ANIVERSÁRIO

Goiânia 90 anos: no centro há 60 anos, sapataria projeta resistir décadas

Sapataria resiste ao abandono do Centro da capital

Cleomar Malaspina, sapateiro no coração da rua 7, centro de Goiânia (Foto: Jucimar de Sousa | Mais Goiás)

“Um sapato bonito e bem engraxado é um divisor de águas para fechar um negócio.” Cleomar Malaspina não teme a pirataria e tampouco o avanço das plataformas orientais em que é possível encontrar preços de calçados cada vez mais baixos. “É tudo plástico. Mesmo uns com qualidade melhorzinha, tipo courino… Não dura mais que seis meses”, destaca.

A sapataria de Malaspina existe há, pelo menos, 60 anos na Rua 7, no coração do centro de Goiânia, capital que completa 90 anos nesta terça (24). Cleomar assumiu o ponto há quase uma década e lá pretende ficar até se aposentar. Entre os serviços oferecidos pelo sapateiro estão o de deixar os sapatos do cliente brilhando, manutenções e até encomendas de novos calçados. “Em couro. Qualidade é outra”, vende o peixe.

Na filosofia de Cleomar, não há como fechar um bom negócio se o sapato do vendedor não estiver impecável. “Hoje em dia um advogado, por exemplo, com o sapato bem engraxado é outro nível. Ele chega num local que o sapato não tá bem engraxado? A pessoa olha e pensa: ‘Se esse cara não cuida bem do sapato, vai cuidar bem da minha ação?’”, indaga. “É igual um dentista com dente amarelado. Acaba com a credibilidade”, brinca.

Malaspina conta que quando assumiu o ponto tinha muito movimento e nunca lhe faltava serviço. “Mas aí veio as obras do BRT que praticamente mataram o centro de Goiânia. Pouco a pouco isso aqui foi se degradando”, lamenta. “Depois que começou, parou geral. Inúmeras lojas na Avenida Anhanguera fecharam as portas. Acaba que afeta as ruas adjacentes também. Aqui mesmo, muito comércio acabou fechando”, comleta.

Pudera, a estrutura da sapataria de Malaspina pode até se assemelhar a uma barbearia. Ignore os sapatos jogados ao fundo e o cliente terá quatro grandes poltronas para assentar. No passado, vários engraxates ficavam ali atendendo em fila os clientes interessados no brilho perfeito. No dia da reportagem, apenas Cleomar fazia os atendimentos. Em 20 a 30 minutos o serviço é feito.

Durante o serviço o papo flui. Ali, Malaspina vira consultor de economia, política e até psicólogo. Um de seus clientes mais fiéis? O prefeito Rogério Cruz (Republicanos). “Posso dizer que ele é até meu amigo. Desde quando ele era vereador, ele vem aqui. Tenho até intimidade de fazer cobranças com ele. Rogério cadê a revitalização do centro?”, brinca ao comentar a relação com o chefe do executivo municipal.

Malaspina está acostumado a arrumar belos sapatos de couro. “Algumas pessoas têm relação de amor com o calçado e fazem questão de mantê-lo. Seja porque gastou muito para adquiri-lo ou porque ganhou de alguém querido. Tem essa questão afetiva. Muita gente usa pela lembrança”, salientou. Por isso, acredita que sua profissão não será extinta.

“Eu acho que por mais que as pessoas se apeguem a novas tecnologias, tenham acesso a sapatos mais baratos e até bonitos mas com uma qualidade não muito boa, elas não vão deixar de vir aqui ou em outras sapatarias tradicionais para comprar um calçado de qualidade ou fazer manutenção. Tem sempre esse cliente que não vai abrir mão desse serviço”, projeta. 

Tal qual um bom sapato merece ser revitalizado, o centro também. “Acho que precisa de dar boas condições para os comerciantes voltarem para cá. Não só tributo, mas segurança também. O centro precisa ser mais seguro. Claro, acelerar a obra do BRT e terminá-la de uma vez por todas. Se fizer isso, tá meio caminho andado pra recuperar uns 80% do que era a região”, projeta esperançoso.