorrido acréscimo de cerca de 2°C a 2,2°C da temperatura mínima, e entre 1,8°C e 2°C, no caso da temperatura máxima.
Dados registrados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram a mencionada evolução. A temperatura máxima registrada entre 1931 e 1960, nos meses de junho, agosto e setembro foi de 28,3°C, 30,8°C e 32°C, respectivamente. Nos mesmos meses, entre 1961 e 1990, os registros foram de de 28,9°C, 31,2°C e 31,9°C. Já entre 1991 e 2010, ocorreu evolução ainda maior: 30,2°C, 32,1°C e 33°C, também nos meses de julho, agosto e setembro.
No caso da temperatura mínima, a evolução é ainda mais exacerbada. Entre 1931 e 1960, julho teve mínima 9,8°C. De 1961 a 1990, o registro em julho foi de 13,2°C, enquanto de 1981 a 2010, a mínima registrada foi de 14,2°C. O mês de agosto saltou de uma mínima de 11,4°C, do período compreendido entre 1931 e 1960, para uma mínima 15°C, entre 1961 e 1990. Entre 1991 2010 a menor média de temperatura foi de 16°C.
Em setembro, a mínima estava em 14,7°, entre os anos de 1931 e 1960, e subiu para 18,1°, entre 1961 e 1990. Já entre 1981 e 2010, o registro foi de 18,7°C no mesmo mês.
Bolha de ar quente
A professora Gislaine explica que o calor é algo normal em Goiânia por conta do clima tropical. A situação, porém, tem se intensificado. Ela expõe que, antigamente, os registros de maior calor ocorriam no final de agosto, durante todo o mês de setembro e parte de outubro. A pesquisadora afirma que, mesmo nestes períodos de altas temperaturas, a população tinha certo alívio e clima mais ameno em determinadas horas do dia.
Atualmente, no entanto, isso não tem acontecido. “Não temos mais aquela variação ao longo do dia. Nem mesmo no inverno isso tem ocorrido”, disse. Segundo Gislaine, também há baixa velocidade dos ventos e o ar fica parado nos ambientes. “É como se a população estivesse em uma bolha de ar quente. Só o ar já queima. A sensação térmica é maior do que a temperatura, inclusive”, completou.
Em 2020, a capital bateu o recorde de calor já registrado na cidade desde o início da medição da temperatura, em 1937. A onda de calor histórica atingiu o ápice no dia 7 de outubro, chegando a 41,2°C. Antes disso, a maior temperatura já registrada tinha sido feita em 17 de outubro de 2015, com 40,4°C.
Causas
Para a especialista, a evolução das temperaturas está diretamente ligada à urbanização, crescimento e desenvolvimento da cidade. De acordo com Gislaine, a modificação da cobertura do solo pela ação humana, com a retirada do solo para a colocação de materiais da construção civil, absorvem a energia solar e devolvem ao ambiente em forma de energia calorífica.
Assim, o crescimento desenfreado da capital, com inúmeras obras de pavimentação asfáltica, prédios e demais construções modificam o balanço da energia do ambiente, promovendo elevação das temperaturas. “Isso não significa que a cidade não pode se desenvolver, mas que é preciso um projeto de arborização para equilibrar as alterações e minimizar os efeitos para a atmosfera”, comentou.
Apesar de ser fator primordial para o aumento do calor, a urbanização não é única causa. De acordo com a professora Gislaine, a atmosfera está em constante mudança, seja ela causada por um processo natural, de escala geológica em centenas de milhares de anos, ou transformações causadas por atividades antrópicas, ou seja, ações realizadas pelos seres humanos.
“Neste sentido entramos na questão da poluição e aquecimento global, que eleva as temperaturas. O clima tropical por si só já explica o calor, mas as atividades humanas influenciam diretamente na alteração do ambiente e desencadeiam eventos extremos mais significativos como o registro de 41,2°C”, disse.
Ilhas de calor
Por conta das inúmeras construções de edifícios, algumas regiões de Goiânia registram maiores temperaturas. Gislaine explica que, quanto mais prédios e concreto e menos vegetação, há mais ambientes quentes. Tal fenômeno é denominado de Ilha de Calor Urbano (ICU), as chamadas ilhas de calor, que também diminui a umidade relativa dos ambientes.
Conforme expõe a especialista, a capital possui vários pontos de ilhas de calor, fáceis de serem detectados. “O Setor Campinas, por exemplo, é uma das referências deste fenômeno. Lá temos elevação da temperatura e queda da umidade do ar”, salientou. O Setor Bueno, principalmente entre a Serrinha e a T-11, também é propício para a ocorrência.
As consequências, segundo ela, são a baixa qualidade do ar e potencialização de problemas de saúde, desde mais simples como irritação dos olhos e rinite, até problemas mais graves, como acidentes cardiovasculares.
Além disso, as altas temperaturas e baixa qualidade do ar influenciam o humor e podem ser associados, bem como potencializar explosões de violência. “Não quer dizer que o clima gera doenças ou aumenta a violência. Ele é um fator que potencializa, contribui e agrava tais problemas”, ressalta.
Mudanças
Gislaine aponta que, apesar de Goiânia estar com altas temperaturas, a situação pode ser amenizada. Segundo ela, a principal mudança refere-se a um projeto de arborização. “Mas não se resume em apenas plantar. É um projeto que tem começo, mas não tem fim. É um trabalho multidisciplinar, de uma gestão integrada. São necessários estudos, mecanismos de intervenção e fiscalização”.
E completou: “a população precisa estar atenta e deve exigir da gestão pública soluções para nossos problemas ambientais. Não podemos permitir projetos que mascarem os problemas de forma superficial. Precisamos de soluções inteligentes, que amenizem as mudanças climáticas e melhorem a qualidade do ar e ambiental”.